Governadores dizem que não cobrarão novo DPVAT criado por Lula: o que acontece agora?

Embora Estados se recusem a retomar a cobrança, lei obriga que motorista pague o seguro, pois licenciamento depende da quitação do valor

Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

BRASÍLIA - Ao menos cinco Estados - entre eles, São Paulo - e o Distrito Federal afirmaram que não cobrarão o novo seguro para vítimas de acidentes de trânsito, o SPVAT (antigo DPVAT). A decisão dá a ideia de que os motoristas não precisarão pagar o tributo nessas unidades da federação. A lei, no entanto, determina que o pagamento do valor é obrigatório para o licenciamento do veículo (emitido no âmbito estadual).

Pagamento do seguro é obrigatório para o licenciamento do veículo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Os condutores que não pagarem o seguro, conforme a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), ficarão com o veículo irregular para circulação. Caso seja flagrado em blitz sem o licenciamento, o motorista poderá ser multado em R$ 293,47, tomar sete pontos na carteira e ter o veículo rebocado.

O Novo DPVAT foi aprovado no Congresso em maio e sancionado no mesmo mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a legislação, a taxa começará a ser cobrada em 2025. A equipe econômica ainda não fixou o valor, mas, segundo estimativas, deve ficar entre R$ 50 e R$ 60 por ano.

A lei prevê que os Estados façam convênio com a Caixa, que é quem opera a cobrança, para que o pagamento do SPVAT seja feito junto com o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) ou o licenciamento. Apesar disso, Estados de oposição ao governo federal - como São Paulo, Goiás, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais - e o Distrito Federal se negaram a cobrar o tributo.

Sem a cobrança direta pelas gestões estaduais, o governo federal ainda precisaria detalhar como seria feito o pagamento diretamente à União. A Associação Nacional dos Detrans também reforçou, em nota, que a quitação do SPVAT é requisito essencial para o licenciamento anual.

O governo de São Paulo rejeitou proposta da Caixa para que o Detran-SP operasse a cobrança do seguro. Segundo o governo paulista, o convênio determinava que apenas 1% do valor cobrado ficasse com o Estado o que, diz, não seria suficiente para custear as operações de cobrança.

Ao Estadão, o governo estadual admite que os paulistas não serão cobrados pelo Detran, mas sim pela Caixa Econômica Federal. Ou seja, na prática, o fato de o Estado não aderir ao convênio não exclui a necessidade de que o cidadão pague a taxa, já que o novo DPVAT foi instituído por lei.

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No início do mês, dados do Detran-SP mostravam que a condução de carros não licenciados era a segunda maior causa de multa no trânsito no Estado. No ano passado, 125 mil veículos foram recolhidos por falta de licenciamento em São Paulo. O Estado foi questionado se emitiria o licenciamento mesmo que o motorista não tenha pagado a taxa do Novo DPVAT, mas não respondeu.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) afirmou em entrevista à rádio Itatiaia nesta semana que a volta do seguro é “absurda”. Segundo ele, o Estado não cobrará o valor. Questionado pela reportagem, o Estado reiterou que não fará a cobrança e que o valor deve ser recolhido diretamente pela União. A administração estadual não respondeu, no entanto, se pretende emitir licenciamento sem comprovação de pagamento da taxa.

Em uma publicação no “X”, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), afirmou que o Estado “não aumentará imposto”. Em nota enviada ao Estadão, o governo estadual afirmou que a cobrança “implicaria, na prática, em aumento de impostos para o contribuinte catarinense, o que contraria todos os esforços da administração estadual de não elevar a carga tributária em Santa Catarina.”

A decisão do Estado de não operacionalizar a cobrança do novo DPVAT, contudo, não derruba a obrigatoriedade de que o motorista pague a taxa relativa ao seguro.

Santa Catarina argumenta ainda que seria difícil operacionalizar a cobrança, já que no Estado o pagamento do IPVA em cota única ou parcelado tem prazos definidos conforme o final da placa do veículo, e o governo federal pretende cobrar o Novo DPVAT em janeiro.

