Análise publicada originalmente no Estadão Noite Impressiona como a questão do possível fechamento de escolas sintetiza nosso momento, em que parece haver um abismo entre o que pensam e fazem nossos gestores públicos e o que pensam e o que fazem aqueles que sofrem sua ação, os cidadãos. O secretário da Educação do governo do Estado de São Paulo, em fins de setembro, anunciou com pompa a 'racionalização' do sistema escolar paulista. Um 'movimento histórico', segundo artigo em que apresenta a ação, justificada pela constante redução de matrículas de estudantes na rede pública causada pela queda geral das taxas de natalidade. Outro argumento do secretário é o de que, além da questão demográfica, tem havido uma permanente transferência de matrículas da rede pública para a rede privada. Reportagem deste OESP mostrou, no 11 de fevereiro passado, que entre 2008 e 2014, a rede pública de educação básica teve queda de 12% nas matrículas - passando de 46 milhões de alunos para 40,6 milhões. Em termos percentuais, a rede pública respondia em 2008 por 87% das matrículas, e no ano passado baixou a 82%. A rede privada, por sua vez, teve um salto de 28% de matrículas. Estes são dados censitários nacionais, que são muito próximos do que ocorre em São Paulo. Isso ocorreu principalmente pelo fato de que, com o aumento geral do nível de renda nos últimos anos, as famílias optaram por sair da dependência das redes públicas de educação e também de saúde, crentes na meia verdade de que podem ter um 'diferencial' na rede privada. O triste argumento do secretário, no entanto, é o reconhecimento tácito de que a educação pública é de qualidade ruim, na comparação com a rede privada. Não bastasse essa fraqueza, o secretário não parece ter percebido um movimento mais recente, impulsionado pelas incertezas das famílias quanto à duração da recessão na economia e do aumento do desemprego. As primeiras intenções de matrícula neste ano têm mostrado uma migração em sentido contrário: as crianças e adolescentes estão voltando para a escola pública. De janeiro a agosto de 2015, no sistema paulista, 195,7 mil estudantes passaram das escolas privadas para as públicas, número já maior do que todo o ano de 2014, quando 195 mil estudantes migraram às escolas mantidas pelos municípios e pelo Estado. Cabe ao Estado promover educação pública e de qualidade. Em uma sociedade que pretende buscar a diminuição das desigualdades sociais, as famílias - sobretudo as de renda média e baixa - não devem arcar sozinhas com os custos da educação de seus filhos e filhas. Embora nos esqueçamos dessa norma nos momentos de afluência, a dramaticidade dos períodos de dificuldades na economia deve nos fazer lembrar disso. Se a Secretaria de Educação tivesse compartilhado suas iniciativas com o conjunto da comunidade escolar - estudantes, pais, professores e gestores locais - em reuniões públicas e convocadas para tal propósito, talvez seu comando se sensibilizasse e arquivasse a 'racionalização'. O anúncio do fechamento de 94 escolas em São Paulo - um corte duro em uma área tão sensível e primordial de ação do Estado - precipitou a movimentação de estudantes, que ocuparam seu espaço, desta vez para garantir sua existência. Os jovens têm cada vez mais percebido que devem eles mesmos lutar por seus ideais e seus direitos, sem esperar que as gerações mais experientes e muito menos os políticos lutem por eles. E - que vergonha para nós, mais velhos - eles e elas são cada vez mais jovens. Têm entre 14 e 16 anos. Essa turma se organiza, vai para a rua, ocupa as escolas, faz rodízio para cuidar da limpeza, alimentação, contato com a imprensa, redes sociais... Resistem à violência policial - esta é a forma do Estado (não) dialogar com os estudantes e professores -, conseguem acionar a Defensoria Pública, a Justiça... Mobilizam 1.300 voluntários em oito horas para dar aulas nas ocupações. O que tivemos com o desenrolar dos acontecimentos de hoje, com o início de negociações entre o governo do Estado e os estudantes, é sem dúvida, um avanço. Mas custou uma semana de ocupações e repressão policial, que poderiam ter sido evitadas pelo governador com um pouco mais de sensibilidade política e reconhecimento de que as escolas não são apenas prédios - mas, ao contrário, são ainda a face mais republicana do Estado. * Wagner de Melo Romão é professor de ciência política da Unicamp
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