BRASÍLIA - Uma das empreiteiras contratadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para reconstruir a ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, que caiu entre Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA), já teve um representante flagrado entregando propina para um dirigente do mesmo Dnit. A empreiteira Arteleste Construções Ltda foi contratada sem licitação por R$ 171,9 milhões para reconstruir a ponte, que caiu no último dia 22 de dezembro, matando 17 pessoas. A contratação foi oficializada por meio de publicação no Diário Oficial da União (DOU) no dia 31.
Em nota, o Dnit reafirmou que, como a empresa não foi condenada, não há “nenhuma informação ou registro no sistema (do Dnit) que represente impedimento para a realização de contratação”. Além disso, diz o Dnit, a contratação por dispensa de licitação “só pode ser realizada de maneira excepcional”.
Permitir ou não a participação da empresa não é “escolha” do órgão, argumentou o Dnit, reiterando que “foram cumpridas todas as etapas previstas na legislação vigente e foram seguidos todos os ritos de boas práticas da administração pública nas contratações”. O órgão afirma que optou pela proposta mais vantajosa disponível.
Sediada no Paraná, a Arteleste ganhou o contrato para reconstruir a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira em consórcio com outra empresa, a Construtora A. Gaspar Ltda, de Natal (RN). A contratação se deu por meio de carta-convite, com dispensa de licitação.
Nesta modalidade, o órgão público pré-seleciona as empresas e envia convites a um mínimo de três firmas que teriam capacidade de realizar o serviço. Quem responde com o menor preço ganha o certame. Segundo o Dnit, o prazo para conclusão da obra é de um ano.
Segundo uma das denúncias do caso, oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2016, o pagamento de propina era a contrapartida da Arteleste por outro contrato com o Dnit: a reforma da Ponte Felipe Guerra, que leva a BR 304-RN por cima do Rio Assú, no interior potiguar. Assim como na Ponte Juscelino Kubitschek, as obras de reforço das fundações da ponte sobre o Rio Assú também foram contratadas sem licitação, de forma emergencial, por R$ 13,7 milhões em valores da época. Em valores atuais, o montante é de R$ 31,7 milhões.
A propina foi flagrada pela Polícia Federal em 2010. O dinheiro foi pago em espécie, dentro de uma bolsa, no estacionamento de uma churrascaria em Natal, em 4 de novembro daquele ano. Foi dado por Túlio Gabriel de Carvalho Beltrão Filho, filho de um dos donos da Arteleste, ao ex-chefe de engenharia do Dnit no Rio Grande do Norte, Gledson Maia. Na época, Túlio era também empregado da empreiteira. O Estadão procurou a Arteleste para comentários e para saber se Túlio Gabriel segue trabalhando na empresa, mas não houve resposta.
A investigação que flagrou o pagamento de propina foi desdobramento da operação Via Ápia, deflagrada em 2010 para investigar suspeitas de desvios na Superintendência do Dnit no Rio Grande do Norte. No relatório, a PF diz que chegou ao contrato entre o Dnit e a Arteleste após monitorar a movimentação financeira de Gledson Maia.
Gledson é sobrinho do deputado federal João Maia (PP-RN), e do atual secretário de Relações Institucionais do governo do Distrito Federal, Agaciel Maia. Em delação premiada, ele confirmou que ele e Silveira foram indicados aos cargos no Dnit por João Maia. A reportagem procurou João Maia para comentários, mas não houve resposta. O Estadão não conseguiu contato com Gledson – em 2018, ele acabou condenado em outro processo decorrente da operação Via Ápia.
“Túlio Beltrão Filho se dirigiu ao Centro de Natal, especificamente para a Agência do Banco do Bradesco, oportunidade em que realizou um saque no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), e, em seguida, se encontrou na Churrascaria Sal e Brasa com Gledson Maia. O fato foi confessado, ainda, pelo próprio servidor público”, diz um trecho da denúncia. Segundo o Ministério Público, Túlio era empregado da Arteleste à época, além de ser filho de um dos donos, o empresário Túlio Beltrão.
“Com efeito, após o almoço, os réus saíram do local em direção ao estacionamento da Churrascaria Sal e Brasa, dirigindo-se ao automóvel guiado por Túlio Beltrão Filho, que retirou do seu porta-malas uma bolsa a tiracolo” diz um trecho.
“Em seguida, adentraram no automóvel conduzido por Gledson Maia, quando então o veículo começou a se deslocar e, nesse momento, foram abordados pela equipe da Polícia Federal, que bloqueou a saída do carro”, diz a denúncia.
A investigação contra a Arteleste resultou em dois processos: uma ação penal por corrupção passiva, e uma ação de improbidade administrativa, de caráter cível. A ação penal acabou anulada depois que a Justiça Federal entendeu que ela se baseou numa escuta telefônica ilícita – no processo, o MPF alega que tinha autorização judicial para realizar as escutas.
Já a ação de improbidade administrativa resultou na denúncia do MPF em 2016, que foi rejeitada pela primeira instância da Justiça Federal no Rio Grande do Norte – também por causa do uso da mesma prova vinda da escuta telefônica supostamente ilegal. O MPF recorreu, sustentando que a ação de improbidade não teve por base a prova considerada ilícita.
