Esquema do PCC para lavagem de dinheiro inclui até cavalo de raça, mostra investigação

Facção foi alvo de ação conjunta do Ministério Público do Rio Grande do Norte e da Receita Federal em quatro Estados; Justiça determinou bloqueio de R$ 2,2 bilhões

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MP-RN) e a Receita Federal deflagraram na última semana uma operação para combater supostos esquemas de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Foram cumpridos sete mandados de prisão preventiva e outros 29 de busca e apreensão em quatro Estados: Rio Grande do Norte, São Paulo, Bahia e Pará.

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O MP-RN obteve a ordem judicial para o bloqueio de cerca de R$ 2,2 bilhões de investigados por elo com o PCC. As formas usadas para lavar o dinheiro obtido com o tráfico de drogas, conforme a investigação, vão desde a abertura de postos de gasolina à aquisição de cavalos de raça.

A operação, de nome Argento, é um desdobramento da Operação Plata, que em 2023 desmantelou um esquema da facção que usou sete igrejas para lavar dinheiro. Sete pessoas foram condenadas na época, incluindo um criminoso que já foi apontado como o número 2 do PCC nas ruas - Valdeci Alves dos Santos, o Colorido.

Mesmo preso atualmente, ele é apontado como “cabeça” do novo esquema. A reportagem não localizou a defesa do investigado.

MPRN deflagra operação em conjunto com Receita Federal contra lavagem de dinheiro do PCC Foto: Divulgação

Colorido, de 52 anos, foi condenado a mais de 17 anos de prisão só no âmbito da Operação Plata. Antes apontado como nº 2 do PCC nas ruas, ele está no Presídio Federal de Brasília.

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Conforme o MPRN, mesmo preso desde abril de 2022, há indícios de que ele manteve as atividades ilícitas do tráfico e da lavagem de dinheiro por meio de novos parceiros, só agora identificados.

A investigação aponta que os alvos da operação, entre parentes e comparsas de confiança de Colorido, estão divididos em grupos, com diferentes responsabilidades na movimentação e ocultação dos recursos oriundos especialmente com a venda de cocaína para o exterior.

A operação, deflagrada na quinta-feira, 14, teve como alvo as cidades potiguares de Natal, Caicó, Parnamirim e Nísia Floresta; a capital paulista e Campinas; Vitória da Conquista e Urandi, na Bahia; e Trairão, no Pará.

Segundo o MP-RN, participaram da operação os Ministérios Públicos potiguar, de São Paulo, da Bahia e do Pará, além de auditores fiscais da Receita, policiais civis e militares.

Foram apreendidos dinheiro, joias, aparelhos de telefonia celular e computadores. O material será analisado pelo Ministério Público com o objetivo de identificar o cometimento de outros crimes e possível o envolvimento de outras pessoas.

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Como funcionava o esquema investigado pelo MPRN?

Segundo a investigação do MP-RN, o dinheiro obtido com o tráfico entrava no sistema financeiro por meio de “laranjas” (pessoas sem histórico no crime) sem capacidade socioeconômica, em especial por meio de depósitos em espécie.

A partir desse momento, ocorreria “intensa movimentação financeira” em contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas, desvinculadas de qualquer atividade econômica. O objetivo era dificultar seu rastreio pelas autoridades.

Por fim, os valores chegariam ao grupo responsável pela construção, reforma e comercialização de imóveis de luxo, abertura de empresas de fachada, construtoras, imobiliárias, postos de combustíveis, aquisição de cavalos de raça, entre outras atividades, completando assim o ciclo de lavagem.

Quantas pessoas estão envolvidas no esquema?

Antes de deflagrar a Operação Argento, o órgão analisou 468 contas bancárias, nas quais teria sido movimentado R$ 1,6 bilhão entre 2014 e 2024. Diante do que foi apurado, o MP-RN já obteve a ordem judicial para o bloqueio de R$ 2,2 bilhões e a indisponibilidade de bens de 101 pessoas.

A divisão de tarefas entre os membros da organização, que incluiria familiares e terceiros utilizados como intermediários, reforça a estrutura ordenada do grupo em geral, segundo o Ministério Público.

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“Parte dos envolvidos é formada por pessoas de baixo perfil socioeconômico, que têm a missão de enviar grandes somas em espécie para pessoas ligadas a Valdeci”, diz o órgão.

“Outro núcleo tem a função de criar empresas de fachada destinadas à triangulação e à ocultação da origem e da propriedade dos valores, realizando a atividade de ocultação de recursos ilícitos”, acrescenta o MP-RN.

Um terceiro grupo seria composto ainda por amigos e parentes de Valdeci, que auxiliariam na movimentação de valores por meio de suas contas bancárias e arregimentação de terceiros. E um quarto, liderado por um italiano residente no Brasil, seria responsável por operações imobiliárias e empresariais com os recursos dos demais grupos.

O que foi descoberto na Operação Plata?

Também encabeçada pelo Ministério Público potiguar, a Operação Plata, deflagrada em fevereiro do ano passado, cumpriu sete mandados de prisão, além de outros 43 de busca e apreensão. Os alvos estavam em cidades de Rio Grande do Norte, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Bahia, Ceará, Paraíba e Distrito Federal.

Como mostrou o Estadão, o grupo que foi alvo da operação era investigado por usar ao menos sete igrejas para lavar dinheiro em diferentes Estados: além do Rio Grande do Norte, havia unidades na Paraíba e no interior de São Paulo.

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Igreja investigada pela Operação Plata em Jardim das Piranhas, no interior do Rio Grande do Norte Foto: Divulgação/MP-RN - Divulgação/MP-RN

“As igrejas não foram criadas para esse fim, mas eram usadas para fazer o que chamamos de mescla: uma mistura de recursos lícitos – dízimos e doações dos fiéis – e também recursos ilícitos”, disse ao Estadão no começo deste ano o promotor de Justiça do MP-RN Augusto de Lima, um dos responsáveis por oferecer a denúncia à Justiça.

A suspeita é de que o grupo investigado na Operação Plata, composto por 12 integrantes, tenha lavado mais de R$ 23 milhões ao longo dos últimos dez anos, em esquema que também envolvia compra de fazendas e imóveis. A maior parte desse montante, conforme a investigação, foi obtida por meio do tráfico de drogas no Sudeste.

O esquema também seria liderado por Colorido, além de Geraldo dos Santos Filho, seu irmão, acusado de não só integrar o esquema, como se passar por pastor no esquema. As investigações que culminaram na deflagração da operação foram iniciadas em 2019.

Em setembro passado, o MP-RN obteve a condenação de sete pessoas na Operação Plata. Geraldo dos Santos Filho recebeu a maior condenação: 84 anos de reclusão pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Já Valdeci Alves dos Santos recebeu pena de 17 anos e três meses.

As outras cinco pessoas foram condenadas em penas que vão de 12 anos e oito meses a 23 anos e oito meses de reclusão. Na época, a reportagem não conseguiu localizar a defesa de Colorido, Geraldo dos Santos Filho e dos outros condenados na Operação Plata.

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