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Governo Lula vê ameaças de greves em série; impactos vão de área ambiental à liberação de remédios

Ministério da Gestão e Inovação mantém abertas 19 mesas de negociação com categorias diversas e diz ter oferecido propostas de reajuste; Ibama e Anvisa estão entre áreas afetadas

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

Com um ano e meio de gestão, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem enfrentado uma rotina de ameaças de greves e mobilizações sindicais. Base de apoio do presidente na campanha eleitoral, diversos setores do serviço público federal têm deflagrado paralisações para reivindicar reajustes salariais. O governo diz que tem oferecido propostas de reajuste pela inflação e reposição de perdas passadas.

Os impactos incluem as áreas de saúde -entidades da indústria farmacêutica veem risco de atrasos na liberação de remédios - e de meio ambiente, em que a fiscalização de crimes como desmatamento e garimpo ilegal podem ficar prejudicadas por conta da mobilização de servidores do Ibama. Em parte das universidades federais, os calendários acadêmicos atrasaram após a greve de docentes e técnicos, que já foi encerrada.

Servidores do Ibama queriam equiparação aos servidores da Agência Nacional de Águas (Ana) Foto: Ribamar Oliveira/Ibama

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Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, há 19 mesas de negociação abertas que reúnem mais de uma categoria. No total, 27 acordos já foram assinados pelo governo, como os servidores PGPE, que atuam na administração pública em geral, e PST, que trabalham, por exemplo, no Ministério da Saúde.

Essas duas categorias representam mais da metade dos servidores federais (categoria tem um milhão de servidores). Ainda assim, a pasta corre para fechar os demais acordos esta semana, a tempo de enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual ao Congresso.

Segundo o Estadão apurou, há a percepção de exagero em parte dos movimentos grevistas. Há avaliação de que, além das propostas negociadas, o reajuste linear de 9% a todos os servidores federais no 1ª ano da gestão também deveria ser levado em conta.

O próprio Lula já mandou recados. Em junho, em encontro com reitores das federais, disse que não via razão para resolver a demora da greve dos professores Quase duas semanas depois, os grevistas fizeram acordo com o governo.

Por outro lado, o governo já esperava que, após a gestão Jair Bolsonaro (PL) (menos aberto ao diálogo com sindicatos), houvesse tentativa de recuperar o tempo perdido, sobretudo com um presidente ligado a movimentos sociais.

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Responsável pela articulação com movimentos sociais, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, tem se mantido à parte do tema. A reportagem tentou contato, mas foi encaminhada para a pasta da Gestão e Inovação.

Macêdo tem sido alvo de críticas dentro do governo e sofreu até reprimenda pública de Lula no ato esvaziado de 1º de maio. Lula disse ao ministro que o ato estava “mal convocado”, evidenciando dificuldades do governo na articulação com os movimentos sociais.

“Não vejo como desgaste. Vejo como elemento importante de que estamos vivendo uma democracia onde o movimento sindical pode ter voz. Estamos operando no limite do que podemos fazer”, disse ao Estadão José Lopez Feijóo, secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e Inovação.

Ele argumenta que o governo tem oferecido propostas, com reposição da inflação e recuperação de perdas passadas. Conforme Feijóo, as categorias que não fecharem acordos até o fim deste mês correm o risco de ficar sem reajuste até 2027.

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Segundo o secretário, não há garantia de orçamento para reajustes em 2025 para quem não fechar o acordo este ano, e, em 2026, o governo estará impedido de conceder acréscimos por ser ano eleitoral. “Não é nenhuma ameaça. É uma realidade”, diz.

À frente das mobilizações, os servidores dizem que muitas áreas do funcionalismo não fizeram movimentos similares sob Bolsonaro por temerem desmonte ainda maior das carreiras. Sob Lula, argumentam que não blindarão o presidente de desgastes só para evitar críticas da oposição.

Luís Gênova, secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal de São Paulo, diz que o governo não pode “virar as costas” para sua base. “O que nos levou à greve foi uma situação bastante difícil em que os servidores estão”, afirma.

