BRASÍLIA - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou nesta quarta-feira, 19, que a descriminalização do uso de drogas mudaria a forma como o crime de tráfico é praticado no Brasil. Os bandidos passariam a transportar entorpecentes em pequenas quantidades para se adequar à nova lei. Isso daria origem, segundo ele, a um “exército de formigas”.
As afirmações de Janot foram feitas no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que começou a julgar o recurso que pode liberar o uso de drogas para consumo próprio no País. A sessão foi dedicada às sustentações orais das partes do caso e dos chamados “amigos da Corte”, pessoas e instituições interessadas no tema.
Um dos primeiros a falar foi Janot, que se manifestou contrário à descriminalização das drogas. “Vamos lembrar que o mercado ilícito é algo que gira em torno de R$ 3,7 bilhões. Essas pessoas mais organizadas certamente não terão muito trabalho para organizar o exército das formigas”, declarou.
Janot enfatizou que a discussão em curso é sobre o uso de drogas e não sobre o porte. Contudo, ele falou sobre o impacto do uso de entorpecentes na saúde pública e argumentou que 90% das pessoas expostas ao uso de drogas se tornam viciadas. “O argumento da maconha vem sempre como substrato, mas o que se está falando daqui é de pequeno porte de droga. Vamos lembrar do crack.”
Sobre o julgamento em curso, Janot disse que, se a Corte decidir pela descriminalização, “estará interditando o Legislativo de formular política pública”. Segundo ele, essa é uma questão típica de política pública que “deve ser definida pelo poder da República apto a isso, que é o parlamento”, disse.
Além do procurador-geral, pronunciaram-se sobre o tema o defensor público do Estado de São Paulo, que representa o autor do recurso, Rafael Muneratti. Em sua fala, ele levou à tribuna números de outros países sobre drogas. E citou o exemplo da Argentina, dizendo que a descriminalização das drogas no país vizinho reduziu a taxa de consumo de maconha de 9,7% em 2008 para 9,1% em 2010. “Assim como o consumo de cocaína, que reduziu 0,9% em 2010. A busca de alternativas fora do sistema repressivo é uma tendência mundial.”
Crack. Já o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Marcio Elias Rosa, se manifestou contrário à descriminalização. “Espanha, Uruguai, os Estados Unidos e países europeus podem ter adotado a descriminalização, porém, o fizeram em meio à uma política estatal. Nenhum partiu da descriminalização. Ela pode ser a chegada, não pode ser a partida. Ao ser ponto de partida, ela soa como liberalizante.” Ele lembrou que o Brasil vive um cenário de dificuldades com o crack. “O crack acabou de se constituir numa crise de realidade nos pequenos e grandes centros.”
Os ministros analisam a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, de 2006, que trata sobre drogas. O que está em discussão e é um recurso que chegou ao Supremo em 2011 e tem repercussão geral, ou seja, servirá como base para decisões em casos semelhantes em todo o País. A ação, proposta pela Defensoria de São Paulo, argumenta que a Lei de Drogas “viola o princípio da intimidade e da vida privada” e é, portanto, inconstitucional.
'Amigos da Corte'. A sessão desta quarta-feira no Supremo também foi marcada pelas 11 sustentações orais de entidades inscritas como “amigos da Corte”, sendo seis delas em defesa da descriminalização e as outras cinco, contrárias. Os discursos favoráveis se sustentaram com base na argumentação de que é preciso abrir espaço para o tratamento de dependentes e para diminuir o número de encarceramento, hoje muito elevado no País.
O presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Augusto de Arruda Botelho, apresentou dados mostrando que nos quase dez anos de vigência da Lei de Drogas, o número de presos por crimes ligados ao tema aumentou 340%.
Os grupos contrários afirmaram que o número de dependentes químicos pode crescer se a posse de entorpecentes for descriminalizada. “Vossas excelências deixariam seus netos com uma babá que portasse duas pedras de crack? Não nos parece razoável”, disse o advogado da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Paulo Fernando Melo da Costa.
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