Ontem teve apuração do carnaval de São Paulo e logo mais acontecerá a do Rio. Mesmo quem não curte o desfile das escolas de samba costuma parar para ver. Tem gente até que acha mais emocionante que os próprios desfiles. Outros, tão chato quanto.
Aquilo que deveria ser apenas um procedimento burocrático para verificar qual foi a melhor escola virou um ícone tão marcante da festa quanto o mestre-salas e a porta-bandeira. A leitura das notas, sobretudo a da máxima, está tão incorporada à coreografia do carnaval que é difícil imaginar que alguém tenha inventado algo que hoje parece tão natural.
Mas nem sempre foi assim. O bordão “Dez! Nota Dez”! anunciado com entonação grandiloquente surgiu no carnaval de 1984, junto com a inauguração do sambódromo carioca.
Seu criador foi o polêmico e controvertido Carlos Imperial, na época vereador no Rio e designado pelo governo de Leonel Brizola para comandar a Comissão de Carnaval dos primeiros desfiles no local idealizado por Oscar Niemeyer.
O biógrafo Denilson Monteiro descreve como foi em seu livro, não por acaso entitulado “Dez! Nota Dez! Eu Sou Carlos Imperial”:
"... Na Quarta-feira de Cinzas, por volta das 17h, Imperial, guiado pelo leal Russão, se dirigiu ao Maracanãzinho, onde seria realizada a apuração do Carnaval de 1984. As notas seriam lidas por ele, que pontualmente às 18 horas deu início ao trabalho. O ginásio Gilberto Cardoso ficava bem próximo do morro da Mangueira. Por isso, os torcedores da Estação Primeira se encontravam em número muito maior que as demais. A escola já iniciou o primeiro quesito com nota máxima, o que fez com que Imperial optasse por improvisar uma mudança na forma como estava conduzindo a apuração. Decidido a mexer com a platéia, anunciou com sua garganta privilegiada:
- Estação Primeira de Mangueira: dez! Nota dez!
Os mangueirenses entraram em êxtase. Percebendo que a maneira diferente de anunciar o resultado havia agradado, Imperial repetiu a fórmula com as notas máximas das demais agremiações. Simultaneamente, por toda a cidade o que se ouvia naquele cair de tarde era um novo bordão que se alastrava como um vírus. Em todos os lugares as pessoas procuravam imitar a voz radiofônica de Carlos Imperial:
- Dez! Nota dez!
A apuração terminou com a Portela de Imperial e seu enredo “Conto de Areia” campeã do desfile de domingo e Mangueira como a campeã de segunda. O Gordo deixou o Maracanâzinho como coadjuvante que por alguns minutos roubou a cena, algo que sempre o agradava bastante. Na rua, as pessoas o reconheciam e gritavam:
- Lá vai o "Dez! Nota Dez". ..."
O bordão foi um dos últimos legados de Imperial, um cara que tem no currículo várias outras criações marcantes da cultura brasileira ao longo dos anos e que morreria no fim de 1992.
Amado e odiado com a mesma intensidade, Imperial foi - além de autointitulado “Rei da Pilantragem” - pioneiro na propagação do rock no Brasil, descobridor e mentor de Roberto Carlos e outros artistas como Erasmo e Wilson Simonal, compositor de vários sucessos (“Vem Quente que eu estou fervendo” e A Praça”) e um grande fanfarrão daqueles que rareiam nos dias de hoje. No carnaval, por vários anos participava do tradicional desfiles de fantasias luxuosas cujo símbolo era Clovis Bornay só para debochar dos concorrentes.
Imperial também tem outras obras - e atitudes - menos nobres no currículo. Mas aí só lendo a biografia escrita por Denilson Monteiro (agora debruçado sobre Ronaldo Bôscoli) para saber.
O livro nas livrarias virtuais
Também é possível achar em sebos o livro "Memórias de um Cafajeste", do próprio Imperial:
Memórias de um Cafajeste" na Estante Virtual
Memórias de um Cafajeste” no Mercado Livre
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