O ex-delegado geral de Polícia de São Paulo, Marcos Carneiro, acredita que o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, errou ao falar o Judiciário é obrigado a soltar detentos que tiveram suas prisões conduzidas de forma errada pelas polícias. Para ele, a fala foi “infeliz” e pecou por “generalizar” a situação.
Deputados federais, especialmente da bancada da bala — formada por políticos ligados às forças policiais — articulam a convocação de Lewandowski por causa da declaração.
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A ideia de que “a polícia prende e a Justiça solta” divide especialistas e autoridades ligadas à segurança e ao cumprimento da lei. Uma parcela vê deficiências de investigação policial e apresentação de provas frágeis, o que leva à soltura do suspeitos, além do problema da superpopulação carcerária. Outra parte critica a postura dos juízes, ao liberar ou flexibilizar o regime penal dos detentos, sob o argumento de que isso eleva o risco de novos crimes.
“É um grande jurista, foi um grande professor e um emérito ministro do Supremo (Tribunal Federal). Mas ao querer dar uma resposta mais contundente incorreu no generalismo. Ao generalizar, qualquer observação, ela se perde”, diz Carneiro, que foi delegado-geral entre 2011 e 2012.
Para Carneiro, quando uma pessoa faz crítica a uma instituição de forma genérica, como fez o ministro, incorre em erro. “Ele foi infeliz na frase dele. Há erros no âmbito da polícia, assim como há erros no Poder Judiciário, mas não dá para generalizar”, complementa ele, que foi aluno de Lewandowski na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Ele lembra que, quando esteve à frente da Polícia Civil de São Paulo, havia questões a serem melhoradas e fez um esforço para isso. “Sempre lutamos por uma polícia republicana, eficiente, respeitadora das leis, tanto é que uma das coisas que fizemos foi mudar o juramento do policial civil. Mudamos para deixar claro que a polícia só é boa dentro da lei e que o policial promete respeitar e aplicar a lei. Sintetizamos isso no juramento do policial civil aqui em São Paulo.”

Aproximadamente 40% dos presos em flagrante são soltos em audiência de custódia, procedimento que atesta a legalidade ou não das prisões em casos ainda não julgados. Em 7,6% dos casos, há relatos de tortura ou maus tratos cometidos pela polícia contra os suspeitos.
Os dados são do Sistema de Audiência de Custódia (Sistac), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e consideram os registros desde a implementação das audiências no Brasil, em 2015, até setembro do ano passado.
As audiências foram adotadas no País para resguardar a integridade das pessoas presas e evitar a prisão de inocentes. Antes, o primeiro contato com a Justiça levava, em média, 120 dias, segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Com a audiência de custódia, o prazo para a primeira análise do caso é de 24 horas.
Carneiro afirma ser um defensor desse instrumento - muitas vezes apontado como uma das causas para a impunidade de suspeitos detidos pela polícia.
“Sempre tem de haver equilíbrio entre o poder do Estado e a liberdade e o interesse individual do cidadão. Se não houver esse equilíbrio bem feito, vai ter sempre o risco de ter um Estado opressor, ditatorial, que comete injustiça. É importante frisar que a audiência de custódia é um avanço na civilização”, diz.
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O que acontece, segundo o ex-delegado-geral, é que a prisão em flagrante ocorre no calor dos fatos da ocorrência. “Se o delegado faz um flagrante por receptação, por exemplo, e vê que a ficha criminal do cidadão é extensa, ele soma algum outro crime e não dá para arbitrar fiança”, continua.
“O fato é que, quando o caso chega mais frio na audiência de custódia, o juiz pode considerar que o cidadão, apesar de ser reincidente, tem condição de responder em liberdade, com fiança ou tornozeleira. Não é que a decisão do delegado estava errada. É que com a análise mais fria, a Justiça decidiu nesse sentido. Tem de saber lidar com isso.”