Impulsionados pelo ensino fundamental de nove anos e tendo como bandeira o lema de que quanto mais cedo começar melhor será o desempenho no futuro, escolas e pais têm antecipado o início da alfabetização formal de crianças dos 6 e 7 anos para os 3 e 4. Essa alfabetização precoce, mais comum nos colégios de classe média, tem despertado polêmica entre famílias, escolas, educadores, psicólogos e médicos. Pelo método tradicional, definido ao longo do último século, a idade para a criança aprender a ler e escrever está entre os 6 e 7 anos. Antes disso, é tempo de brincar, explorar os sentidos, desenvolver a coordenação motora e interagir com outras crianças. A boa educação infantil, por esse viés, é a que propicia essas descobertas de maneira lúdica e estimulante. Porém, para alguns grupos, esse roteiro não parece mais suficiente. O argumento está na velocidade do mundo. Computadores e videogames têm submetido as crianças ao universo letrado mais cedo. E, teoricamente, preparando-as antes para os códigos alfabéticos.A diretora da escola Bola de Neve, dos Jardins (zona sul de São Paulo), Theodora Maria de Almeida, defende a antecipação cuidadosa, com o apoio das famílias. "Vamos alfabetizando lentamente, ao longo de todo o ensino infantil", diz. "Aos 2 anos, a criança aprende a identificar o nome. Aos 3, o nome dos amigos e palavras do cotidiano e, aos 4, ela lê livros. Com 5, está mais resolvida com isso, respondendo bem à alfabetização."DESINTERESSEPara especialistas, é preciso ter cuidado. Submeter crianças pequenas a um modelo similar ao do ensino fundamental, com separação de disciplinas, lição de casa e cobrança de desempenho pode gerar desestímulo e dificuldade."Elas têm ritmos diferentes. Algumas se alfabetizam cedo, mas muitas não conseguem, não porque tenham dificuldade de aprendizagem ou sejam menos inteligentes, mas porque não estão prontas", diz Silvia Colello, da Faculdade de Educação da USP. Para ela, a escola deve inserir a criança no mundo letrado, o que não é o mesmo que alfabetizar. "Não é ensinar a ler com 4 anos, mas contar histórias, ditar um bilhete, dar quebra-cabeça de letras. Não tem a ver com competição e comparação."Liamara Montagner, coordenadora de educação infantil do Colégio Santo Américo, afirma que o mais difícil é segurar a ansiedade dos pais. "Costumo dizer que os pais querem que o filho seja tratado individualmente, mas na hora de comparar, quer que sejam iguais." A recusa em se adaptar ao modelo levou a especialista em educação ambiental Hegli Kovacic a peregrinar para achar uma escola para o filho em Santo André. "Com 4 anos, ele tinha aula de português, matemática e ciências, com tarefa de casa. Ele ficava copiando letras que não faziam sentido para ele. Reclamei com a diretora, que disse que era o sistema atual", conta. Ela então matriculou numa escola menor. No entanto, dos 5 para os 6 anos, ao procurar um colégio para o ensino fundamental, foi recusada. "Falavam que ele estava atrasado."O diretor de escola Anderson Paulino diz que lutou para que seus filhos fossem alfabetizados só aos 6 anos. "É uma ilusão achar que quanto mais cedo ele escrever melhor será o desempenho dele no futuro. A gente às vezes cai em modismo e esquece da criança." A educadora Ângela Soligo, da Unicamp, concorda. "A alfabetização a partir dos 6 anos não foi definida à toa. Antes disso, você cria uma tensão desnecessária na vida da criança."
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.