BRASÍLIA - Os gastos federais com prevenção de desastres naturais caíram 78,4%, de um patamar de R$ 6,8 bilhões para R$ 1,47 bilhão, entre 2013 e o ano passado. Os dados são de levantamento da ONG Contas Abertas, especializada em orçamento público, obtido pelo Estadão.
Os valores investidos pela União para prevenir e corrigir efeitos de eventos catastróficos passam a recuar a partir de 2015, quando se agravam os efeitos da crise econômica no País e se ampliaram as restrições orçamentárias.
Durante toda os quatro anos de gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022, o governo federal gastou menos em prevenção e recuperação de desastres naturais do que o montante destinado naquele único ano, 2013.
Até agora, o País não recuperou o mesmo nível de gastos com essas despesas. No primeiro ano da atual gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 2023, esse patamar de recursos subiu quase 7% ante 2022, mas ainda abaixo dos valores de uma década atrás.
A reportagem procurou o ex-presidente por meio de seu advogado, mas não obteve resposta. O Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional da atua gestão também foi questionado, mas ainda não se manifestou.
A sequência de tempestades no Rio Grande do Sul deixou 100 mortos e 128 desaparecidos, na maior tragédia climática da história do Estado. Especialistas apontam que eventos extremos já se tornaram mais frequentes e intensos com o aquecimento global e alertam que isso vai piorar nos próximos anos. Investimentos em prevenção antidesastres ajudam a se preparar para esses fenômenos e minimizar impactos.
De acordo com o último boletim da Defesa Civil gaúcha, são ao menos 1,456 milhão de afetados em 417 municípios (de 497) do Estado. Para ajudar o governo do Estado, o governo considera suspender os pagamentos da dívida gaúcha com a União. O governo federal também deve liberar R$ 500 milhões em “emendas Pix” para o Estado.
Nos quatro anos da gestão Bolsonaro, de 2019 a 2022, o governo federal destinou R$ 6,37 bilhões para este tipo de ação. É menos que o ano de 2013, quando foram aplicados R$ 6,81 bilhões. Aquele ano, ainda sob a gestão de Dilma Rousseff (PT), representou o auge dos investimentos deste tipo desde 2010, quando começa a série histórica levantada pela Contas Abertas.
Desde 2015, os valores começaram a declinar e nunca mais se recuperaram. Todos os números são valores reais, isto é, atualizados pela inflação.
Em 2023, o valor pago para este tipo de investimento foi de R$ 1,47 bilhão, alta de 6,8% em relação a 2022, último ano de Bolsonaro, quando foram R$ 1,37 bilhão. Mesmo assim, é uma fração do que investimento que chegou a ser feito no auge.
No levantamento, a Contas Abertas considerou rubricas relacionadas às pesquisas e à implementação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); às obras de contenção em encostas em áreas urbanas; e ao apoio a comunidades afetadas por desastres e calamidades.
“Nos últimos 14 anos, foi autorizado nos orçamentos anuais da União um total de R$ 70 bilhões em programas de prevenção e respostas aos desastres, mas somente 65% desses recursos foram efetivamente desembolsados”, diz o fundador e secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco.
“O problema crucial, portanto, não é apenas a falta de recursos. É necessário que a solidariedade entre autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário federais com os governadores e prefeitos não ocorra, apenas, no momento das tragédias”, acrescenta ele.
Conforme o Estadão mostrou, uma lei federal prevê desde 2012 a elaboração de um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil ainda não foi lançado e terá seu documento apresentado apenas no fim do próximo mês. Para especialistas, o planejamento integrado para a prevenção e a resposta a crises é essencial para aumentar nossa resiliência climática.
“É óbvio que a maioria das prefeituras, notadamente as de menor porte, têm dificuldades, técnicas e orçamentárias, para elaborar projetos e planos de trabalho para a contenção de encostas, dragagem dos rios e remoção da população que habita áreas de riscos para locais seguros, dentre outras medidas essenciais. É essencial a integração da União, Estados e Municípios para que os efeitos das tragédias sejam atenuados”, diz Gil.
Ao enviar ao Congresso a proposta de Orçamento para 2023, a gestão Bolsonaro também sugeriu um corte de 99% das verbas de uma das rubricas relacionadas ao tema. A ação orçamentária 8348, destinada a “apoio a obras emergenciais de mitigação para redução de desastres” saiu de R$ 2,6 milhões em 2022 para só R$ 25 mil em 2023.
Mais tarde, até mesmo esse valor foi remanejado pelo governo Lula. No entanto, esta é apenas uma dentre as várias rubricas usadas para destinar dinheiro para este tema, e nunca movimentou um grande volume de dinheiro.
Para 2024, as rubricas analisadas pela Contas Abertas têm limite autorizado de R$ 2,6 bilhões. No entanto, até 2 de maio, só R$ 1 bilhão foi empenhado (isto é, reservado para pagamento). E R$ 494,8 milhões foram efetivamente pagos.
O Rio Grande do Sul está em terceiro lugar dentre as unidades da federação que mais receberam este tipo de recurso até o momento, com apenas R$ 45,3 milhões já pagos até o dia 2 deste mês – a expectativa é a de que o montante aumente nos próximos dias. Pernambuco (R$ 73 milhões) e Bahia (R$ 50,4 milhões) lideram o ranking.
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