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Veja impactos por área:

Saúde

A área da saúde enfrenta atraso em exportações de insumos para produzir medicamentos, lentidão na análise de pedidos e aumento de processos negados. Entidades que representam a indústria farmacêutica alertaram nesta terça-feira, 30, para o risco de desabastecimento de medicamentos.

A mobilização de servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem impactado importações dos setor farmacêutico a ponto de entidades alertarem para o risco de desabastecimento de remédios de doenças crônicas. Além disso, farmacêuticas apontam demora maior para atender solicitações da indústria e aprovação de produtos. Procurada, a Anvisa não respondeu.

Nesta terça-feira, 30, o grupo Farma Brasil, que reúne 12 laboratórios farmacêuticos, divulgou nota afirmando que a operação-padrão na Anvisa tem feito com que matérias-primas fiquem presas em portos e aeroportos, fazendo com que algumas empresas parem a linha de produção por falta de insumos. Em carta à diretoria da Anvisa no fim de junho, entidades que representam farmacêuticas e laboratórios já vinham listando reflexos do problema.

“O desabastecimento vai afetar o Farmácia Popular. Temos produtos acabados parados há mais de 45 dias em portos e aeroportos e insumos para fabricar produtos para o Farmácia Popular. Medicamentos usados para problemas no coração e anticoncepcional”, afirma Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, na nota divulgada na terça.

O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que faz o repasse de recursos para o Farmácia Popular conforme a dispensação de medicamentos é eita à população. E disse que as farmácias “têm autonomia para a aquisição dos medicamentos ofertados, bem como a garantia do estoque, conforme negociação com seus fornecedores.”

Mobilizações sindicais se intensificaram durante governo Lula Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Na carta à Anvisa, as empresas confirmam os impactos anunciados pelo Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), observando atraso de 15 dias nas aprovações de autorizações para importação. Antes, o prazo era de um dia.

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O aumento do rigor técnico e burocratização na análise dos pedidos causa aumento de 30% no número de solicitações de registro negadas pela agência. O documento relata que a Anvisa tem evitado agendar reuniões com as empresas e o prazo para recursos está mais demorado.

As empresas sustentam, que os atrasos têm dificultado e importação de insumos importantes para produzir genéricos, por exemplo. Afirmam ainda que de janeiro a abril a agência analisava, em média, 15 dossiês de submissão de produtos, em maio este número caiu para dois.

Na semana passada, o Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de São Paulo também enviou ofício à Anvisa informando que a operação-padrão no órgão tem gerado prejuízos financeiros no âmbito das importações. O cálculo da entidade é de que só em junho as perdas atinjam R$ 3,3 bilhões.

Em 22 de julho, o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências) rejeitou a proposta do governo federal e aprovou paralisação de dois dias nesta quarta e quinta, 1º. A paralisação, segundo os servidores, pode afetar setores como “controle e fiscalização em portos, aeroportos, o abastecimento de energia elétrica e água”.

A demanda das agências é que os cargos sejam igualados em termos de remuneração às carreiras do ciclo de gestão, como diplomatas, auditores fiscais da Receita Federal, advogados da União e analistas do Banco Central.

A proposta do governo, rejeitada pela categoria, ofereceu reajuste de até 21,4% para os cargos da carreira e até 13,4% para o Plano Especial de Cargos, divididos em duas parcelas: janeiro de 2025 e abril de 2026.

“A licença de importação de combustível passa pela ANP (Agência Nacional de Petróleo). Ou seja, pode faltar combustível. Se deixar de fazer licenciamento, emitir licença para importação de produtos de saúde e medicamentos não produzidos no Brasil, em uma eventual greve pode começar a faltar suprimentos para a saúde”, diz Yandra Torres, diretora nacional do Sinagências e servidora da Anvisa.

