A partir desta segunda-feira, 6, militares das Forças Armadas estarão à frente das operações de segurança nos aeroportos de Guarulhos (SP) e do Galeão (RJ); e nos portos do Rio de Janeiro, de Itaguaí (RJ) e de Santos (SP). Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nesses locais para fortalecer as ações de combate ao crime organizado e ajudar a conter a crise da segurança pública no Rio.
Até maio do ano que vem, os militares terão “poder de polícia” nesses locais, que funcionam como importantes rotas de tráfico de drogas, e poderão revistar pessoas, efetuar prisões, e inspecionar quaisquer áreas.
“Iniciamos nesta segunda e a implantação das Forças Armadas será feita progressivamente, com implementação máxima ao longo desta semana. A ideia inicial é de que os militares da Aeronáutica atuem, sobretudo, nas áreas vulneráveis no momento, onde se dá o trânsito de bagagem, reforçando a fiscalização que já é feita pela Receita Federal, pela Polícia Federal e pelas próprias companhias aéreas”, afirmou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, por meio de nota.
Para especialistas, no entanto, a medida tem pouca eficácia e demonstra que é preciso reformular a política de segurança pública do País. O governo Lula tem sido criticado por sua atuação na área. Segundo pesquisa do Instituto Atlas feita de 20 a 25 de setembro, a segurança é a área temática do governo federal com pior avaliação entre os eleitores.
“Há uma falência da política de segurança pública no Brasil, porque o combate ao crime organizado no Rio é uma tarefa de segurança pública. E, se o aparato de segurança pública, que são as polícias Militar e Civil e a Polícia Federal, se tornou impotente, o recurso às Forças Armadas revela que o aparato de segurança pública no Brasil não cumpre mais a sua missão”, avalia Aldo Rebelo, ministro da Defesa em 2015 e 2016, durante o segundo mandato de Dilma Rousseff.
Desde o mês passado, o Rio vive um caos na segurança pública, acentuado após a morte do miliciano Matheus da Silva Resende, conhecido pelos apelidos de Faustão e Teteu, durante confronto com a polícia. Em retaliação, criminosos queimaram pelo menos 35 ônibus na zona oeste cidade. Lula, então, resolveu decretar a GLO em portos e aeroportos na tentativa de interromper os fluxos de tráfico e asfixiar as organizações criminosas.
O decreto de Garantia da Lei e Ordem, chamado de GLO, é restrito e temporário a locais determinados e só pode ser dado pelo presidente da República. Ele usa como fundamento o artigo 142 da Constituição.
A GLO, apesar de ser uma uma ação pontual e com prazo para acabar, concede aos militares o poder sobre algumas medidas de gestão e também de gerência de recursos públicos. De acordo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, outros portos e aeroportos poderão ser incorporados na GLO caso a inteligência da operação identifique novas rotas do crime organizado.
O Rio de Janeiro já foi alvo de outra GLO na área de segurança em 2018, quando foi comandada pelo general Braga Netto. A gestão dele é investigada pela Polícia Federal pelo suposto desvio de recursos públicos.
Além da GLO, o governo Lula reforçou a atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira, principalmente nos Estados do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que funcionam como rotas para escoamento de drogas. A Marinha também ampliará sua presença em articulação com a Polícia Federal na Baía de Guanabara (RJ), Baía de Sepetiba (RJ), nos acessos marítimos ao Porto de Santos (SP) e no Lago de Itaipu (na fronteira entre o Brasil e o Paraguai).
Considerando a GLO e o reforço da presença das Forças Armadas nesses locais, serão utilizados 3.700 homens nas operações.
Problemas crônicos de segurança
Para o consultor Alberto Kopittke, diretor do Instituto Cidade Segura e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que pesquisa a eficácia das GLOs, a medida não tem efeitos consideráveis nessa área.
“A GLO pode funcionar de uma maneira muito pontual numa situação de catástrofe, de levante, por um ou dois dias, em uma crise específica. Que hoje em dia nem acho necessária, porque temos a Força Nacional e podemos mobilizar polícias de outros Estados especialmente para temas de segurança pública”, diz. “Nenhuma GLO fez efeito sobre os problemas de segurança até hoje.”
Um dos pontos de acordo é que o governo federal precisa apoiar a preparação das polícias estaduais, com equipamentos e fortalecimento das relações institucionais, para que o combate ao crime organizado seja mais eficiente. Na semana passada, ao anunciar o decreto de GLO, o governo federal anunciou ainda que dentro de 60 dias teria um plano para aquisição de tecnologia para auxiliar a fiscalização.
“A segurança pública é uma atribuição do Estado, o governo tem de operar com os Estados, oferecendo meios materiais, inteligência e coordenação com as duas instituições do Estado, que são a Polícia Militar e a Polícia Civil”, argumenta Rebelo.
Na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e o governador do Rio, Cláudio Castro, se reuniram para discutir ações para descapitalizar o crime organizado. A força-tarefa pretende atuar na identificação de fluxo de lavagem de dinheiro.
O Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra), criado na semana passada, reunirá membros da Polícia Civil do Rio, da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, procuradores e auditores da Fazenda Estadual, integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Em outubro, o governo federal já havia lançado o Programa Nacional de Enfrentamento a Organizações Criminosas (Enfoc), que tem cinco eixos principais: integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da justiça criminal; e cooperação entre União, Estados e municípios e com órgãos estrangeiros. O programa prevê quase R$ 900 milhões para o combate a organizações criminosas.
“Não vejo mal em fazer a GLO momentaneamente. A grande questão é que a necessidade de fiscalização reforçada em portos e aeroportos não vai durar seis meses, um ano ou dois anos. Vai durar para sempre. O que a gente precisa para o Rio é um plano de fortalecimento institucional, permanente, em grande escala, do governo federal através da Receita Federal e da Polícia Federal. Isso não é botar 20 ou 100 policiais a mais. A gente está falando de 2 mil, 3 mil policiais federais para trabalhar em portos e aeroportos”, defende Kopittke.
Como será a atuação de cada Força?
Nos aeroportos, a Aeronáutica terá uma ampliação de suas atuações, como explica o comandante da Força Aérea, tenente-brigadeiro do ar Marcelo Damasceno: “Temos esse poder de polícia, tanto na área de manobras de aeronaves, quanto na área de movimentação de bagagens e cargas, como também no saguão com operação policial ostensiva”. Recentemente, a PF detectou quadrilhas que chegavam a enviar drogas para o exterior trocando etiquetas de malas, o que levou a prisões de brasileiros na Alemanha e na Turquia.
Para o Exército não há muitas mudanças, uma vez que as Forças Armadas já têm previsão constitucional para atuar nas faixas de fronteira. O que ocorre é que essa ação será fortalecida. a irá auxiliar na fiscalização de cargas em navio, mostrando a importância desse modal para as atividades das organizações criminosas”, explicou Flávio Dino em nota.
Para o Exército não há muitas mudanças, uma vez que as Forças Armadas já têm previsão constitucional para atuar nas faixas de fronteira. O que ocorre é que essa ação será fortalecida. “Já o Exército atuará na faixa de fronteira. A atuação de todos será progressiva e sem prejuízo para que a Polícia Federal e a Receita Federal continuem fazendo seu trabalho”, completou o ministro no mesmo comunicado.
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