A morte do palhaço Piolin longe do circo que amava

Um dos mais queridos palhaços do Brasil não conseguiu realizar seu desejo de se despedir num picadeiro

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:

Tristeza e alegria se misturaram numa notícia publicada no Jornal da Tarde em 5 de setembro de 1973. Como não se emocionar com a foto de uma figura querida que há mais de cinquenta anos espalhava sorrisos e gargalhadas pelo País ao lado de uma fria e triste imagem de uma sala de velório?

Sob o título “Está morto o grande palhaço”, a reportagem - não assinada - contava como foram os últimos dias e horas do palhaço Piolin aos 76 anos e relembrava um pouco de sua longa trajetória no circo. Leia a íntegra:

Notícia da morte do Palhaço Piolin no Jornal da Tarde. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde - 5 de setembro de 1973

ESTÁ MORTO O GRANDE PALHAÇO

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Piolin não morreu como queria. Morreu em casa, longe do espetáculo, longe do circo - o circo que ele trabalhou durante 56 anos, desde que tinha 20; o circo onde queria morrer.

Queria morrer com suas roupas coloridas, seus sapatos enormes, o rosto maquilado. No meio das palmas, dos sorrisos, das crianças. Queria morrer no picadeiro.

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Abelardo Pinto — O Piolin — morreu longe do circo, longe do espetáculo, ontem às 17h40m em sua casa (seu antigo camarim de madeira) na Freguesia do Ó, com 76 anos idade, 56 de vida artística.

Morreu do coração. Insuficiência cardfaca, segundo os médicos.

Há muito tempo Piolin estava doente. No dia 13 de fevereiro deste ano, ele foi internado no Hospital das Clínicas:

— Senti umas pontadas fortes no coração. Ele disparou aqui no meu peito, como se fosse um foguete. Acho que queria “subir”. Mas já passou. Vou sair logo daqui. No fim de semana, já estarei bom.

Piolin recebeu alta, voltou para casa. Falava em circo o dia inteiro, conversava com o genro, coronel Bertoldo. Seu estado de saúde começou a piorar no domingo, Ontem, uma farmacêutico aplicou-lhe uma injeção. Deram-lhe uma bala, ele se engasgou. Chamaram o médico, que chegou tarde: Piolin estava morto.

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O velório, no hospital Urgência Médica da Lapa, estava cheio: parentes, amigos, velhos companheiros.

Xuxu, que substituiu Piolin na última apresentação (dia 10 de abril, na Baixada Santista), contava:

Era mais que um pai. Foi amigo, companheiro e incentivador. Franco Alves Monteiro, o Xuxu, lembra quando Piolin, no Museu de Arte, prometeu doar sua bengala, colarinho, o sapato e o “nariz” ao museu, quando parasse de trabalhar:

— Ele, apesar de doente, esperava voltar, ao menos para cumprir sua última vontade: morrer no picadeiro, como palhaço.

O coronel Bertoldo Costa Júnior, genro de Piolin, falava do que ele representou:

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— Este homem criou uma nova escola em matéria de comicidade: sapatão, colarinho, bengala e nariz de bola. Tudo Isto continua sendo até hoje a caracterização do palhaço.

Abelardo Pinto começou cedo, muito cedo, no circo. Foi em Rezende, onde estudava, que seu pai conheceu uma garota do circo apaixonou-se, abandonou a família de fazendeiros e fugiu com a caravana. Com oito anos, Abelardo — pequeno e magro — estava no espetáculo: ciciclista. Com dez anos, o menino já era trapezista, contorcionista, acrobata e ainda colaborava com os domadores. Tudo isto no Circo do pai — o Circo Americano que viajava pelo Brasil inteiro.

Um dia, o palhaço da Companhia, o famoso Espiga, resolveu ir embora. E Piolin, que nunca havia dito uma palavra em cena, entrou no picadeiro, fantasiado de palhaço.

Sua figura de palhaço era uma novidade: nada dos exageros das roupas européias nem das pinturas no rosto.

Piolin, em 1922, usava a mesma roupa que usou até o fim: calças justas, paleto largo, colarinho branco, engomado e imenso, sapatos compridos. No rosto, uma bolota vermelha no nariz, a boca branca, as sobrancelhas pela metade, um chapéu coco e a bengalalinha.

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Piolim ficou conhecido e andou por todo o Brasil. Quando a gripe espanhola chegou, a Cruz Vermelha organizou espetáculos para as vítimas e num destes espetáculos, num circo com dois picadeiros, Piolin ganhou seu apelido. A história contada por ele mesmo: ao lado do meu picadeiro, trabalhava uma dupla espanhola que ria muito de mim. Um dia eu me irritei e fui tomar satisfações. Mas eles contaram que riam porque eu era tão magro que parecia um piolin (barbante, em espanhol.)

— O nome — dizia — eu deixei, em homenagem a eles.

Os modernistas da Semana de 22 gostavam de Piolin, iam vê-lo sempre. E ele foi um dos homenageados da exposição Cinquenta Anos de Arte Moderna, inaugurada em 2 de maio de 1972 no Museu de Arte de São Paulo. Num circo armado no belvedere do Museu, Piolin se apresentou como nos velhos tempos.

Piolin será enterrado hoje às 15 horas, no cemitério da Quarta Parada.

Piolin em 1972.  Foto: Solano de Freitas/Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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