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Além da Anvisa, são representadas pelo Sinagências as agências nacionais de Transportes Terrestres (ANTT), a de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a da Aviação Civil (Anac), a de Transportes Aquaviários (Antaq), de Telecomunicações (Anatel), de Águas (ANA), a do Cinema (Ancine), de Mineração (ANM), de Energia Elétrica (Aneel) e a de Saúde Suplementar (ANS).

Meio Ambiente

Com a paralisação do Ibama, algumas áreas ficam prejudicadas como a fiscalização de ilegalidades, o que pode resultar em retrocesso nos índices de desmatamento. A produção de petróleo do País também sente os reflexos do movimento, com redução do faturamento devido a entraves no licenciamento. Procurada, a pasta do Meio Ambiente ainda não comentou.

A greve na área ambiental é uma dor de cabeça para o governo, que tem como uma das principais plataformas zerar o índice de desmatamento até 2030. No ano que vem, o Brasil vai sediar a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém, quando receberá chefes de Estado para debater a crise climática. A paralisação do Ibama reduz os fiscais em campo, de modo que parte dos ilícitos ambientais, como o desmatamento, não são fiscalizados.

Levantamento da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) mostrou queda expressiva nas autuações ligadas a desmate ilegal na Amazônia. De janeiro a abril de 2023, foram aplicados 2.161 autos de infração, segundo a entidade. Já no mesmo período desse ano foram 389 - queda é de 82%, conforme o grupo. O Ibama não divulgou balanço oficial.

Outro impacto da paralisação é na produção de petróleo, com atraso na emissão de licenças no setor de óleo e gás, causando prejuízos. Em março, três meses após o início da paralisação dos serviços de campo, o setor tinha deixado de faturar R$ 3,4 bilhões, diz o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). As estimativas do IBP é de que a mobilização tem impacto de 200 mil barris por dia na produção.

Servidores ambientais do Ibama, que iniciaram o movimento ainda no ano passadoe deflagraram greve em junho. Conforme a Ascema, 24 Estados e o DF aderiram à greve, exceto Mato Grosso do Sul e Sergipe. A escalada da mobilização ocorreu após o governo federal romper a mesa de negociação sob argumento de que chegou ao limite financeiro.

Em 4 de julho, porém, a Justiça deu liminar para manter na ativa 100% dos servidores das áreas de licenciamento ambiental, gestão das unidades de conservação, resgate e reabilitação da fauna, controle e prevenção de incêndios florestais e emergências ambientais voltem ao trabalho. Se a decisão for descumprida, os sindicatos deverão pagar multa de R$ 200 mil por dia. A liminar atendeu a pedido da Advocacia Geral da União (AGU), que alegou abusividade da greve.

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“Na verdade, não queríamos entrar em greve. A greve ambiental, diferentemente de outros setores, só beneficia um lado, que é o lado do infrator, que não quer que a proteção ambiental atue”, afirmou ao Estadão, Cleberson Zavaski, presidente da Ascema.

“Para os servidores e para o governo é prejuízo. Mas nesse momento é uma necessidade extrema a partir do momento que o governo nos empurrou para uma greve por ter rompido a mesa de negociação”, acrescentou.

No último dia 22, a Ascema enviou contraproposta ao governo federal. No documento, a entidade aceita boa parte dos termos do governo, mas pede reajuste para o nível inicial da carreira. Um servidor em início de carreira recebe R$ 9.735,72. A proposta do MGI era de manter esse mesmo valor em 2026. Os servidores defendem, no entanto, que o valor suba para R$ 10.757, 97.

Os servidores abriram mão de uma das reivindicações mais sensíveis, que pretendia equiparar a categoria aos níveis salariais e de progressão da Agência Nacional de Águas (ANA). Isso foi deixado de lado na nova proposta.

“A proposta que fizemos para carreiras do meio ambiente estão entre as propostas invejadas pelas outras carreiras. O reajuste proposto para as carreiras do meio ambiente varia entre 19% e 31%”, afirmou o secretário do MGI, José Lopez Feijóo. “Estranhamente essa proposta está sendo rejeitada. É minha obrigação, como dever e transparência, dizer quando chegamos no limite”, continuou, negando que a mesa tenha sido rompida, mas reforçando que essa é a proposta final do governo.

