Além de decisão envolvendo a Bassar Pet Food, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) determinou na ultima sexta-feira, 16, o recolhimento nacional de lotes de produtos para alimentação animal de outras três empresas. De acordo com a pasta, a medida é cautelar e faz parte dos desdobramentos das investigações realizadas pelo governo, que detectaram que lotes de propilenoglicol adulterados foram usados para fabricar petiscos para cães.
O propilenoglicol é um insumo utilizado pelo setor industrial na fabricação de alimentos para humanos e animais. O uso é permitido desde que seja adquirido de empresas registradas. As investigações que estão sendo realizadas são relacionadas a uma possível contaminação do propilenoglicol por monoetilenoglicol, oriundo de empresa sem registro.
Conhecido também como etilenoglicol, esse produto tóxico é geralmente usado para refrigeração e encontrado em baterias, motores de carro e freezers ou geladeiras. A mesma substância esteve por trás da morte de 10 pessoas que consumiram a cerveja Backer, em 2019, em Minas Gerais. “Até o momento, não existe diretriz do Ministério de suspender o uso de produtos que contenham propilenoglicol na sua formulação, além dos já mencionados”, disse em comunicado.
As investigações envolvendo a morte de cães por suspeita de intoxicação após o consumo de petiscos continuam em andamento. Além de Minas e São Paulo, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas, Sergipe e Goiás têm relatos de casos. Ao menos 54 mortes suspeitas foram registradas em todo o País, segundo a Polícia Civil mineira, além de internações com quadro de falência renal. Só em Minas, eram 18 animais hospitalizados.
“A Polícia Civil de Minas Gerais acrescenta que o inquérito policial está em tramitação e outras informações serão amplamente divulgadas após a conclusão da investigação”, disse nesta segunda-feira, 19.
Em São Paulo, a Polícia Civil afirma que registrou, até o momento, onze ocorrências de cães intoxicados depois de terem ingerido petiscos na capital paulista e nos municípios de Guarulhos, Santos e Bragança Paulista.
Trabalhando em conjunto com a Polícia Civil de Minas para o esclarecimento dos casos, a Delegacia de Investigações sobre Infrações Contra o Meio Ambiente (DICMA) de Guarulhos instaurou inquérito policial para apurar todas as ocorrências registradas no estado paulista.
Veja a lista de produtos com recolhimento determinado pelo governo:
- Da FVO Alimentos Ltda deverão ser recolhidos os produtos Bifinho Bomguytos nos sabores frango 65g (lote 103-01) e churrasco (lotes 221-01, 228-01, 234-01 e 248-01); Bifinho Qualitá sabor churrasco (lote 237-01) e Dudogs (lotes 237-01 e 242-01).
Além dos lotes citados pelo governo, a FVO Alimentos Ltda disse que retirou outros produtos do mercado. “A FVO Alimentos informa que, em alinhamento com as diretrizes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, já havia recolhido do mercado, de forma preventiva e proativa, todos os lotes dos produtos Dudogs, Patê Bomguy e Bomguytos Bifinho (nos sabores Churrasco e Frango & Legumes)”, acrescentou a empresa localizada em Brasília.
- Da Peppy Pet Indústria e Comércio de Alimentos para Animais deverão ser recolhidos os produtos Bifinho 60g Peppy Dog frango grelhado (lotes 5026 e 5738); Palitinho 50g Peppy Dog carne com batata doce (lotes 5280, 5283, 5758 e 5759); Palitinho 50g Peppy Dog frango com ervilha (lotes 5282 e 5746); Bifinho 500g Peppy Dog carne assada (lotes 5274 e 5734); Bifinho 60g Peppy Dog filhotes - leite e aveia (lote 5736); Palitinho 50g Peppy Dog carne com cenoura (lote 5760).
