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Armas, vigilantes e controle da PF: o que muda com o novo Estatuto da Segurança Privada

Nova lei disciplina a atuação de empresas que protegem bancos e fazem transporte de valores, por exemplo; texto proíbe o serviço prestado por autônomos e cooperativas

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Foto do author José Maria Tomazela

O Estatuto da Segurança Privada foi sancionado este mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Lei 14.967/2024, aprovada pelo Congresso em agosto após 14 anos de tramitação, amplia o controle sobre as armas usadas pelos vigilantes e define regras para registro de empresas do setor.

A norma define como serviços de segurança privada os setores de:

  • vigilância patrimonial
  • transporte coletivo
  • unidades de conservação
  • transporte de valores
  • escolta de bens
  • segurança de eventos (naqueles realizados em estádios, ginásios e locais similares, o serviço particular poderá ser usado, em complemento e integrado com as forças públicas)

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Foram acrescentadas como atividades exclusivas da classe o monitoramento eletrônico (câmeras) e a vigilância de grandes eventos. A PF também poderá permitir aos profissionais da área o uso de armas em transporte coletivo, o que ainda depende de regulamentação.

Entre as novas regras, estão:

  • necessidade de autorização da Polícia Federal para a atividade. A PF foi procurada pelo Estadão para comentar, mas não retornou
  • proibição de vigilantes autônomos
  • a empresa deve manter armas e munição em local seguro e controlado, já que esses materiais precisam ser registradas no Sistema Nacional de Armas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
  • a transferência de armas de uma empresa para outra precisa ser autorizada pela PF.

Segundo a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transportes de Valores (Fenavist), a lei pode tirar 500 mil vigilantes da clandestinidade. Hoje, dos 3 milhões de profissionais da área formados no Brasil, 2,5 milhões estão desempregados ou atuam de forma irregular, diz a entidade.

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Para especialistas, a lei pode ajudar também na segurança pública, ao permitir controle maior das armas usadas por vigilantes, evitando que caiam nas mãos de bandidos. Abre ainda a possibilidade de seguranças privados colaborarem com as corporações públicas. Eles destacam, porém, que os avanços dependem da capacidade de controle e fiscalização da PF.

Câmera privada de monitoramento instalada em rua de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Lula vetou a obrigatoriedade de contribuição sindical e a restrição à participação de estrangeiros no capital votante das empresas, previstas no projeto aprovado no Legislativo.

  • O estatuto proíbe o serviço prestado por autônomos e cooperativas, mas permite que empresas de condomínios tenham seu próprio corpo de segurança interna, exceto no serviço de portaria.
  • Empresas do setor precisam comprovar capital mínimo que vai de R$ 100 mil (empresas de monitoramento eletrônico) a R$ 2 milhões (empresas que operam no transporte de valores).

As empresas terão de dois a três anos para se adaptar às novas regras, conforme a natureza do serviço prestado. Há previsão de multas e sanções para infrações administrativas, o cancelamento da autorização e prisão de até três anos para atividades clandestinas com uso de armas.

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Para André Zanetic, pesquisador do tema, a legislação poderia ter mais avanços. “Em nenhum momento se falou em ampliar a escolaridade do vigilante, que é de ensino fundamental. Seria importante exigir ensino médio, equiparando com a polícia, pois é também atividade de risco”, defende.

“A maior parte dos vigilantes tem uma formação muito baixa. De outro lado, a exigência poderia jogar muitos vigilantes na clandestinidade, mas isso deve ser pensado para o futuro”, acrescenta ele, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, ampliar as áreas em que a segurança privada poderá atuar aumenta também o número de armas em circulação. “A questão é sensível pela grande circulação de armas com os agentes. Sabemos que muitas empresas têm dificuldade para controlar seus depósitos, que podem ser roubados, e as armas caírem nas mãos da criminalidade.”

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Zanetic lembra que em outros países há leis expressas que proíbem o uso de armas por seguranças em postos de gasolina e escolas, por exemplo. “Na nova lei não existe essa previsão e isso favorece a proliferação das armas.”

Estatuto permite que empresas de condomínios mantenham seu próprio corpo de segurança interna. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, tem uma preocupação adicional. “O problema que vejo é o artigo 11, que veda o uso de produtos controlados de uso restrito (o que inclui armas de calibre maior e bombas de efeito moral) na prestação da segurança privada, salvo em casos previstos em regulamento, mas não deixa claro que regulamento é. Isso talvez deixe brecha para as empresas usarem armas de muito alto potencial ou explosivos.”

Carolina observa também que não foi prevista a participação da sociedade civil no conselho a ser criado para implementar o estatuto. “A sociedade civil está cada vez mais apta para participar das discussões sobre segurança no Brasil. Também não dá para cravar que a lei vai ajudar a diminuir a clandestinidade do setor, porque depende da estrutura da PF para fazer a fiscalização”, completa.

Para o presidente da Fenavist, Jeferson Nazário, é uma vitória do segmento. “As empresas terão segurança jurídica e isso implicará na criação de mais empregos no setor”, afirma. Para ele, a questão da escolaridade não é relevante porque o setor já seleciona vigilantes com a qualificação necessária.

“Com a extensão da vigilância privada para o monitoramento eletrônico, que tem mais aporte tecnológico, os vigilantes também vão se aprimorar para disputar esse segmento”, afirma.

“As empresas de transporte de valores pretendiam um calibre maior, mas isso deve ser discutido na regulamentação do estatuto. Pessoalmente, acredito que também não será liberado o porte de arma no transporte coletivo, a não ser para escolta em viagens longas”, acrescenta Nazário.

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Segundo a lei, o serviço de transporte de valores deverá feito sempre em veículos especiais blindados com pelo quatro vigilantes especialmente habilitados. Um deles exercerá a função de vigilante-motorista. O estatuto proíbe que os veículos de transporte de valores se operem entre 20 horas e 8 horas, a não ser em situações específicas que ainda vão constar na regulamentação.

Combate à atuação de empresas ilegais

Presidente da Confederação Nacional dos Vigilantes (CNTV), José Boaventura Santos diz que o principal avanço do estatuto é combater a atuação de empresas ilegais ou clandestinas que exploram os trabalhadores e negam seus direitos. “A Polícia Federal e as organizações sindicais dos trabalhadores vão poder agir no combate à atuação informal e clandestina.”

Para ele, o novo marco vai profissionalizar o setor e, apenas as novas categorias de serviços, como o monitoramento eletrônico, devem gerar mais 100 mil novos empregos. “O estatuto não é o dos nossos sonhos, mas é uma conquista”, afirmou.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Segurança (Abrevis), José Jacobson Neto, afirma que o estatuto substitui uma lei defasada, de quase 40 anos. “Não vai resolver tudo, mas melhora muito”, afirma.

A reportagem também procurou o Ministério da Justiça, mas não obteve resposta.

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