Assista à entrevista completa: https://youtu.be/Y8T4JXInlYs
"A tradição indígena quéchua mostra que o equilíbrio da vida depende de quanto você saca e quanto você doa. Se você só sacar, vai falir. E tudo que fizemos nos últimos 100 anos foi comer a Terra".
"Não me venha com o papo furado de que os nórdicos da Europa são desenvolvidos. Se eles querem ajudar os povos da Amazônia, deveriam deixar de ser bárbaros. Doam bastante dinheiro para compensar o tanto de cagada que fazem. Continuam predando o planeta e se acham desenvolvidos e modelo político para o mundo. As grandes corporações têm sede em Bruxelas, fazem a contabilidade deles lá no norte, e põem as sondas deles para sugar no sul. Há 200, 300 anos, chupavam o bagaço. Agora estão chupando a medula".
"O coronavírus é a globalização que nós não queríamos. Nós queríamos a globalização, certo? Mas ela é como um pequi; tem uma capa, mas na hora que você morde ele, enche a boca de espinho".
"A terra tem o suficiente para todas nossas necessidades. Mas se for para cada um ter um Rolls Royce, casa na cidade, casa na praia, um sítio, assim não dá. Quantas pessoas podem ter isso? É assim que a gente quer o mundo? Somos bilhões com muita dificuldade de acesso a tudo. O consumo não é para todo mundo".
"Estamos vivendo agora um dilema. Se morremos com a pandemia ou torrados, quando a terra tiver aumentado 1,5 grau de temperatura. Até 2035, vamos começar a se encapsular em lugares gelados para não morrermos torrados. Vai morrer muito mais gente disso do que do Covid-19".
"É preciso parar a velocidade do progresso para chegarmos no futuro com alguma chance de restauração. Estamos atrasados. O que vamos ter de aprender daqui para frente é mitigar. A ideia de progresso nasceu com a noção de que estávamos constituindo uma experiência vitoriosa sobre a vida aqui na terra. Isso foi um engano".
"Essas quedas de céu podem significar períodos em que nós somos banidos da vida da terra. E se isso acontecer, mesmo depois de mil anos, em uma fotografia feita a partir do espaço, será possível visualizar os estragos que fizemos no planeta".
"Para Kopenawa, o branco faz um culto a essas coisas mortas. Ele foi aos museus na Europa e achou isso uma coisa horrorosa. Achou mórbido ficar guardando escultura, monumento, aquelas coisas velhas. O progresso seria a cada dia experimentar outro aroma da floresta, do rio, do deserto, de onde você estiver. Agora se ficar acumulando tesouro e toda essa tralha, não é progresso. A ciência caiu no conto do vigário de que o acúmulo é progresso".
"Não tem justificativa a ostentação de riqueza diante da desigualdade global. Estive na Biblioteca do Congresso de Washington, achei aquilo um escândalo imoral. Outro lugar imoral que visitei, foi o Vaticano".
"Houve uma guerra biológica. O corpo estranho era o europeu, chegou nessas praias inoculado de sarampo, catapora, varicela e doenças venéreas. Isso se alastrou de um jeito que matou milhões de pessoas. Um trabalho recente diz que do México até a Terra do Fogo, foram 700 milhões de pessoas que morreram com a chegada da chamada civilização às Américas. Tudo isso é "progresso"".
"Um traço comum na tradição dos povos nativos das Américas, é não acreditar que existe passado e futuro. Outra coisa e a ideia de esperança, que na filosofia ocidental significa promessas e devir. O pensamento dos povos nativos não faz essa apreciação. Vivemos o aqui e agora. Todas essas culturas. Por isso critico acumular coisas. Ninguém fica guardando coisa para comer amanhã, mesmo em uma aldeia que aparentemente passa fome. Amanhã vão ver se vai ter amanhã. O paradigma do Ocidente é acumular coisas com a premissa de que amanhã vão estar vivos para consumir".
"Não desisti da humanidade. Estou interessado em saber é se existe humanidade".
Foi o Zé Celso diretor teatral que falou, em entrevista na semana passada https://youtu.be/8ktQnCXjf-E , que os maiores intelectuais brasileiros de hoje são os índios. Citou o yanomâmi Davi Kopenawa, e Ailton Krenak. Foi a senha para revisitar a leitura de "A Queda do Céu", de Kopenawa, e conhecer o pensamento de Krenak, não apenas através de entrevistas e filmes, como também pelo incrível "Ideias para adiar o fim do mundo", publicado ano passado pela Companhia das Letras. Nesta última sexta-feira falamos pelo Zoom, a partir da aldeia onde Ailton pratica a quarentena; a menos de 300 metros do rio Doce, agonizado com os rejeitos do rompimento da barragem de Mariana, há cinco anos.
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