A reportagem questionou se o licenciamento dos veículos será emitido ainda que os motoristas não paguem a taxa. O Estado respondeu que “as guias de IPVA e licenciamento seguem as mesmas em Santa Catarina. O sistema não será alterado.”

Em publicação no Instagram, na quarta-feira, 23, o governador Ronaldo Caiado (União) afirmou que “Goiás não vai aderir a essa pouca vergonha. Não vai cobrar DPVAT de ninguém”.

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No vídeo, Caiado atribui a criação do imposto, instituído por lei, ao governo federal e diz que o seguro só serviu para “engordar os bolsos” de favorecidos pelo poder. Ao Estadão, a administração de Goiás disse que espera que o Congresso tenha sensibilidade para revogar a medida e disse que estuda maneiras de garantir que motoristas que não pagaram o seguro possam continuar circulando.

O governo do Paraná afirmou que não fará a cobrança porque os questionamentos feitos pelo Estado à Caixa não foram completamente sanados. “Optamos por não incluir essa cobrança nas taxas estaduais porque a decisão não foi diretamente comunicada aos contribuintes pelo governo federal”, disse a gestão Ratinho Junior (PSD) em nota.

Ele argumentou ainda que o governo tem “preocupação com o bolso do paranaense que no começo do ano já tem seu orçamento comprometido com outras responsabilidades”. A lei que criou o Novo DPVAT determina o pagamento já em janeiro.

“O Paraná procurou a Caixa Econômica Federal para tentar encontrar um ponto de equilíbrio e facilitar a vida do cidadão. No entanto, a Caixa não aceitou a proposta do Estado, de manter a cobrança do tributo no segundo semestre, postura que o Paraná adota há anos, para desonerar o contribuinte que já paga muitos impostos no início do ano. O Paraná não recebeu qualquer proposta formal do banco e o prazo para firmar o convênio venceu em 31 de agosto de 2024. O fato de a cobrança não acontecer de forma conjunta com o tributo estadual não retira do cidadão o direito a indenizações”, diz a nota.

O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), anunciou em publicação no “X” que não vai cobrar a taxa. Ele afirmou que o objetivo de sua gestão é priorizar o bem-estar da população e “evitar custos adicionais que possam impactar o bolso das famílias.”

O Distrito Federal não respondeu às perguntas feitas pela reportagem.

Estados podem ser até responsabilizados

A Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia responsável pela regulação e fiscalização do mercado de seguros no País, explica que nos casos em que o Estado não operar a cobrança, ela deverá ser feita pela Caixa Econômica Federal. O órgão complementa que a “arrecadação será necessária para pagar indenizações para as vítimas e beneficiários, inclusive dos Estados que não fizerem convênio com a Caixa”.

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A Caixa afirma que, ainda que os Estados não optem por fazer a cobrança, a decisão “não isenta o proprietário dos veículos automotores da obrigação de pagamento”. O banco explica ainda que, nesse caso, “a emissão da guia de pagamento deverá ser feita diretamente pelo proprietário do veículo nos canais oficiais da Caixa”.

A lei que institui o Novo DPVAT determina que o pagamento é “requisito essencial” para o licenciamento anual, para a transferência de propriedade e para a baixa de registro de veículos”. Dessa forma, emitir licenciamento sem exigir a comprovação do pagamento da taxa contraria a lei.

“A não exigência (do pagamento para emissão de licenciamento) poderá implicar em responsabilização dos Estados”, afirma o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni. “O SPVAT é de contratação obrigatória por todos os proprietários de veículos automotores”, afirma.

De acordo com ele, a postura dos Estados em dissonância com o que diz a lei gera confusão nos brasileiros. “A população fica um pouco perdida”, afirma.

O DPVAT foi extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por meio de medida provisória em 2020. Na época, a Susep argumentou que dados apontavam baixa eficiência do seguro, que também era alvo de processos movidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), além de outras ações judiciais.