Um aluno de 25 anos do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) está sendo investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais sob a suspeita de ter desviado aproximadamente R$ 500 mil da república onde morava. O valor foi retirado de duas contas bancárias da República Partenon, uma das mais tradicionais na cidade mineira, e vinha sendo juntado desde 2005 com o objetivo de comprar um imóvel que se tornasse a sede fixa da associação. A defesa do estudante alega que “ele não agiu deliberadamente para desviar recursos e enriquecer-se ilicitamente”.
Moradores e ex-alunos da república estão em choque desde o final de fevereiro, quando foram acionados pelos advogados de Ygor Fernandes Araújo. O rapaz, que era tesoureiro da Associação República Partenon de Ouro Preto (ARPOP) desde outubro de 2021, teria começado a desviar dinheiro desde aquele ano, mas sempre em quantidades menores.
“Os atuais moradores só tomaram conhecimento dos fatos quando foram procurados pelo advogado do Ygor Fernandes Araújo, no início de março de 2023″, disse a ARPOP, em nota divulgada nas redes sociais.
A maior parte do dinheiro, cerca de R$ 400 mil, foi desviada durante o carnaval, “momento em que os membros da república estiveram ocupados com os eventos por eles organizados e não se atinaram para tal ação”, segundo boletim de ocorrência registrado pela Polícia Civil no último dia 4.
O valor total estava distribuído em três contas que pertenciam à república. Em duas delas, na Caixa Econômica Federal e no Banco do Brasil, a movimentação só era permitida com a assinatura de outro membro da ARPOP.
A terceira conta, no banco Banco Efí (antigo Gerencianet), podia ser movimentada apenas por Ygor, sem precisar da autorização dos demais. Na ocorrência, os moradores da república afirmam que ele realizava transferências dessa conta para uma sua, de uso pessoal, desde 2021. “Quando foi percebido os desvios (sic), ainda houve uma tentativa por parte dos moradores em bloquear esta terceira conta, mas Ygor já teria transferido este dinheiro para suas contas particulares”, diz o boletim.
Quebra de confiança
Em uma notícia-crime enviada ao Ministério Público de Minas Gerais, os moradores da república afirmam que a criação desta terceira conta no Banco Efí foi uma sugestão do próprio Ygor, “com o intuito de ser uma plataforma de recebimento do dinheiro de turistas que adquirissem o pacote de carnaval” vendido pela ARPOP. Ele era o único com acesso às movimentações, “uma vez que alterou o telefone de autenticação para o seu pessoal”.
Para transferir os valores das duas contas originais para esta terceira, Ygor precisava da autorização do presidente da ARPOP, Vinícius José Teixeira Souza. Os pedidos para liberação foram feitos “sob argumento de pagar fornecedores e liberar os trâmites da compra da casa”, segundo a notícia-crime.
No documento, Vinícius alega que “em nenhum momento desconfiou que o dinheiro estava sendo desviado”.
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Um ex-morador da Partenon, que falou com o Estadão sob condição de anonimato e conviveu por um ano com Ygor, disse que todos os quase 60 membros da associação, que reúne atuais e ex-alunos da Ufop, mantêm uma relação de amizade e respeito mesmo depois de encerrarem a vida acadêmica. “Sempre tivemos um espírito de comunidade muito grande. Nunca passou pela nossa cabeça desconfiar de alguém que morava lá”, afirmou.
Empréstimos e problemas de saúde
Além dos desvios nas contas da ARPOP, Ygor teria solicitado ao menos outros dois empréstimos pessoais aos colegas, no valor aproximado de R$ 12 mil, sob o pretexto de pagar despesas da república que estavam vencidas e com o argumento de que o aplicativo do banco estava com defeito.
Segundo o relato dos moradores da Partenon, Ygor teria saído de Ouro Preto no final do ano passado, quando voltou a morar com os pais em Contagem, município próximo à capital e distante 113 quilômetros dali. Ele seguiu com as funções de tesoureiro à distância e se comunicava com os amigos pelas redes sociais e telefone.
Isso mudou no 1º dia de março, quando os moradores da república foram procurados por um escritório de advocacia que dizia representar Ygor. Os advogados pediram uma reunião virtual com membros da república para tratar questões relativas “à aquisição da nova sede, bem como com relação ao estado de saúde dele para continuar nas funções de tesouraria”.
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Foi nessa reunião que os outros membros da república descobriram o buraco nas contas da ARPOP. Segundo os moradores relataram à polícia, os advogados de Ygor disseram que ele teria descoberto um rombo de R$ 17 mil nas finanças da associação ainda em agosto de 2022 e tentou recuperar o valor fazendo “maus investimentos que causaram prejuízo”.
Os moradores da Partenon começaram a desconfiar de que o colega estava imitando o modus operandi da estudante de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) acusada de ter desviado dinheiro de uma festa de formatura sob o mesmo pretexto de “corrigir um rombo nas finanças”. Ao olharem os extratos, eles se depararam com as transferências feitas para contas pessoais de Ygor e outras plataformas virtuais de pagamento.
Naquele mesmo dia da reunião com os advogados, Ygor ainda realizou três transferências da conta da república no Banco Efí para contas pessoais em seu nome e zerou as economias do grupo. Desde então, ele não respondeu mais nenhuma mensagem dos amigos e apagou suas redes sociais.
Sonho em risco
A República Partenon foi fundada em 1996 e, desde 2011, ocupa um imóvel de quatro andares no Largo do Rosário, no centro histórico e um dos principais pontos turísticos de Ouro Preto. Nos últimos 27 anos, moradores e ex-alunos da associação juntaram o dinheiro arrecadado com doações, festas de carnaval e hospedagem para adquirir um imóvel próprio que funcionaria como sede.
No fim do ano passado, a ARPOP assinou o contrato com o compromisso de compra e venda de um imóvel avaliado em R$ 390 mil. No último carnaval, o grupo voltou a organizar sua tradicional festa na cidade. “Ygor tinha total conhecimento das movimentações bancárias, trâmites financeiros e, principalmente, da situação da compra da casa e se aproveitou desse momento para desviar boa parte do dinheiro para contas próprias e de terceiros”, diz a notícia-crime enviada ao MP de Minas.
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Além do desvio nas economias e dos empréstimos, Ygor também deixou de pagar as contas da república referentes à moradia e à festa de carnaval organizada pelo público, um montante que chegou a quase R$ 40 mil. Os moradores organizaram uma vaquinha virtual (veja aqui) para tentar cobrir pelo menos as despesas mais urgentes.
Em nota enviada ao Estadão, os advogados de Ygor Fernandes Araújo afirmaram que ele “não agiu deliberadamente para desviar recursos e enriquecer-se ilicitamente”, que o mesmo “se encontra em tratamento médico, em razão de graves problemas psicológicos que o acometem” e está “à disposição da república e da Justiça”.
“A verdade é que ele, um dos responsáveis por administrar os recursos financeiros da associação, foram acometido por sérios problemas psicológicos, perdendo a aptidão necessária para gerir os valores de modo adequado”, diz a nota. O texto ainda afirma que Ygor “repassou aos membros da associação todos os dados necessários para a correta apuração do caso” de forma voluntária e “por guardar interesse no total esclarecimento dos fatos”.