- Da empresa Upper Dog comercial Ltda são os produtos Dogfy injetado tamanho PP (lotes 0003/202204, 0004/202206, 0006/202206, 0008/202206, 0009/202201, 0010/202206, 0012/202201, 0012/202206, 0013/202203, 0014/202206, 0015/202205, 0016/202205, 0017/202205, 0018/202206, 0023/202201, 0023/202207, 0024/202206, 0024/202207, 0027/202205, 0025/202207, 0026/202206); Dogfy injetado tamanho P (lotes 0001/202201 a 0008/202201, 0013/202201 a 0017/202201, 0024/202201, 0007/202202, 0010/202202 a 0018/202202, 0001/202203 a 0009/202203, 0001/202204 a 0009/202204, 001/202205 a 0028/202205, 0001/202206 a 0009/202206, 0011/202206, 0013/202206, 0015/202206, 0017/202206, 0019/202206 a 0025/202206, 0030/202206 a 0033/202206, 0009/202207 a 0011/202207, 0016/202207, 0019/202207, 0020/202207, 0026/202207 a 0030/202207, 0012/202208 a 0021/202208); e Dogfy injetado tamanho M (lotes 0010/202201, 0011/202201, 0018/202201 a 0022/202201, 0001/202202 a 0009/202202, 0019/202202 a 0023/202202, 0010/202203 a 0012/202203, 0014/202203, 0004/202204, 0005/202204, 0012/202205 a 0014/202205, 0002/202206, 0027/202206 a 0029/202206, 0021/202207 e 0022/202207).
- A Bassar Pet Food também continua realizando o recolhimento de todos os produtos fabricados a partir de 7 de fevereiro de 2022. Isso, segundo a empresa, compreende todos os lotes de produto, marca própria ou marca Bassar, com numeração a partir do lote 3329. Os consumidores que devem devolver os itens à loja, que deverá reembolsar o valor gasto. Em caso de dúvidas sobre o recall ou sobre os produtos, os consumidores podem entrar em contato com o SAC pelo e-mail sac@bassarpetfood.com.br.
Por precaução, a empresa disse que está recolhendo todos os itens produzidos a partir da data citada acima e não apenas os que utilizaram o propilenoglicol fornecido pela Tecnoclean, que estaria contaminado. Além disso, em nota, a Bassar divulgou no início de setembro que interrompeu a produção de sua fábrica em Guarulhos, na Grande São Paulo, até que sejam totalmente esclarecidas as suspeitas de contaminação.
Em sua defesa, a Tecnoclean Industrial Ltda informou que adquiriu a substância propilenoglicol de uma importadora e a revendeu.
“A Tecnoclean Industrial Ltda afirma que não fabrica propilenoglicol, tendo comprado da empresa A&D Química Comércio Eireli e revendeu ao mercado nacional como distribuidora”, disse em nota. Procurada, a A&D Química Comércio Eireli não respondeu até a publicação da reportagem.
A sede da Tecnoclean fica em uma área industrial de Contagem, na Grande Belo Horizonte, mas um galpão da empresa funciona como depósito de produtos em Barueri, na região metropolitana de São Paulo. Já a A&D Química fica localizada no Arujá, também na região metropolitana de São Paulo.
Veja o que diz a FVO Alimentos Ltda:
“A FVO Alimentos informa que, em alinhamento com as diretrizes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, já havia recolhido do mercado, de forma preventiva e proativa, todos os lotes dos produtos Dudogs, Patê Bomguy e Bomguytos Bifinho (nos sabores Churrasco e Frango & Legumes).
A ação da FVO Alimentos foi realizada em caráter preventivo, mesmo sem existir indício de qualquer intercorrência relacionada aos produtos em questão, e leva em conta o Ofício 438/2022 (09/09/2022) do MAPA, que orientava os fornecedores do ingrediente propilenoglicol a realizarem testes laboratoriais que possam assegurar a conformidade do insumo para uso alimentício.
A FVO Alimentos possui 55 anos de história e de comprometimento, tendo o pioneirismo no Brasil na produção de alimentos secos, úmidos e petiscos. A empresa reitera que o propilenoglicol é utilizado na composição apenas dos produtos retirados do mercado. Todas as demais marcas produzidas pela companhia continuam sendo comercializadas, não havendo dúvidas quanto à segurança para consumo dos pets.
