Vovó Macabra* (Heloisa Prieto)
Fantasmas, vampiros, zumbis é o que não faltava nas histórias da Vovó Liana. Nos domingos, logo depois do almoço, sob protestos de toda a família, Vovó Liana reunia os netos e lhes contava casos que, a cada ano, se tornavam mais assombrosos.
- Esses meninos ficarão assustados! - diziam alguns.
- Susto não mata criança! - ela argumentava.
- Esses meninos ficarão traumatizados!
- Criança inteligente sabe que na vida é diferente! - ela dizia, rindo.
Seu sucesso de contadora de histórias foi crescendo. No prédio, todos sabiam de seu talento. Domingo de tarde, sua casa enchia. De netos, vizinhos e pequenos convidados.
- Mas se a senhora é tão doce, meiga, feliz, por que esse interesse pelo macabro?- perguntaram-lhe um dia.
- Do pó viemos, ao pó voltaremos. Diante do oculto, ninguém sabe de nada - ela respondeu, acrescentando que a morte é muito sábia e democrática, já que vale para todo mundo.
As crianças, por sua vez, sempre lhe pediam para repetir a mesma história:
- Conte o caso da Vovó Macabra!
- Numa noite escura - ela começava -, lá veio a velha com perna de cabra, dente de dragão, unha de morcego. E o seu nome era?
- Vovó Macabra - gritavam as crianças em coro, rindo, abraçadas, unindo-se para proteger-se do arrepio de medo.
- Vovó Macabra alimentava-se apenas de carne de criancinha frita...
(Protestos de adultos, gritaria de crianças.)
-Quem é valentão?
(Uma mão erguida.)
- Olhe que a vovó Macabra vai comer o seu dedão.
- Quem é teimoso?
(Silêncio.)
- Ninguém quer dizer? Não faz mal. Vovó Macabra entrará na sua imaginação. A história era assim: certo anoitecer, um menino, que morria de medo da Vovó Macabra, passou diante de uma cabana abandonada.
"Será essa a casa amaldiçoada?", pensou assustado. Ao longe ele avistou uma silhueta. O corpo dobrado, o caminhar lento. E ra uma velha. Ele tinha certeza!
O vulto se aproximou. Era ela. O menino saiu correndo. O vulto correu atrás. O menino tropeçou. O vulto abaixou-se para pegá-lo. O menino desmaiou.
Ao despertar, viu que estava coberto por um chale, ao lado de uma garota simpática que o levara até sua casa.
- Ufa! Consegui trazer você até minha casa. Você fica pesado desmaiado. Mas deu certo, mesmo com meu pé enfaixado e minha mochila nas costas! Tenho tanto medo daquela casa abandonada! Disseram que é o lar da Vovó Macabra! Você, por acaso, conhece essa história?
Depois da última frase, Vovó Liana se calou sorrindo...
- Essa história não dá medo! - disse um garoto, meio perplexo.
- Mas, no começo, eu tive medo sim - afirmou uma menina.
- E no fim, eu quase levei um susto - comentou outra criança.
- Pois é isso mesmo. Medo é bom quando faz pensar...
*narrativa adaptada da lenda da ponte mal-assombrada, folclore da traição taoista, China.
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