Governo quer PRF para fiscalizar ferrovias e hidrovias em nova proposta de segurança

Ministério da Justiça elabora PEC para reformular responsabilidades federais na segurança pública e regulamentar o ‘SUS’ do setor, sistema que foi criado em 2018, mas não saiu do papel

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

O governo federal quer usar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública para fortalecer e ampliar o escopo de atuação da Polícia Federal (PF), da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Penal Federal. O modelo vem sendo acompanhado de perto pelo próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que vê na PEC uma ferramenta para corrigir os problemas na área.

Uma das ideias em análise é incluir na PEC prerrogativa para que a PRF atue também em ferrovias e hidrovias Foto: Joa Souza - stock.adobe.com

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Segundo o Estadão apurou, uma das ideias em análise é incluir na PEC prerrogativa para que a PRF atue também em ferrovias e hidrovias, adquirindo maior força ostensiva. A visão é de que o fortalecimento da Polícia Federal incrementaria ações de inteligência, que se complementariam com a ação mais ostensiva da PRF, aumentando a tração da União no combate ao crime organizado.

Atualmente, a Marinha faz o patrulhamento fluvial em regiões de fronteira. No caso das ferrovias, a Constituição prevê a Polícia Ferroviária Federal, mas a corporação está praticamente extinta.

Conforme o estudo Raio-X das Polícias, publicado em fevereiro pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia ferroviária embora tenha previsão constitucional nunca chegou a ser formalmente instituída, já que o Ministério da Justiça não criou estrutura de cargos e salários para a função. A carreira aguarda até hoje um departamento específico, a exemplo do que foi feito com a PRF.

Na gestão Jair Bolsonaro (PL), a PRF ganhou espaço em operações contra o crime, mas episódios de letalidade - sobretudo a morte de Genivaldo Santos em 2022, que morreu asfixiado em uma viatura - colocaram a atuação dessa corporação em xeque.

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O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, chegou a dizer que a existência da polícia rodoviária deveria ser “repensada” após outro episódio violento, a morte de uma garota de 3 anos baleada por agentes em setembro, na Baixada Fluminense.

O efetivo da PRF é de quase 13 mil agentes, praticamente o mesmo de policiais federais. Supera o das polícias militares de vários Estados, como Santa Catarina (9,9 mil) e Maranhão (11 mil). No último ano de seu mandato, Bolsonaro liberou a nomeação de 625 novos PFs e 625 agentes federais rodoviários.

Para essa nova mudança, há uma minuta inicial do texto da PEC, mas a proposta ainda será amadurecida internamente e pode mudar. Ainda não há prazo para que o rascunho seja apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A segurança pública é uma das áreas de pior avaliação do governo Lula. Pesquisa Ipec divulgada nesta semana mostrou que 42% dos brasileiros reprovam a gestão federal na área. No setor, a proposta tem sido vista como uma estratégia do ministro para dividir a fatura do fracasso na segurança com outros atores políticos. De modo que passe a mensagem de que está se movimentando para solucionar o problema, mas há outras questões envolvidas.

O ministro defende que a Constituição seja modificada para que a União tenha mais poderes de um planejamento nacional de caráter compulsório para os outros órgãos de segurança. Ele argumenta ainda que a segurança pública é muito “compartimentalizada” no que diz respeito a atribuições da União, dos Estados e Municípios.

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Em palestra fechada no Instituto de Advogados de São Paulo (Iaps) na segunda-feira passada, 21, Lewandowski defendeu a alteração na Constituição. Ele diz que apesar da instituição do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) em junho de 2018, em um país federativo a União tem competências limitadas para vincular a ação de Estados e municípios.

Nesse sentido, defende que a PEC permita que o governo federal elabore plano nacional de segurança, mas garantindo que os entes federados definam estratégias relacionadas a peculiaridades locais.

“Na verdade, esse Susp foi concebido à imagem e semelhança do SUS (Sistema Único de Saúde). Só que o SUS está na Constituição, é uma rede hierarquizada, que tem uma distribuição nacional de médicos, enfermeiras, profissionais de saúde. E conta com recursos próprios vinculantes”, disse Lewandowski no almoço com advogados.

O ministro defende a perspectiva de que a constitucionalização do modelo também poderia inserir uma reserva de recursos para área. O SUSP, chamado de “SUS da Segurança”, foi sancionado em 2018, mas até o momento não saiu de fato do papel.

