BRASÍLIA - Dono de um dos principais clubes de tiro de Brasília, o policial civil aposentado Carlos Tabanez afirmou indicar pessoas para o quadro de funcionários da R7 Facilities, empresa registrada em nome de um laranja que foi contratada para fazer obras de manutenção no presídio federal de Mossoró (RN).
O Estadão chegou ao nome do empresário por conta de uma série de fatores que indicam a influência dele sobre a companhia. Tabanez chega a ser apontado por pessoas próximas como sócio oculto da R7 Facilities, mas ele e a empresa negam.
No fim de 2021, o ex-policial civil distribuiu panetones para os funcionários da R7 Facilities, em preparação para a campanha eleitoral de 2022, quando ele concorreu a uma cadeira de deputado distrital, cargo que ocupou como terceiro suplente em março do mesmo ano. A mesma prática foi adotada em suas próprias empresas. Ao Estadão, ele afirmou que faz isso há cinco anos. “Mas faço isso para nove empresas, que são os meus parceiros que me ajudaram na época da campanha”, disse.
O empresário acrescentou, ainda, que indica funcionários para o quadro da R7 Facilities em acordo com Amom Figueiredo, de quem se definiu como amigo. “Não tenho ingerência (na administração da empresa), mas quando surge uma vaga de emprego eu sempre peço para dar para o pessoal”, contou.
Além do panetone e da indicação de colaboradores, diretores da R7 têm relação direta com Tabanez. Dois advogados da empresa atuaram para ele em outros negócios, sendo que um deles é chamado de “amigo” pelo empresário e o outro foi o quarto maior doador da campanha de 2022 de Tabanez.
Conforme revelou o Estadão nessa quarta-feira, 21, a R7 Facilities, detentora do contrato de manutenção com o presídio de Mossoró, está em nome do técnico de contabilidade Gildenilson Braz Torres, de 47 anos. O contrato foi assinado em abril de 2022, na gestão de Anderson Torres no Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PL), e prorrogado um ano depois, em abril de 2023, na gestão de Flávio Dino, do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A empresa também atua na penitenciária de Brasília por meio de contrato assinado em março de 2023.
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Apesar de a empresa ter faturamento anual de R$ 195 milhões, Gil, como é conhecido, foi beneficiário do auxílio emergencial na pandemia da covid-19, mora em uma casa simples na periferia do Distrito Federal e tinha apenas R$ 523,64 em suas contas bancárias, conforme revelado por uma ação de execução fiscal de fevereiro de 2022.
Um parente informou que se Gil fosse realmente dono de uma empresa com balanço milionário ele “não estaria andando com o carro velho que ele anda”.
Segundo especialistas, a contratação de uma empresa em nome de laranja é grave – sobretudo por prestar serviços dentro de um presídio de segurança máxima – e ilegal, uma vez que pode configurar o crime de falsidade ideológica. O Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que vai realizar “rigorosa apuração referente à lisura” da R7.
No papel, Carlos Tabanez é dono do grupo GSI, que inclui um clube de tiro no Gama, região administrativa do Distrito Federal, e outras duas empresas de terceirização em vigilância e serviços. Nas redes sociais, o empresário mescla postagens sobre o seu dia a dia, fotos com figuras influentes do bolsonarismo – como o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) –, comentários a favor da liberação de armas de fogo e críticas ao governo Lula.
O empresário declarou nas eleições de 2022 ter patrimônio de R$ 12,3 milhões, sendo R$ 128,5 mil em armamentos: 11 pistolas, três revólveres, três espingardas, um rifle e sete fuzis. Seu clube de tiro recebe políticos e chegou a promover em 2021 a primeira edição de um campeonato de tiro infantil. Mais de 40 adolescentes participaram da disputa.
É nesse período que se inicia a relação de Tabanez com a R7 Facilities. A empresa pertencia até janeiro de 2021 ao seu fundador. O empresário Ricardo Caiafa, no entanto, decidiu vender a companhia para o grupo ligado a Tabanez. No papel, o dono passou a ser o brigadista Wesley Fernandes Camilo, que era na verdade um laranja, conforme mostrou o Estadão. A compra foi intermediada pelo advogado Alair Ferraz da Silva Filho.
