ESTREITO (MA) E BRASÍLIA — Desde 2022, o Congresso Nacional mandou R$ 35,6 milhões em emendas parlamentares para as cidades de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), ligadas pela ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, que caiu no dia 22. A verba foi usada para várias finalidades, inclusive a construção de um abatedouro e para shows de artistas sertanejos. Mas nada foi enviado pelos parlamentares para reparos na ponte – o colapso da estrutura vitimou 17 pessoas e mandou outra para o hospital.
Coordenadora da bancada do Maranhão no Congresso, a senadora Eliziane Gama (PSD) disse que o Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit) no Estado não pediu recursos para a ponte. Já a senadora Professora Dorinha Seabra (União Brasil), coordenadora da bancada do Tocantins, disse que os parlamentares do grupo também não foram informados sobre problemas na obra (leia mais abaixo).
Em 2020, relatório do Dnit constatou danos severos na estrutura. Em nota, o órgão informou que investiu R$ 37,6 milhões neste ano na manutenção das rodovias federais nos municípios próximos à ponte. Também disse ter recebido R$ 1 milhão em emendas parlamentares para reparos de vias no Maranhão – mas não na região de Estreito.
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Segundo o economista especializado em infraestrutura Claudio Frischtak, o Brasil investe em infraestrutura hoje menos que o necessário para oferecer o acesso básico a todos os cidadãos.
Levantamento do Estadão detalhou como as bancadas do Tocantins e do Maranhão no Congresso alocaram os recursos federais recebidos via emendas parlamentares. Emendas são verbas que deputados e senadores mandam para as cidades onde têm votos. No caso de Estreito e Aguiarnópolis, o dinheiro foi usado para finalidades menos urgentes do que o reparo da ponte.
A radiografia do uso desse dinheiro expõe a falta de critérios ou de prioridade na distribuição do orçamento federal via emendas. Segundo especialistas, esse formato fragmenta o gasto público, reduz a eficiência da administração e prejudica investimentos de longo prazo. Além disso, eleva o risco de que sejam negligenciadas demandas ou regiões que estejam fora dos interesses dos parlamentares.
Do total de R$ 35,6 milhões de emendas para os municípios onde está a ponte, a maior parte (R$ 29,8 milhões) foi para Estreito, a cidade mais populosa e desenvolvida das duas. Aguiarnópolis recebeu o restante do valor. A maior parte do montante foi para o custeio da saúde: R$ 26,1 milhões (74%). Esse tipo de rubrica orçamentária tem a vantagem de ser paga rapidamente. É usada para pagar despesas dos serviços de saúde já existentes.
Outros R$ 5,3 milhões foram para as prefeituras via emendas Pix. Até a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 2 de agosto deste ano, este tipo de emenda podia ser pago sem que a prefeitura dissesse no quê pretendia usá-lo.
O dinheiro de emendas Pix (formalmente chamadas transferências especiais) foi usado para bancar ao menos 11 shows em Aguiarnópolis, de 4,5 mil habitantes, desde 2023. Os custos somam R$ 1,2 milhão. O 30º aniversário da cidade, comemorado em 26 de maio, consumiu R$ 753 mil em cachês. O gasto foi financiado com emendas Pix do Congresso, segundo documentos de empenho publicados pela própria prefeitura no Portal da Transparência.
Cantores como Igor Cunha, Kevin Baetz, Nadson O Ferinha e os evangélicos Davi Sacer, Valesca Mayssa e Marquinhos Gomes foram algumas das atrações. O cachê de Nadson custou R$ 280 mil, conforme o Portal da Transparência da prefeitura de Aguiarnópolis. A reportagem procurou o prefeito da cidade tocantinense, Wanderly dos Santos Leite (Republicanos), mas não houve resposta.
Os documentos dos shows não detalham quais parlamentares mandaram as emendas Pix. Em 2024, só mandaram este tipo de emenda para Aguiarnópolis o deputado Lázaro Botelho (PP) e a senadora Professora Dorinha, mas esses recursos não foram usados para os cachês dos artistas. Dorinha enviou R$ 500 mil para pavimentar ruas e calçadas da cidade, e Lázaro Botelho destinou R$ 1 milhão para instalação de iluminação em LED nas ruas.
