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Freira acusada de intermediar adoções vai a julgamento

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Por Agencia Estado
Atualização:

Localizada na vastidão dos campos gerais do sul do Paraná, onde se sobressaem, aqui e ali, elegantes pinheirais, Guarapuava é uma cidade tranqüila, com quase 150 mil habitantes. Sua economia é movida em grande parte pelo que se produz nos campos ao redor. Nestes dias, marcados por um vento gelado que varre a região, é comum ouvir nas ruas comentários sobre a última safra agrícola e as variações no preço da saca de milho. Mas o assunto mais comentado é outro. Por toda parte fala-se na irmã Anilse Terezinha Biachini religiosa da congregação Irmãs Filhas da Caridade, também conhecidas como vicentinas e respeitadas por suas obras caritativas. Ela está presa desde o dia 24, acusada de vários crimes. Os mais graves: teria intermediado adoções irregulares de bebês e maltratado crianças que ficavam sob seus cuidados, na creche que dirigia. Além de bater nas crianças, Anilse teria praticado torturas psicológicas, segundo o texto da denúncia, assinada por sete promotores. O julgamento deve começar na terça-feira, dia 10. Acredita-se que no seu decorrer não será apenas o comportamento da religiosa que estará em foco. Inevitavelmente, vai se discutir a facilidade com que bebês trocam de mãos no Brasil, à revelia das autoridades. Ou a maneira como a Igreja Católica se comporta em situações desse tipo, quando algum de seus membros é acusado. Os representantes da Justiça também poderão ser questionados. Há quem acredite que não era preciso encarcerar a freira, de 58 anos. A juíza Carmen Mondin, da 1ª Vara Criminal de Guarapuava mandou prender a religiosa sob a acusação de que estaria coagindo testemunhas. Elas apresentaram queixa ao promotor que conduzia a investigação, Humberto Pucinelli, da Vara da Infância e da Juventude. Ele pediu e obteve autorização para realizar uma escuta telefônica, no dia 15 de junho. Surpresa - O material degravado faz parte do Processo 139/2001, que já tem 227 páginas. Ali, a irmã parece ativa, articulando depoimentos. No dia 24, um domingo, ela foi detida por policiais e encaminhada para a cadeia de Guarapuava. Essa foi a grande surpresa para a cidade, onde a Igreja Católica tem uma presença forte. A atitude foi criticada pelo bispo local, o italiano Giovanni Zerbini. Num pronunciamento transmitido pela rádio católica local, ele disse que a freira, "que pelo longo transcurso de sua vida dedicou-se a salvar vidas", não era perigosa. No dia seguinte, por recomendação médica, a irmã deixou a prisão, transferida para um hospital. Ela tem problemas circulatórios, que afetam suas pernas e precisa de cuidados permanentes, segundo os médicos que a examinaram. Apesar das críticas e das tentativas dos seus dois advogados para libertá-la, a irmã continuava detida até hoje. Na porta do quarto 209, do Hospital Nossa Senhora do Belém, há sempre um policial de guarda. A história começou no dia 30 de abril, quando um grupo de sete funcionárias da prefeitura de Guarapuava, cedidas para trabalhar na Creche Santa Terezinha, uma ONG católica, procuraram o promotor da Infância e da Juventude. Queriam denunciar Anilse por maltratar crianças. Contaram que já haviam feito reclamações à prefeitura e aos superiores da religiosa, sem resultados. Pucinelli, que já suspeitava de adoções irregulares patrocinadas pela freira, aproveitou a ocasião para desencadear as investigações. Isolamento - De acordo com o texto final da denúncia, construído a partir de 17 depoimentos, a freira acolhia na creche mulheres grávidas extremamente carentes. Mantinha-as num quarto conhecido como "isolamento", propiciando-lhes atendimento médico pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mais tarde com o consentimento da mãe, o bebê era entregue a casais escolhidos pela freira e registrado como se fosse filho natural deles. Era um processo alheio ao procedimento legal. A irmã Anilse dirige a creche desde 1991. De lá para cá, segundo os funcionários, sempre recebeu mães no "isolamento". Isso provoca dúvidas sobre quantas crianças teriam sido adotadas. A promotoria conseguiu localizar duas mães e três crianças (uma delas entregou dois filhos). Um dos adotados está no Paraná, outro no Rio Grande do Sul e o terceiro em Mato Grosso. Com receio de que algum bebê esteja no exterior, o promotor quer rastrear as ligações internacionais feitas pela irmã. Os três casais que adotaram as crianças com a ajuda da religiosa também estão sendo denunciados por desrespeito às leis. Durante o inquérito policial, eles disseram que foram orientados pela religiosa para falsificar o registro de nascimento. "Achamos que na Justiça o processo seria muito demorado", disse um dos pais adotivos, que agora corre o risco de ficar sem a criança. Em todo o processo não existe até agora nenhuma evidência, sequer acusação, de que a freira tenha agido em troca de benefícios financeiros. Diante do promotor, ela admitiu que intermediou duas adoções, mas com objetivos humanitários. Numa delas, a mãe desejava livrar-se logo do filho, para evitar que a família soubesse de sua gravidez, segundo a vicentina. Em outra, após perceber que a mãe surrava muito a filha que já tinha, teria aceitado de imediato o pedido para intermediar a adoção do segundo filho. Curiosamente, foi essa mãe que se arrependeu e atraiu a atenção do promotor. A irmã disse que só pediu às famílias adotivas dinheiro para custear exames e intervenções médicas. Quando o promotor pediu recibos desses pagamentos, ela disse que o hospital não fornecia, porque também cobrava do SUS pelo mesmo serviço. Isso, segundo o promotor, deve provocar outra investigação.

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