Investigada pela Polícia Civil do Espírito Santo sob acusação de orientar presidiários que teriam ordenado a queima de ônibus no Estado, a ex-coordenadora da Pastoral Carcerária, Isabel Borges, de 62 anos, afirmou nesta sexta-feira, 4, que é vítima de "retaliação" do governo estadual por ter denunciado a tortura nos presídios capixabas. Ela admitiu as conversas com presidiários, mas argumentou que os trechos apresentados na quinta-feira pela Secretaria da Segurança Pública foram "pinçados" e divulgados fora de contexto. "Isso me pegou de surpresa, como uma bomba. Não fui ouvida, é uma aberração aos direitos humanos." Mãe de quatro filhos, Isabel disse que a proximidade e eventual intimidade com detentos é natural, resultado do trabalho que faz há 25 anos em penitenciárias. "Eles procuram ajuda, nunca negamos, sempre recebi com transparência e clareza." Ela afirma que o principal conselho que dava é o de que violência não leva a nada, mas admite que pode ter sido ingênua. "Meu trabalho é pela vida, os que me acusam não acreditam numa coisa chamada amor. Eu não jogaria fora 25 anos de luta pela Justiça", declarou. "Agora fui premiada com isso. Foi uma coisa violenta. Sou mãe, sou avó, tenho uma família. Sou uma pessoa digna, mas não posso esperar que todos pensem isso de mim." Um inquérito foi instaurado no Núcleo de Repressão a Organizações Criminosas (Nuroc) depois que conversas telefônicas de Isabel com presidiários foram interceptadas. Em um dos diálogos, ela supostamente orienta um preso para que os bilhetes deixados nos locais dos ataques (foram 19 desde o início do ano) não mencionem que o crime foi cometido a pedido dos detentos. Isabel disse que o seu trabalho incomoda, por isso surgiu a acusação. "Estão me usando. Nós da igreja temos o método de ver, julgar e agir. Minha forma de agir é denunciar. Meu dever é mostrar as coisas que não aparecem." No dia 20 de junho, o Estado mostrou que o padre Xavier Paolillo, da pastoral, auxiliado por Isabel, foi o responsável pelo fim de uma rebelião no Complexo Penitenciário de Viana, que resultou em duas mortes, com a liberação de 265 reféns, após dois dias. Na ocasião, a Força Nacional de Segurança foi convocada pelo governador Paulo Hartung (PMDB). Agora, Isabel está proibida de entrar em prisões capixabas. "Há indícios de crimes", declarou o secretário da Segurança, Evaldo Martinelli. O inquérito foi instaurado no dia 24 . A reportagem procurou a delegada Fabiana Maioral, do Nuroc, que ouviu Isabel, mas ela não pôde comentar o caso porque o juiz José Paulino, titular da Vara da Central de Inquéritos, decretou segredo de Justiça. Na quinta-feira, ela havia declarado que é possível observar mudanças na escrita dos bilhetes deixados após os ataques antes e depois da suposta orientação. Todos os bilhetes pedem a saída da Força Nacional de Viana. "Não preparei bilhete nenhum", afirmou. O delegada havia dito que fica claro nos diálogos que Isabel "é uma pessoa com grande ascendência sobre os presos". Em um dos trechos, ela orienta detentos para que se apresentem sujos em audiências com juízes e promotores. "Eu disse e digo. Talvez tenha sido ingênua, nem precisaria dizer, porque eles estão assim, é a situação deles. Eu denunciei. Pedi que mostrassem as marcas de tortura", declarou ao Estado. "Não sou dona da verdade, mas também não sou bandida. O perigo que corro é o de ser transparente. Creio em Deus, quero ver o final dessa história. Não comando nenhum preso nem teria força para isso. Apenas abracei uma causa. Talvez seja a hora de parar. É a minha verdade."
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