Em maio de 2023, Aguiarnópolis promoveu uma apresentação da cantora Manu Bahtidão, pelo cachê R$ 150 mil. Ela virou alvo de polêmica no município vizinho de Estreito por conta de um show ocorrido dois meses depois e pago pela prefeitura da cidade maranhense. Na apresentação, houve simulação de sexo entre os dançarinos e o público. O Ministério Público do Maranhão abriu investigação sobre o ocorrido.
Estreito, com 34 mil habitantes, por sua vez, recebeu diversas emendas parlamentares nos últimos anos, mas nenhuma delas teve como objetivo a manutenção da ponte. O deputado Marreca Filho (PRD-MA), por exemplo, enviou neste ano R$ 700 mil para contratar uma empreiteira e reformar um espaço de lazer no bairro Alto Bonito. Em 2021, emendas de relator custearam a pavimentação da Avenida Santos Dumont (R$ 3,3 milhões) e a construção de um abatedouro (R$ 2,1 milhões).
A construção da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira começou em 1958. Com 533 metros de extensão, a ponte chegou a ter o maior vão do seu tipo no mundo, na época da inauguração. A última vez que passou por reparos foi entre 1998 e 2000, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A reconstrução deve custar entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões e ficar pronta em até um ano, segundo o Ministério dos Transportes e o Dnit.
Senadoras apontam responsabilidade do Dnit
“Recebemos da Superintendência do Dnit do Maranhão uma lista das rodovias para receberem direcionamento orçamentário da bancada e a referida ponte não constava nesta lista. Temos a informação de que a manutenção desta ponte é de responsabilidade da Superintendência do DNIT em Tocantins”, disse a coordenadora da bancada do Maranhão no Congresso, a senadora Eliziane Gama, do Maranhão.
Segundo a senadora Professora Dorinha (TO), nem ela nem os outros parlamentares da bancada do seu Estado foram informados de problemas na obra. “É uma ponte federal, uma rodovia federal, e cabia ao Dnit. Cobrar do prefeito ou aos parlamentares, creio que é um equívoco estranho, até”, afirmou.
E ela reiterou que sua emenda não foi usada para os shows. Mas disse que, mesmo se fosse, não haveria problema. “Ainda que fosse para show, qual é o problema? Que erro teria? Uma vez que o prefeito não poderia usar esse dinheiro para mexer na infraestrutura da ponte”, afirmou.
Ao Estadão, Lázaro Botelho (PP-TO) também reafirmou que sua emenda Pix não foi usada para custear os shows. “A emenda que mandei foi específica. E ela foi executada a obra. Esse negócio de evento não foi comigo. Não foi emenda minha.”
Brasil mal investe para repor infraestrutura atual, diz economista
O economista Claudio Roberto Frischtak é especialista em infraestrutura e produz há anos estimativas e levantamentos sobre o tema. Hoje o Brasil investe em sua infraestrutura o equivalente a cerca de 1,9% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano. Para universalizar o acesso da população à infraestrutura básica, deveria investir de 4% a 4,5% do PIB, diz Frischtak. Ou seja: mais de duas vezes o volume atual.
Só para manter a infraestrutura existente, o Brasil precisa aplicar cerca de 1,5% do PIB por ano. Portanto, os investimentos atuais mal dão para repor a infraestrutura já existente, segundo ele.
“Ao contrário dos diamantes, as pontes não são eternas. Têm vida útil de 30 a 40 anos”, diz Frischtak. “Investimos pouco, e não investimos bem. Nos investimentos do setor público, parte considerável não tem qualidade muito boa”, acrescenta ele, citando obras que acabam apresentando atrasos e custos maiores que os estimados.
Os cálculos de Frischtak se referem a todas as áreas da infraestrutura. Englobam não só transporte, mas também energia, telecomunicações e saneamento, entre outras.
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