Governo negocia R$ 250 milhões para câmeras em uniformes da PF e mais ações de segurança

Pasta negocia financiamento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para colocar a iniciativa em prática e deve auxiliar Estados na implementação em polícias locais

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

O Ministério da Justiça e Segurança Pública quer colocar câmeras nos uniformes de todas as forças de segurança sob responsabilidade da União, como a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Força Nacional e a Polícia Penal. A pasta pediu financiamento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para colocar a iniciativa em prática. Além da medida, o governo finaliza um projeto para auxiliar Estados na implementação do equipamento.

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Um dos eixos da Carta Consulta enviada ao BID pelo ministério prevê a implementação integral do Projeto Estratégico Bodycam. A meta comunicada pela pasta ao banco é de que “100% das forças policiais federais” utilizem o equipamento nas fardas. A pasta quer instituir uma Política Nacional de Uso da Força para reduzir a letalidade dos agentes de segurança. O órgão pretende criar ainda um protocolo nacional para orientar o uso da força e um plano de treinamento sobre o tema.

O pedido de recursos para ampliação das câmeras nas forças federais está inserido no âmbito de uma negociação por R$ 250 milhões de financiamento do BID para ações voltadas para segurança pública. O Estadão perguntou ao ministério qual seria o valor específico para a implementação das câmeras, mas a pasta respondeu apenas que os recursos “ainda estão em negociação interna” e que “os financiamentos serão liberados conforme a necessidade da segurança pública”.

Em maio, a PRF iniciou o projeto para uso das câmeras nos uniformes e a iniciativa será ampliada para as outras forças federais. No ano passado, imagens de policiais asfixiando Genivaldo de Jesus Santos dentro de uma viatura da corporação chocaram o País. Desde então, as discussões a respeito da necessidade de pôr fim ao uso abusivo da força por parte das polícias ganharam fôlego. A PF tem aproximadamente 14 mil agentes e a PRF, quase 12,8 mil.

Entre as ações que podem ser beneficiadas pelo financiamento, também estão medidas para fortalecer o combate às organizações criminosas. A parceria também prevê reforço ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci 2), tanto por meio do fornecimento de equipamentos quanto de apoio à coordenação. Além da verba, a parceria inclui assessoria técnica.

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Em maio, a PRF iniciou o projeto para uso das câmeras nos uniformes e a iniciativa será ampliada para as outras forças federais  Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Câmeras chegam a oito Estados

Levantamento feito pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do ministério mostrou que ao menos oito unidades da federação já usam câmeras no fardamento de forma permanente: São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. As demais estão em estágios variados de discussão sobre o tema. Na Bahia, por exemplo, as câmeras já passaram por processo de licitação; já no Distrito Federal a minuta de contratação está em análise.

No ano passado, o hoje governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o atual secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, questionaram a efetividade do uso das câmeras nas fardas de policiais. Após críticas, os dois passaram a adotar discurso de que visam a incrementar os equipamentos com novas funcionalidades.

O Ministério da Justiça tem abordado os Estados para incentivar a ampliação do uso de câmeras entre as polícias militares. O governo pretende apresentar formas de auxiliar as unidades da federação nesse processo por meio do Projeto Nacional de Câmeras Corporais.

Na semana passada, o ministério se reuniu com a secretaria de Segurança Pública do DF para discutir sobre o projeto. Nesta unidade da federação, as câmeras serão acopladas na região do peito dos policiais e gravarão áudio e vídeo. O governo estadual adotará como base os protocolos utilizados em São Paulo. Além do DF, o ministério está em tratativas com o governo da Bahia.

No projeto nacional, a ação inicial será fixar diretrizes para uso do equipamento. Por exemplo, indicar se a câmera deve filmar o tempo todo ou só quando acionada pelo policial. Também vai orientar a respeito do tempo de armazenamento das imagens, procedimentos de segurança para que o conteúdo não seja alterado, qualidade da gravação, auditoria das imagens e integração do conteúdo com outros órgãos.

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A ideia é criar um trilho que possa ser seguido pelos Estados que passarem a usar o equipamento. A pasta ainda analisa se as diretrizes virão por meio de portaria, ou outro tipo de mecanismo, e estima que o material estará pronto até o fim do ano.

Padrão federal de câmeras

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Outra frente que a pasta pretende atuar é na certificação de equipamentos. O ministério quer instituir um “padrão federal” de câmeras para segurança pública. O “selo” seria uma certificação adicional a produtos já homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), recomendando os modelos mais adequados para implementação nas forças de segurança.