A Tecnoclean esteve entre os fornecedores da FVO Alimentos nos primeiros meses de 2022, mas já foi descredenciada.
Os consumidores que tiverem alguma dúvida podem entrar em contato pelo sac@fvoalimentos.com.br e 0800 0612105.”
Procuradas pela reportagem, a Peppy Pet Indústria e Comércio de Alimentos para Animais e a Upper Dog comercial Ltda não se pronunciaram até o momento.
Empresa com foco em produtos para animais, a Peppy Pet Indústria e Comércio de Alimentos para Animais fica localizada em Lins, no interior paulista. O telefone para contato (14) 3523-8706 estava fora de área na manhã desta segunda-feira,19. Localizada em Edison Lobão, no Maranhão, o contato de número de telefone (99) 3536-1418 da Upper Dog comercial Ltda também estava indisponível. Galpões da empresa também estão localizado em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo.
Em nota, a Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Ingredientes e Aditivos para Alimentos (Abiam) afirmou que todos os seus associados já foram informados da recomendação.
Por sua vez, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) afirma que está ajudando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a dar publicidade sobre a origem da contaminação cruzada indicada, preliminarmente, como responsável pela hospitalização e morte de cães.
“Já foram publicados ofícios a respeito do tema, os quais a entidade transmitiu para seus associados. Cabe esclarecer que a fiscalização de alimentos, fabricados em território nacional ou importados, é de responsabilidade do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa/Mapa)”, disse em nota.
A entidade acrescenta que não faz rastreamento de lotes nem fiscalização de seus associados. Assim, qualquer comunicação entre as empresas e o ministério é feita de forma direta entre o órgão governamental e as empresas.
“Nossa recomendação é que os consumidores consultem também o SAC das respectivas empresas, para saber mais informações sobre o respectivo lote do produto adquirido. E fiquem atentos às informações divulgadas tanto pela empresa quanto pelo Mapa”, orientou a Abinpet.
Andamento das investigações
As investigações envolvendo a intoxicação de cães após comerem petiscos tiveram início após tutores de animais de estimação observarem que pets saudáveis começaram a ficar doentes e morrer.
Desde o fim de agosto, o laboratório de química forense do Instituto de Criminalística da Polícia Civil de Minas recebe diversos petiscos que poderiam estar relacionados com a intoxicação e morte de cães.
Laudo preliminar divulgado pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas (UFMG), com base na necropsia de dois dos animais intoxicados, identificou a presença de monoetilenoglicol no corpo de um deles.
Em 9 de setembro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informou que resultados preliminares apontaram para presença de monoetilenoglicol em outros lotes de produtos da empresa Bassar. O aditivo foi detectado por meio de análises feitas nos Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDA) como parte das investigações dos casos.
No mesmo dia, a Bassar Pet Food iniciou o recolhimento de todos os produtos fabricados a partir do dia 7 de fevereiro de 2022 junto aos consumidores que devem devolver os itens à loja, que deverá reembolsar o valor gasto. Dois dias antes, a empresa já havia informado que estava realizando um recall de todos os produtos comercializados pela marca.
Em 6 de setembro, o Ministério da Agricultura já havia identificado irregularidades envolvendo uma das fornecedoras de matéria-prima para a Bassar Pet Food e mandado suspender o uso de dois lotes de um ingrediente fornecido pela Tecnoclean Industrial Ltda (AD5053C22 e AD4055C21).
Anteriormente, em 2 de setembro, o ministério já havia informado que os petiscos da Bassar identificados com suspeita de contaminação eram o Every Day sabor fígado (lote 3554) e o Dental Care (lote 3467).
O Grupo Petz também disse na ocasião ter retirado o petisco Snack Cuidado Oral Hálito Fresco dos pontos de vendas, fabricado pela Bassar Pet Food e que leva o nome da Petz na embalagem, assim como demais produtos da Bassar que eram vendidos nas lojas.
