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Vovó Macabra

No Estadinho desta semana, falamos sobre histórias de terror. Para isso, conversamos com a escritora Heloisa Prieto. Ela gosta tanto do assunto, que já escreveu alguns livros com histórias medonhas. Em um deles, ela própria ficou com medo do vilão. Heloisa preparou um conto inédito e exclusivo para a gente. O pedido foi um só: que fosse uma história que causasse medo. Veja o que ela preparou.

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Por Redação
Atualização:
 Foto: Estadão

Vovó Macabra* (Heloisa Prieto)

Fantasmas, vampiros, zumbis é o que não faltava nas histórias da Vovó Liana. Nos domingos, logo depois do almoço, sob protestos de toda a família, Vovó Liana reunia os netos e lhes contava casos que, a cada ano, se tornavam mais assombrosos.

- Esses meninos ficarão assustados! - diziam alguns.

- Susto não mata criança! - ela argumentava.

- Esses meninos ficarão traumatizados!

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- Criança inteligente sabe que na vida é diferente! - ela dizia, rindo.

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Seu sucesso de contadora de histórias foi crescendo. No prédio, todos sabiam de seu talento. Domingo de tarde, sua casa enchia. De netos, vizinhos e pequenos convidados.

- Mas se a senhora é tão doce, meiga, feliz, por que esse interesse pelo macabro?- perguntaram-lhe um dia.

- Do pó viemos, ao pó voltaremos. Diante do oculto, ninguém sabe de nada - ela respondeu, acrescentando que a morte é muito sábia e democrática, já que vale para todo mundo.

As crianças, por sua vez, sempre lhe pediam para repetir a mesma história:

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- Conte o caso da Vovó Macabra!

- Numa noite escura - ela começava -, lá veio a velha com perna de cabra, dente de dragão, unha de morcego. E o seu nome era?

- Vovó Macabra - gritavam as crianças em coro, rindo, abraçadas, unindo-se para proteger-se do arrepio de medo.

- Vovó Macabra alimentava-se apenas de carne de criancinha frita...

(Protestos de adultos, gritaria de crianças.)

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-Quem é valentão?

(Uma mão erguida.)

- Olhe que a vovó Macabra vai comer o seu dedão.

- Quem é teimoso?

(Silêncio.)

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- Ninguém quer dizer? Não faz mal. Vovó Macabra entrará na sua imaginação. A história era assim: certo anoitecer, um menino, que morria de medo da Vovó Macabra, passou diante de uma cabana abandonada.

"Será essa a casa amaldiçoada?", pensou assustado. Ao longe ele avistou uma silhueta. O corpo dobrado, o caminhar lento. E ra uma velha. Ele tinha certeza!

O vulto se aproximou. Era ela. O menino saiu correndo. O vulto correu atrás. O menino tropeçou. O vulto abaixou-se para pegá-lo. O menino desmaiou.

Ao despertar, viu que estava coberto por um chale, ao lado de uma garota simpática que o levara até sua casa.

- Ufa! Consegui trazer você até minha casa. Você fica pesado desmaiado. Mas deu certo, mesmo com meu pé enfaixado e minha mochila nas costas! Tenho tanto medo daquela casa abandonada! Disseram que é o lar da Vovó Macabra! Você, por acaso, conhece essa história?

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Depois da última frase, Vovó Liana se calou sorrindo...

- Essa história não dá medo! - disse um garoto, meio perplexo.

- Mas, no começo, eu tive medo sim - afirmou uma menina.

- E no fim, eu quase levei um susto - comentou outra criança.

- Pois é isso mesmo. Medo é bom quando faz pensar...

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*narrativa adaptada da lenda da ponte mal-assombrada, folclore da traição taoista, China.

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