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A legislação determina que haja colaboração, estratégias integradas, compartilhamento de dados e de estruturas entre os entes da federação. Na prática, no entanto, o que se vê são apenas operações pontuais realizadas de forma integrada e não coordenação perene que direcione os órgãos policiais no combate ao crime.

“Se saúde e educação, juntamente com segurança pública, são os problemas que mais afligem o cidadão brasileiro, talvez seja o momento de constitucionalizarmos também o SUSP, dando-lhe verba própria para que possa cumprir suas finalidades. Verba essa não para União, mas que seja distribuída ao longo de todo sistema, que inclui desde a Polícia Federal até as guardas municipais”, afirmou.

Por ora, o tema não foi discutido com a presidência da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara. Há expectativa de que, ao retornar de Londres, onde cumpre agendas oficiais, nesta segunda-feira, 29, o ministro passe a tratar da questão com o Parlamento.

O presidente da comissão, deputado Alberto Fraga (PL-DF) afirma que está à disposição de Lewandowski. “Se for para proporcionar uma segurança pública de qualidade não tem nenhum problema. Eu até ajudo. Acho que não precisaria de uma PEC, eu aplicaria o SUSP”, pondera Fraga.

Em 2013, o então senador Lindbergh Farias (PT-RJ) propôs uma PEC no Senado para alterar a arquitetura da segurança pública no país. A proposta, no entanto, acabou sendo arquivada em 2018 com o final da legislatura.

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Em entrevista à GloboNews na última o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, disse que a pasta discutirá o tema com governadores e que a medida estaria “mais para o campo da integração do que de o governo (federal) querer meter o dedo na política dos Estados”.

Estados têm verba de R$ 4 bilhões sem uso

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), opositor ao governo, é reticente à proposta. Ao Estadão, Caiado afirmou que o governo não precisa de uma PEC para colocar em prática diretrizes importantes para a segurança pública.

“O que estamos precisando não é o governo federal querer achar que vai traçar diretrizes sem que conheça a realidade de cada Estado. Minha realidade é uma, a do Mato Grosso, que é limítrofe com outro país produtor de drogas, é outra. Na Amazônia, é outra. Para que as diretrizes sejam apresentadas, não precisa de PEC”, afirma Caiado.

“O que faz falta para mim? Helicóptero, um satélite para ter informações que preciso, ter drones, um sistema de inteligência da mais qualificada. Achei uma coisa muita vaga”, continua o chefe do Executivo goiano.

Em março, o Ministério da Justiça identificou que há cerca de R$ 4 bilhões em recursos federais para segurança pública empoçados nos Estados, que tem tido dificuldade de executar os recursos por motivos variáveis, incluindo falta de projetos.

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Professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz explica que para dar certo, uma mudança na Constituição deve ser profunda. Ela aponta a necessidade de rever o artigo 144, que estabelece atribuições de União e Estados na área.

A pesquisadora defende que é preciso estabelecer na Carta Magna as competências exclusivas e compartilhadas das polícias para evitar o cenário atual no qual, segundo ela, as forças policiais atuam de acordo com o que é conveniente.

“O modelo atual possibilita intencionalmente as ‘carteiradas’ entre as polícias e a ‘bateção de cabeça’. Isto porque não se tem um desenho federativo dos meios de força policiais, delimitando suas competências exclusivas, partilhadas e redundantes”, explica.

Segundo ela, deixar os papéis claros é importante para definir o perfil de cada polícia, os protocolos de uso da força e facilitar a articulação entre as corporações municipais, estaduais e federais.

“É preciso constituir o sistema policial que hoje é um ajuntamento invertebrado de órgãos com poder de polícia com mandatos públicos, que funcionam como uma procuração em aberto ou um cheque em branco”, diz.

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Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio Lima diz que a legislação atual já permite espaço para que o governo federal atue na articulação das forças de segurança.

“ A ideia de uma PEC que reforce o caráter de coordenação federativa do SUSP é positiva, mas já existe espaço para inovações na segurança que passam pela ideia de pactuar regras comuns e padrões operacionais. As leis orgânicas das polícias civis e militares, por exemplo, podem ser um bom ponto de partida para definir critérios de alocação de efetivos ou mecanismos de cooperação”, argumenta.