Na quarta-feira passada, 14, o Ministério da Justiça e Segurança Pública também notificou a empresa Bassar Pet Food para que seja apresentado o recall compulsório dos petiscos para cães.
Tutores de cães estão enlouquecidos
Luiza Cervenka, consultora comportamental de cães e gatos e autora do Blog Comportamento Animal do Estadão, afirma que os tutores estão apreensivos com o surgimento de casos envolvendo intoxicação de cães após comerem petiscos contaminados.
“Os tutores estão enlouquecidos com o surgimento dessas notícias. Começaram a perguntar se os petiscos que estou usando não são contaminados e de qual marca é. Para não correr riscos, tenho pedido para o próprio tutor trazer para os atendimentos os petiscos que são de sua confiança”, conta.
“Marcas mais tradicionais no mercado e que permitem visitas às suas fábricas não estão relacionadas (na lista de restrições do Ministério da Agricultura)”, reforçou a autora do Blog Comportamento Animal do Estadão.
Ela acrescenta que a substância propilenoglicol é usada para ajudar na conservação dos alimentos. De forma geral, para evitar fungos quando são utilizados na sua base carnes ou outros produtos naturais e também para dar sensação de maciez, principalmente no caso dos bifinhos. Biscoitos secos, por exemplo, raramente usam esse tipo de matéria-prima na sua fabricação.
Entre os principais sintomas identificados nos relatos dos tutores dos cachorros estão convulsão, vômito, diarreia e prostração. Se necessário, o tutor deve procurar auxílio veterinário o quanto antes, além de registrar a ocorrência na delegacia mais próxima.
Se há algum problema, é importante levar os petiscos que o pet comeu. Até o momento, todos os cachorros que passaram mal são de porte pequeno, entre eles, sptiz alemão, shih tzu e Yorkshire.
Anvisa monitora empresas de alimentos para humanos
Em paralelo ao caso de intoxicação de cães, uma investigação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) segue em andamento sobre a possível contaminação de lotes do aditivo propilenoglicol em alimentos para humanos.
De acordo com a Anvisa, as ações de vigilância sanitária estão focadas nas empresas com possível atividade na área de alimentos para consumo humano com o objetivo de verificar se os lotes foram utilizados na fabricação dos produtos.
Há ações em curso relativas às empresas que receberam os lotes contaminados e que foram identificadas no processo de investigação pelos órgãos envolvidos.
”A Anvisa enviou notificações às empresas, solicitando informações e documentos que comprovem a destinação dada ao propilenoglicol dos lotes contaminados. Resolução publicada em 12 de setembro veda a utilização destes lotes como medida preventiva em todo o território nacional”, disse a agência reguladora, sem dar detalhes sobre as empresas identificadas.
Depois de o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontar a possibilidade de distribuição da matéria-prima também para fábricas de alimentos de uso humano, a Anvisa decidiu suspender na segunda-feira passada, 12, a comercialização, distribuição, manipulação e uso de dois lotes do ingrediente propilenoglicol fornecido pela empresa Tecnoclean Industrial Ltda.
Além da suspensão do produto, a Anvisa ainda determinou o recolhimento dos lotes AD5035C22 e AD4055C21 da substância.
“Considerando que o propilenoglicol é um aditivo alimentar permitido para alimentos de consumo humano, a Anvisa decidiu publicar uma medida preventiva, proibindo a utilização e determinando o recolhimento dos dois lotes do produto contaminado com etilenoglicol, para evitar que os produtos sejam utilizados na fabricação de alimentos”, informou a agência.
Ainda conforme a Anvisa, Assim como a Tecnoclean, a empresa A&D Química Comércio Eireli também foi notificada para prestar esclarecimentos sobre a origem e distribuição do produto. Em sua defesa, a Tecnoclean Industrial Ltda informou que adquiriu a substância propilenoglicol de uma importadora e a revendeu. A A&D não se pronunciou.
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