No começo do mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, inauguraram em Porto Alegre a Ceitec, estatal de semicondutores. Os discursos foram em defesa por uma ação direta do Estado na economia, mas a história dessa fábrica, não citada pelas autoridades, é um exemplo da ineficiência do governo como gestor de projetos empresariais.O Brasil tem um problema sério na área de semicondutores. Trata-se do item mais importado pelo setor eletroeletrônico. Em 2009, o País gastou US$ 3,293 bilhões trazendo chips do exterior. As máquinas usadas pela Ceitec foram doadas pela Motorola em 2000, vindas de uma fábrica desativada fora do Brasil pela companhia americana. Naquele ano, o buraco dos semicondutores na balança comercial brasileira era bem menor: as importações ficaram em US$ 1,883 bilhão."O desafio é grande", reconhece Eduard Weichselbaumer, executivo alemão de 57 anos, que atuou no Vale do Silício, nos Estados Unidos, antes de assumir a presidência da Ceitec em 2009. O executivo, trazido do mercado, foi apontado para o comando da Ceitec depois de a empresa patinar por muito tempo em indicações políticas que impediam o projeto de ir para frente. Sobre as máquinas antigas, Weichselbaumer procura enxergar, no que seria um problema, uma vantagem competitiva. "Temos uma fábrica amortizada, o que permite oferecer preços bastante competitivos."NICHOS DE MERCADOO presidente da Ceitec afirma que o objetivo não é competir com empresas como a Intel e a AMD, que fabricam chips para microcomputadores, mas encontrar "nichos de alto potencial, em que não existe um vencedor definido". Um desses nichos é o de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). O primeiro produto criado pela Ceitec é o chamado "brinco do boi", chip para rastreamento do rebanho bovino.Apesar do entusiasmo de Weischselbaumer, do investimento de R$ 400 milhões feito pelo governo e da inauguração da fábrica com altas autoridades, os produtos ainda não estão no mercado. O presidente da companhia explicou que cada ciclo de produção de semicondutores dura três meses, e são necessários dois ciclos para que o processo de produção esteja estabilizado. Depois disso, os chips entram num processo de três meses chamado "accelerated lifetime" (vida acelerada) para testar sua durabilidade. Ou seja, se tudo correr bem, o mercado receberá os produtos da Ceitec em nove meses.DOAÇÃO DIFÍCILA trajetória da Ceitec mostra como o poder público tem dificuldades de estabelecer uma empresa até quando os equipamentos vêm de graça. Em 2000, a Motorola tentou doar suas máquinas para a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. O projeto, porém, não teve apoio do governo do Estado de São Paulo à época, mesmo depois de dois anos de negociação, e acabou indo para Porto Alegre. A produção de semicondutores no Brasil é bastante pequena, com empresas como a Aegis, de São Paulo, mas nem sempre foi assim. O País já chegou a ter sete fábricas de semicondutores, controladas por multinacionais: Philips, Motorola, Siemens, NEC, Fairchild, Texas Instruments e National Semiconductors. A reserva de mercado acabou matando essa indústria.A Philips instalou uma fábrica no Recife em 1974. No mesmo ano, criou uma unidade na cidade de Kaoshiung, em Taiwan, com a mesma capacidade de produção, de 50 milhões de circuitos integrados por ano. Em cinco anos, a fábrica taiwanesa produzia 1 bilhão de circuitos integrados por ano, enquanto o Brasil foi obrigado a congelar a produção.A Ceitec é uma tentativa de recuperar o tempo perdido e os desafios são grandes. Um deles é a indústria brasileira de eletrônicos, que costuma comprar kits de produtos, no lugar de chips avulsos. Para vencer essa barreira, a estatal busca a estratégia de trabalhar com parceiros no desenvolvimento de produtos e de aproveitar o poder de compra do Estado para alavancar a produção. Ainda é cedo para dizer se a estratégia dará certo, mas a trajetória da empresa, até aqui, mostra que não será nada fácil.