Paralisação de professores universitários federais atrasou calendários acadêmicos Foto: Reprodução/TV Globo

Educação

Caso o governo não resolva o impasse com algumas categorias, poderá ver prejudicadas ainda áreas caras à gestão petista, com eventual atraso de bolsas, repasses para merenda, financiamento da educação básica, além do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) rejeitaram a proposta do governo e estão em estado de greve. Na prática, significa que caso o Ministério da Gestão e Inovação não atenda às reivindicações, uma greve pode ser deflagrada a qualquer momento.

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O FNDE é uma autarquia federal, responsável por gerir políticas públicas do Ministério da Educação e operar os programas da pasta. Uma eventual greve no FNDE poderia atrasar repasses para educação básica, incluindo verbas de merenda por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do transporte escolar. E gestão de outras políticas, como o Fundeb, principal fundo de financiamento do ensino básioa; o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); entre outros.

“Também poderá ocorrer o retardamento da assistência técnica à retomada das obras de reforma e ampliação das escolas, previsto no PAC”, diz Daniel Pereira, servidor do FNDE e coordenador da Seção Sindical do Sindicato dos Servidores Públicos Federais (Sindsep-DF) no órgão.

O Inep, por sua vez, tem como uma de suas atribuições mais importantes realizar avaliações. É o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), usado como critério de acesso pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), principal via de acesso ao ensino superior público.

A proposta do governo prevê reajuste de 9% em 2025 e 56% em 2026, mas os servidores reivindicam reformulação completa na carreira, de modo que passem a integrar o chamado “ciclo de gestão”.

Um servidor do FNDE ganha, por exemplo, 40% do que ganha um funcionário que está incluído no ciclo de gestão.

Uma das propostas da categoria é de que um servidor com ensino superior no topo da carreira receba cerca de R$ 29.832,94, próximo do salário das carreiras que estão no ciclo de gestão. Com a proposta do governo, porém, um servidor com essas características e doutorado receberia R$ 22.211,63.

O MGI afirma que será agendada reunião para analisar a contraproposta dos servidores e tentar chegar a um acordo.

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A greve dos docentes federais chegou ao fim, mas ainda tem reflexos. O principal é o atraso do calendário acadêmico. A Universidade de Brasília (UNB), por exemplo, terá 58 dias a mais de aula, com o calendário chegando a 2025 para compensar o tempo parado. A Federal de Minas Gerais (UFMG) vai estender o encerramento do ano letivo até fevereiro de 2025.

Área científica

Os servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovaram na semana passada o “estado de greve”, o que indica que a qualquer momento a categoria pode cruzar os braços. O quadro do CNPq negocia em conjunto com as demais carreiras da área de Ciência e Tecnologia.

Os servidores da área de Ciência e Tecnologia pedem reajuste de 10,32% ao ano em 2024, 2025 e 2026 para compensar as perdas salariais desde 2017. No caso do CNPq, reivindicam ainda a nomeação de todos os 150 analistas aprovados no concurso para o órgão em 2023.

Inicialmente, foram disponibilizadas apenas 50 vagas. Segundo a categoria, ainda não foi apresentada proposta específica para Ciência e Tecnologia, atualmente, os servidores levam em consideração o aumento oferecido em janeiro pelo governo a todo funcionalismo: 0% em 2024, 4,5% em 2025, e 4,5% em 2026.

“Caso a mobilização avance para uma operação padrão ou mesmo uma greve, podem ser afetados cerca de 70 mil bolsistas em centenas de universidades e unidades de pesquisa espalhadas pelo país”, diz a Associação Dos Servidores do CNPq, em nota. De acordo com a entidade, um dos impactos acarretados seria o “atraso de pesquisas fundamentais para o avanço do País”.

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