Alair defende Tabanez em processos na Justiça, é “venerável mestre” na mesma loja maçônica e, nas últimas eleições de 2022, doou R$ 58,3 mil para a campanha do empresário para deputado distrital.
Tabanez conquistou 14,5 mil votos e foi eleito suplente, pela 2ª vez consecutiva, na Câmara Legislativa do DF. Em 2018, ele havia conquistado 8 mil votos. O ex-policial civil chegou a assumir uma cadeira na CLDF por duas semanas, em 2022, após os titulares se afastarem.
Outro fator que aponta para Tabanez é que o diretor-operacional da R7, o advogado Amom Figueiredo, atuou na Defender, empresa que pertenceu a Tabanez e sua esposa. A companhia está registrada hoje no nome de um jovem de 28 anos.
Procurada, a R7 Facilities afirmou, em nota enviada pelo advogado Alair Ferraz, que a empresa pertence a Gildenilson Torres, e não a Tabanez. A empresa também negou que o policial civil aposentado participe da seleção de funcionários na companhia.
“O processo de seleção dos funcionários se dá por diversas formas, seja por recrutamento digital, cadastramento em agências governamentais, entrega de currículo na empresa e até mesmo por indicação. Posterior ao cadastramento no banco de talentos os recrutadores da empresa fazem a seleção com base em critérios técnicos de praxe da área de recursos humanos. Esse procedimento não tem inferência de qualquer pessoa oportunidade do propenso colaborador dar o seu melhor para ser selecionado à vaga”, disse.
A empresa se recusou a comentar sobre a fuga dos dois presos ligados ao Comando Vermelho, não especificou como atua no Rio Grande do Norte e não informou se irá colaborar com as investigações.
R7 presta serviços para o governo desde setembro de 2016
A R7 presta serviços para o governo federal pelo menos desde setembro de 2016, segundo o Portal da Transparência. Com o Ministério da Justiça, o 1º contrato é de fevereiro de 2019. Nesses casos, a gestão da empresa ainda era do fundador, Ricardo Caiafa. Os contratos com o Executivo federal dobraram após a entrada dos laranjas.
Empresário de Brasília, Caiafa afirmou que decidiu vender a companhia porque enfrentava dificuldades no mercado e decidiu sair do ramo. Foi procurado por um advogado que intermediou a negociação para Wesley Camilo.
Caiafa afirma não ter mais ligação com a R7. A reportagem não encontrou indícios de que ele tenha vínculos com o grupo que controla a empresa atualmente.
Já Camilo trabalha como brigadista em um hospital particular de Brasília e afirmou ter renda mensal de R$ 4 mil. Mesmo assim, alegou estar satisfeito por ter repassado a empresa de balanço milionário da qual aparecia como único dono.
O bombeiro civil afirmou que comprou a empresa milionária sem desembolsar nada. Segundo ele, a firma foi repassada com créditos não recebidos e ele trabalharia para recuperá-los. O brigadista negou ter sido um laranja.
“Na realidade, irmão, eu comprei do Ricardo (Caiafa) e passei para para o Gil. Mas isso aí, bicho, vai além de tudo isso. O meio é fogo, irmão. É só você pesquisar. Para ficar num meio sujo e perverso, melhor sair e passar para a mão dos caras”, disse Camilo, negando-se a detalhar a que se referia.
Gildenilson, por sua vez, diz ter um escritório de contabilidade no Núcleo Bandeirante, bairro da periferia formado pelos “candangos” da construção de Brasília. No endereço, há uma placa em que ele se apresenta como o responsável pela empresa “Mega Batatas”. Não há qualquer menção à R7 no prédio nem nas redes sociais dele.
Ao Estadão, ele afirmou ainda ter CEO, diretores e outros empreendimentos, mas que não podia dar informações sobre eles. Ele desligou o telefone logo após a reportagem insistir em mais detalhes.
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