Gledson Maia já era investigado antes mesmo da realização da escuta, sustentou o MPF.A ação foi derrotada novamente na segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). Mais recentemente, em 16 de dezembro de 2024, a desembargadora Germana de Oliveira Moraes, vice-presidente do TRF-5, rejeitou um recurso especial apresentado pelo MPF. O caso ainda não transitou em julgado, ou seja, segue em tramitação.
Deflagrada pela Polícia Federal em novembro de 2010, a operação Via Ápia investigou vários contratos do Dnit no Rio Grande do Norte com empreiteiras para obras de adequação na BR-101 NE, no trecho que vai de Arez (RN) até a divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba. Numa revisão preliminar das contratações, o Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou sobrepreços que chegavam a R$ 132 milhões nas obras, em todos os lotes. Várias das licitações tiveram seus editais suspensos pelo TCU.
Busca por vítimas pode ser encerrada amanhã
Nesta terça-feira, 7, a Marinha do Brasil informou que as buscas pelas vítimas do desabamento da ponte podem ser interrompidas na quarta, 8, caso não surjam novos indícios sobre o paradeiro dos três corpos que ainda não foram recuperados. Dos 17 mortos na tragédia, 14 já tiveram seus corpos encontrados e identificados.
“A partir do dia 8 de janeiro, será necessário realizar a abertura das comportas da barragem da Usina Hidrelétrica de Estreito, em razão do aumento do nível do reservatório e do regime de chuvas na região”, disse a Marinha em nota.
A abertura das comportas aumenta a correnteza e o volume do rio, inviabilizando novas buscas, diz a Força. “Em tal cenário, as operações serão suspensas, com a possibilidade de serem retomadas tempestivamente, caso surjam novas informações concretas que contribuam para a localização das vítimas”, diz a nota.
Desde 2022, o Congresso mandou R$ 35,6 milhões em emendas parlamentares para as cidades de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO). A verba foi usada para vários fins, inclusive a construção de um abatedouro, a implementação de luzes de LED e até shows sertanejos – mas nada foi destinado para a ponte. As coordenadoras das bancadas do Maranhão e de Tocantins no Congresso alegam que o Dnit nunca pediu recursos para a ponte.
Sem a ponte Juscelino Kubitschek, a economia das duas cidades está recuando e os caminhoneiros passaram a enfrentar esperas de até cinco horas para fazer a travessia, de balsa. Para os moradores, a solução até o momento é atravessar o Rio Tocantins de lancha, a R$ 5 o trecho.
Como mostrou o Estadão, relatório de 2020 do próprio Dnit já apontava fissuras nos pilares e outros problemas graves na ponte, cujo estado de conservação era considerado ruim. Iniciada em 1958, a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira foi concluída nos anos 1960 e tinha 553 metros de extensão.
A construção usava uma técnica inovadora na época, e chegou a ter o maior vão do seu tipo do mundo. A última vez que a ponte passou por reformas foi nos anos de 1998 a 2000, ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Leia abaixo a íntegra da nota do Dnit
“O DNIT esclarece que em relação à ação penal questionada, após toda a instrução não foi reconhecida a existência ou materialidade criminal da sua instrução inicial. Ou seja, não havendo materialidade, não há que se reconhecer a tipicidade e, consequentemente, neste estágio não há condenação e não havendo condenação não pode haver efeitos decorrentes dessa condição. Não há, portanto, nenhuma informação ou registro no sistema, de penalidade ou condenação da empresa que represente impedimento para realização de contratação da referida empresa pelo DNIT.
Sendo assim, o DNIT reitera que:
Com relação à contratação do consórcio construtora da nova ponte sobre o Rio Tocantins, entre Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA), o DNIT esclarece que a possibilidade ou não de contratação com a administração pública, pelo princípio da isonomia, não é questão de “escolha” do gestor. Inclusive, conforme normativo vigente, contratação por dispensa de licitação só pode ser realizada de maneira excepcional, em função de emergências ou calamidade pública, caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos ou outros bens.
O processo de dispensa de licitação só é permitido mediante cotação de, no mínimo, três empresas, não havendo qualquer escolha sem critérios legais e objetivos por parte da autarquia. A União dispõe do SICAF, sistema unificado que consolida as eventuais restrições e impedimentos, de forma a garantir a lisura dos processos de contratação.
Dessa forma, todas as contratações realizadas pelo DNIT obedecem ao fundamento legal contido no Art. 75, Inciso VIII da Lei nº 14.133 (nova lei de licitações). Antes de firmar contratos com a Administração, as empresas passam pela fase de habilitação, na qual são avaliados os documentos referentes às mesmas. Empresas com classificação de inidônea ou proibida de contratar com a Administração Federal, com base na lei de improbidade administrativa, são eliminadas nessa fase.
O DNIT reitera que foram cumpridas todas as etapas previstas na legislação vigente e foram seguidos todos os ritos de boas práticas da administração pública nas contratações. Desta forma, o DNIT definiu pela proposta mais vantajosa e pela empresa que cumpriu os requisitos técnicos exigidos necessários para executar os serviços”.
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