BRASÍLIA - Quase um ano após o apagão que deixou 2,12 milhões de clientes sem luz em novembro do ano passado em São Paulo, a Enel indenizou a minoria dos que pediram ressarcimento de danos elétricos, como danos em uma TV ou geladeira. Dados obtidos pelo Estadão mostram que a empresa indenizou 1.958 clientes nessa modalidade.
Até dezembro, 8.478 consumidores haviam feito pedido de reparação por danos elétricos. Isso significa, portanto, que menos de um quarto (23%) das solicitações foi deferida pela empresa.
O número de solicitações de ressarcimento de danos elétricos foi informado pela empresa em dezembro de 2023, um mês após o primeiro grande apagão, em audiência na Câmara dos Deputados. A reportagem solicitou à empresa o número atualizado e detalhes sobre a análise desses pedidos, mas não obteve resposta.
Quando falou sobre as solicitações negadas no Congresso, no ano passado, a concessionária afirmou que não havia sido provado nexo causal entre o blecaute e os danos nos aparelhos. A empresa e especialistas orientam reunir documentos e registros, como fotografias, para provar eventuais danos e prejuízos. Muitos clientes recorrem à Justiça.
A cidade de São Paulo e a região metropolitana, atendidos pela concessionária, sofreram com blecaute ainda mais grave neste mês, quando 3,1 milhões de imóveis ficaram no escuro. Diante do problema e da demora da empresa para religar a energia, o governo federal abriu um processo disciplinar para investigar a atuação da companhia.
Segundo informações fornecidas pela Enel ao Ministério da Justiça e Segurança, na semana passada, a empresa desembolsou R$ 4.967.408,34 para ressarcir clientes lesados no apagão de novembro. A média é de R$ 2.537 por consumidor.
Após o apagão deste mês, a Enel foi questionada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) sobre o pagamento de indenizações referentes a episódios anteriores de falta de luz em São Paulo. No total, entre novembro de 2023 e fevereiro de 2024, a empresa disse ter pago cerca de R$ 6,6 milhões em ressarcimento de danos elétricos ocorridos durante dez episódios de falta de energia.
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Ainda sobre o apagão de novembro, a Enel afirmou à Secretaria Nacional do Consumidor que, “mesmo não possuindo obrigação legal para tanto”, isentou do pagamento de três contas de luz os consumidores de baixa renda, registrados com tarifa social e que ficaram mais de 48 horas sem energia elétrica. Assim como os consumidores eletrodependentes, que são aqueles que precisam de energia elétrica para tratamento médico, sem considerar o prazo em que ficaram sem eletricidade.
O Estadão pergunta à empresa desde terça-feira, 22, sobre quantos pedidos foram negados, mas não obteve resposta. A Enel foi questionada ainda a respeito de solicitações de indenização por meio da Justiça, mas também não enviou as informações.
O ressarcimento de danos elétricos está previsto na resolução 1.000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para solicitar o pagamento, o consumidor deve fazer solicitação pelos canais da empresa (site, aplicativo, telefone), detalhar a marca e o modelo do aparelho, descrever a situação e a data e horário em que ocorreu, além de apresentar nota fiscal. Os consumidores podem solicitar esse ressarcimento até cinco anos após o ocorrido.
No ofício enviado à Senacon, a Enel afirma que “não reconhece qualquer a ocorrência de qualquer infração” e diz ainda que eventos climáticos extremos são “hipótese de força maior”. Acrescenta ainda que a interrupção do serviço nesses casos não caracteriza interrupção do serviço.
A empresa afirma ainda que, ao receber solicitações de ressarcimento, segue os ritos estabelecidos pela Aneel. A concessionária diz disponibilizar tanto em suas lojas quanto em suas plataformas online uma cartilha explicativa sobre como solicitar o ressarcimento.
O advogado Gabriel de Britto Silva, especialista em Direito do Consumidor, explica que, caso o consumidor não consiga o ressarcimento nesse trâmite, ele pode ingressar na Justiça para cobrar seus direitos.
“É necessário que o consumidor leve ao setor de primeiro atendimento do juizado absolutamente todas as provas que tiver”, explica. Segundo ele, em causas cujo valor de indenização é menor que 20 salários mínimos, não há necessidade de contratar advogado e tampouco pagar custas processuais na 1ª instância. O mesmo vale para consumidores que não tenham recebido indenização condizente com o dano.
“O consumidor tem direito constitucional à reparação integral”, afirma Silva. “Em caso de queima de aparelho, deve haver indenização quanto ao valor total do conserto. Ou, se não houver conserto, quanto ao valor total de um produto novo - valor que vai variar de produto para produto.”
Clientes recorrem à Justiça; empresa teve problemas em outros Estados
Como o Estadão mostrou, consumidores têm obtido decisões favoráveis na Justiça quando entram com medidas contra a Enel. Segundo a Religa.me, que presta consultoria para clientes prejudicados por empresas de energia, os clientes têm conseguido indenizações que vão de R$ 5 mil a R$ 10 mil.
Além de São Paulo, a Enel tem histórico de problemas em outros Estados, como Goiás, Rio de Janeiro e Ceará. A empresa foi forçada em Goiás a entregar a concessão após pressão do governo estadual, que mobilizou o Ministério Público Federal, o Ministério de Minas e Energia e a Aneel para encerrar a atividade da empresa em solo goiano. A Enel vendeu a empresa para a Equatorial energia para minimizar os prejuízos, já que corria o risco de ter a concessão encerrada.
No Rio e no Ceará, a empresa tem sido alvo de ações do Ministério Público e questionamentos em Comissões Parlamentares de Inquérito.
A empresa afirma cumprir as regras previstas para atuar no setor e menciona a imprevisibilidade dos eventos climáticos extremos que atingiram São Paulo em novembro de 2023 e em outubro.
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Via administrativa
Uma das maneiras de buscar ressarcimento é fazer reclamação perante a Enel, pelo telefone ou canais digitais. É possível, ainda, buscar a ouvidoria da empresa (número 0800-0012000).
Caso não tenha retorno, deve-se procurar a Aneel com o número do protocolo da reclamação inicial em mãos. Se, mesmo assim nenhum canal funcionar, a solução pode ser um órgão de defesa do consumidor, como o Procon.
“Além de servir como documento oficial da queixa, em uma eventual ação jurídica a via administrativa pode fornecer respostas mais rápidas”, diz a Fecomercio.
“É importante ressaltar que os pedidos de ressarcimento – tanto pela via administrativa quanto judicial – devem ser acompanhados de provas dos danos apontados, como fotografias, registros, documentos, relatórios de perda de receitas”, lembra a entidade.
O Procon ressalta que é direito do consumidor que a concessionária de energia elétrica faça um abatimento na conta mensal proporcional ao tempo em que o serviço deixou de ser prestado. Isso, inclusive, deve ser feito de forma automática, sem que o consumidor precise solicitar.
O Procon-SP orienta que os consumidores que perderam alimentos ou medicamentos guardem a documentação – como nota fiscal, rótulos e receitas no caso de medicamentos, por exemplo – e façam fotos e vídeos que demonstrem como foram afetados. Especificamente quanto aos aparelhos danificados, a orientação é, após registrar sua reclamação com a empresa, aguardar a vistoria.
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