A Senasp deve viabilizar a transferência de recursos por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública para que os Estados possam financiar esse processo. A pasta vai modificar em breve a portaria que regula os repasses por meio do fundo e incluir uma lista de itens financiáveis com recursos do fundo. Na lista, segundo o secretário Tadeu Alencar, um dos tópicos incluídos será a câmera corporal.

“Temos clareza de que o uso das câmeras (em fardas) milita em favor da boa instrução processual quando, por exemplo, o policial é acusado de ter agido com excesso. Geralmente as pessoas valorizam muito o lado de controle da atividade policial, que é importante também, mas temos colocado o foco de que a câmera tem múltiplas dimensões e uma delas é de proteção ao policial que age dentro dos limites da lei”, afirma Alencar.

Eu percebo uma evolução das próprias forças de segurança em relação a esse tema. A resistência é muito menor (do que já foi no passado).

Tadeu Alencar, secretário Nacional de Segurança Pública

”Percebo uma evolução das próprias forças de segurança em relação ao tema. A resistência é muito menor (do que no passado). Temos clareza que, mesmo não havendo subordinação dos Estados em relação à União, para persuadi-los a utilizarem esse instrumento, temos de fazer uso.”

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O projeto prevê ainda parcerias com universidades para avaliação de impacto dos equipamentos e aprimoramento da política. Como o alto custo da estratégia é visto como entrave à expansão do uso de câmeras no fardamento em todo o País, o ministério quer fazer análises que possam culminar num barateamento da tecnologia, melhorando a eficácia dos equipamentos a partir de orientações de uso.

“Essa tecnologia melhora os índices de atuação das corporações, aumentando sua legitimidade junto à população, reduzindo as reclamações e denúncias contra desvios eventualmente praticados”, diz o secretário de Acesso à Justiça do ministério, Marivaldo Pereira.

“Só é contra a instalação das câmeras quem não conhece a experiência. Todos os policiais que conhecem os detalhes da experiência automaticamente passam a defendê-la. Sentimos isso na Bahia, aqui no Distrito Federal, e onde isso ficou mais evidente foi em São Paulo. Quando a política foi questionada, quem saiu em defesa dela foram os próprios policiais, ressaltando a importância para a melhoria das atividades e para proteção”, acrescenta.

Experiência de São Paulo mostra dados positivos

São Paulo foi um dos primeiros a usarem o equipamento, em 2020. Ainda que a inclusão da ferramenta tenha sido cercada de polêmica, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o modelo surtiu efeito. A letalidade policial em São Paulo caiu 62,7% entre 2019 e 2022, passando de 697 mortes no Estado em abordagens policias para 260.

Experiência da PM de São Paulo com câmeras mostram dados positivos Foto: Taba Benedicto/Estadão

Outro estudo mais específico, feito pela FGV, comparou os dados relacionados à violência policial entre junho de 2021 e julho de 2022 em São Paulo, considerando áreas com e sem uso de câmeras nos uniformes da polícia. A pesquisa mostrou que houve uma redução de 57% no número de mortes em decorrência de intervenção policial nas regiões onde o equipamento era utilizado. Especialistas explicam, no entanto, que a eficiência da política depende de fatores adicionais.

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Apesar dos dados positivos, a política ainda encontra resistência. Na última quarta-feira, o governo do Rio de Janeiro afirmou que o Estado passará a utilizar câmeras no uniforme de policiais de elite ainda este ano. A medida ocorreu somente um mês após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Estado fixasse cronograma para implementação das Câmeras Operacionais Portáteis, inclusive nas forças de elite, como o Batalhão de Operações Especiais (Bope).

As evidências para São Paulo e Santa Catarina indicam que o uso das câmeras está associado a uma considerável redução do uso excessivo da força pela polícia. Porém, essa tecnologia precisa ser empregada dentro de uma estrutura de controle da polícia.

Joana da Costa Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública da FGV

Coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública da FGV e uma das autoras do estudo sobre o uso das câmeras em São Paulo, Joana Monteiro explica que para que a política seja bem sucedida a simples instalação do equipamento não é suficiente. Segundo ela, é preciso um conjunto de medidas para que o modelo renda frutos.

“As evidências para São Paulo e Santa Catarina indicam que o uso das câmeras está associado a considerável redução do uso excessivo da força pela polícia. Porém, a tecnologia precisa ser empregada dentro de uma estrutura de controle da polícia. Na ausência de protocolos de uso claros e de responsabilização pelo não cumprimento dos procedimentos operacionais, as câmeras tendem a ter uimpacto limitado”, explica.

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