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Memória, gente e lugares

Edy Star proporciona momento histórico a fãs de Raul Seixas

Artista recriou ‘Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10′ na Virada Cultural

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:

Nem o mais otimista dos fãs poderia esperar tanto. Após as apresentações de Os Panteras tocando o disco “Raulzito e os Panteras” e Leno Azevedo, com o cultuado e fantasma “Vida e Obra de Johnny McCartney”, intercalado pela vigorosa presença dos rockabillys Gaspa e Os Alquimistas, entrou ao palco Edy Star. Todo fã de Raul conhece a figura.

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Amigo de Raul Seixas desde a juventude em Salvador, Edy é o único remanescente do grupo que o então discreto produtor da CBS reuniu para perpetrar uma de suas primeiras iconoclastias musicais: “Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez”, disco de 1971 que além de Raul ainda contava com Edy, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada.

Claro que ninguém cobraria nada se dali não saísse muita coisa, já que no palco haveria 24 horas de Raul Seixas, com diferentes artistas interpretando todos os seus discos, música por música. Era jogo amistoso com a torcida a favor. Vindo especialmente da Espanha, onde mora e trabalha há vários anos, a sua simples presença era motivo de comemoração. Com sua personalidade festiva (Raul o chamava de Edy Bofélia) não seria difícil deixar uma lembrança simpática e carinhosa.

Mas Edy não é homem de se contentar com pouco nem de meios termos, como mostra a sua interessante trajetória. E também como se podia ver antes da apresentação, quando circulava - muitas vezes anonimamente - entre a multidão na Rua Casper Líbero.

Durante o show dos Panteras, chegou a retirar uma faixa que um fã barbudo de óculos escuros e bandana pendurou em uma pequena árvore, impedindo que ele visse o show dos conterrâneos enquanto conversava com um homem que destoava dos milhares ao redor por estar de terno. Nessas situações não são poucos os que dariam um passo ao lado para evitar confusão. Mas, mal o sujeito pendurou a faixa, Edy a arrancou prontamente. O cara foi tirar satisfação e Edy encarou. De passagem, não deu para captar o diálogo ríspido que se seguiu, mas de longe dava para ver que a faixa não voltou a atrapalhá-lo.

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Encerrado show de Leno, cabia então a ele relembrar não só o homenageado do dia, mas também outros dois talentosos falecidos que faziam parte daquilo que nos dias de hoje seria chamado de coletivo: Sérgio Sampaio e Miriam Batucada.

Apesar da complexidade musical do disco de 1971, seu caráter anárquico permitiria que não houvesse tanta preocupação com o suporte musical e seria fácil apostar apenas na reconhecida capacidade cênica de Edy para segurar o show.

Como dito, era jogo ganho. Mas em vez de se contentar com um empate ou vitória por um de diferença, o técnico botou o time para golear. Responsável por reconstituir as 11 faixas inéditas em shows (a Sociedade Kavernista nunca se apresentou, e somente o bolero Sessão das Dez foi posteriormente aproveitado por Raul nos shows de sua fase inicial), o guitarrista Caverna foi meticuloso na reprodução dos arranjos e garantiu, com dupla de backing vocals, percussão e naipe de metais acompanhando a base bateria-baixo-guitarra - uma retaguarda pra lá de sólida para a performance de Edy.

Todas as faixas, começando pela carnavalesca “Êta Vida” e terminando com “Dr. Paxeco”, contavam com troca de figurinos de Edy, lembrando as roupas dos quatro protagonistas na capa do disco: a camisa da seleção brasileira de Sérgio, o hippie estilizado de Raul, a super-mulher de Miriam e o ídolo da juventude de Edy.

As debochadas vinhetas que separam as faixas ao longo do disco (“...i rapaz hoje vi meu ídolo da juventude...; ...alô, é Jorginho Manero, é verdade que agora você é hippie? Podes crê ...” “Eu comprei uma televisão à prestação...”; “Tem um hippie em pé no meu portão...”) foram reproduzidas com fidelidade e participação de Sylvio Passos, fã-símbolo de Raul Seixas.

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Mesmo não tendo as letras na ponta da língua (ao contrário do público) e por muitas vezes tendo que recorrer à leitura de colas no chão do palco, Edy não deixou a peteca cair por um minuto. Com a seqüência de bolero, xaxado, forró, marcha, samba, rumba e outros ritmos que o quarteto cantou com suas diferentes vozes no disco original, Edy botou a multidão majoritariamente associada ao rock (principalmente por causa da vestimenta preta) para dançar e rebolar numa incomum celebração musical.

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Curiosamente, a catarse se deu em duas músicas que não eram de autoria de Raul Seixas nem por ele interpretadas no disco, mas de Sérgio Sampaio, mostrando o quanto também era genial o cantor e compositor capixaba que, como o homenageado da maratona, também se perdeu em algum ponto de sua vida. Na primeira delas, “Todo Mundo Está Feliz”, Edy colocou todo mundo pra pular com o poderoso refrão que podia ser hit em qualquer trio elétrico e que se alterna com a melodia quase melancólica criada por Sérgio.

Atrás do palco, os ponteiros do relógio da Estação da Luz estavam próximos de se juntarem, quando Edy começou a introdução de “Eu Não Quero Dizer Nada”, criando um involuntário trocadilho cênico com os versos “...já é quase meia noite, no relógio do edifício, onde estou...”.

Talvez por ser originalmente cantada pelo próprio Edy no disco, a canção teve uma interpretação arrepiante na noite de sábado, com os batuques que acompanham o refrão “Você é tão legal” levando o público a um transe coletivo no centro da cidade. A goleada estava garantida com dois gols magistrais.

Agora era só correr por abraço com a anti-burocrata “Dr. Paxeco” e gozação de Edy com uma das lendas que cercam o mítico álbum levando ao palco uma arpa egípcia improvisada em tampa de vaso sanitário.

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Com tudo isso, nem tinha como a quase imperceptível vacilada de sincronização para o encerramento performático ao som original da descarga de privada do disco comprometer. E o bis, claro, não poderia ser mais apropriado: “Todo mundo está Feliz Aqui na Terra, Todo mundo está Feliz Aqui na Terra...”

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