Sob o pretexto de conhecer pessoalmente o carnaval carioca e com um contrato para apresentações no Hotel Nacional, Liza Minnelli aterrissou em terras brasileiras em fevereiro de 1974, sua primeira vez no Brasil.
A cantora e atriz que estava no auge de sua carreira por ter ganho no ano anterior um Oscar por sua atuação no musical “Cabaret”, do qual reverbera sua fama até hoje, chegou na companhia de sua secretária e distribuiu sorrisos aos fotógrafos que a aguardavam com ansiedade na sala vip do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.
As primeiras horas de Liza no Rio foram “loucas, frenéticas, suadas – como sempre”, escreveu o repórter Claudio Bojunga, que contou em detalhes no Jornal da Tarde sobre a calorosa tarde da diva na cidade.
Jornal da Tarde - 16 de fevereiro de 1974
Mais do que cumprir sua agenda que incluíam três apresentações, ela estava no país para conhecer a cidade carioca que para ela era famosa por seu carnaval. A estrela chegava ao País depois de, segundo ela, muito planejar sua vinda.
Suas primeiras 12 horas no país foram agitadas. Liza pôde ver um pouco da paisagem carioca em seu caminho até o hotel e ao chegar exigiu seu pedido feito desde que havia pisado no Rio: um prato de arroz com feijão.
Após a refeição caprichada, seguiu para o teatro onde iria conhecer o espaço e a orquestra que a acompanharia, formada exclusivamente por brasileiros. Depois de se entrosar com o ambiente e seus colegas de trabalho para três shows, seguiu às compras.
Entusiasmada, saiu a procura de um maiô e ganhou um azul de presente para em seguida visitar a única marca brasileira que conhecia: Zuzu Angel. Saiu de lá com blusas e um vestido de noiva.
Em seu retorno ao hotel, foi rodeada de jornalistas e fotógrafos para uma coletiva, onde respondeu entusiasmada e com boa vontade a todas as perguntas, incluem-se aí as a respeito de sua relação com Judy Garland – sua mãe e também estrela do “O Mágico de Oz”– e outras curiosas como o suposto namoro com Alice Cooper. ]
Depois de muitos sorrisos, arroz com feijão, compras e várias perguntas, ela encerrava sua agenda aparentando estar muito mais eufórica por estar na cidade do que se tratasse de apenas mais uma apresentação em sua vida.
Leia a íntegra da reportagem:
Uma estrela no Rio: Liza
Por Cláudio Bojunga
As primeiras 12 horas de Liza Minelli no Rio de Janeiro foram afobadas, sorridentes e cansativas. Foi bombardeada por dezenas de perguntas sem sentido, metralhada por centenas de fotógrafos aflitos, iluminada por um sol brilhante e desejado. Correu seus grandes olhos por cinco praias e um aterro, comeu um prato de feijão com arroz, deu 37 passos de dança, dormiu três horas, ganhou um bíquini e sorriu — sorriu muito: antes de mais nada, Liza Minelli é uma pessoa com um sorriso quente e franco.
Mas, vamos por partes:
6h30 — O avião da Varig pousa pontualmente no Galeão. Desde a véspera ficou estabelecido que Liza iria de carro (e não de helicóptero como fora anunciado) para o Hotel Nacional. Liza vem acompanhada de sua secretaria. Estã vestida com calças e blusas claras. Os primeiros sorrisos são visíveis a 300 metros.
O tráfego felizmente não está bom e, assim, ela pode ver com relativa calma uma cidade que — vai logo dizendo sempre quis conhecer. As palavras são evidentemente francas. Há mesmo uma pontinha de emoção. Ela vem na verdade de férias — as três noites de show (sábado 16, segunda, 18 e terça, 19) foram o pretexto. Lisa queria conhecer o Rio no carnaval. Na porta do hotel, salta do Gatax preto e cumprimenta os abre-alas. Lisa é urna presença irônica e calorosa.
8h30 — O número vermelho que corresponde à suite de Liza começa a piscar (O número é segredo, mas o quarto tem vista para a praia e para o clube de golfe). A ordem: feijão com arroz. Em seguida, uma fatia de abacaxi. Um sono de três horas vai agora corrigir a confusão de fusos horários.
14h30 — Liza Minelli surge no saguão. A roupa não é a mesma. A calça é branca, mas a camisa preta tem um Rio de Janeiro inscrito em Strass. Liza não é alta (1,67m de altura), seu andar não é exatamente gracioso, seu corpo está longe de ser perfeito, seus cílios são exageradamente falsos — cílios de show. Há ainda o famoso “lábio decotado”, a gesticulação de muitas mãos, os maneirismos herdados de Judy Garland. Oscar Ornstein sempre presente. Ao lado, quatro camaradas da segurança do hotel.
Um show de Liza Minnelli é sempre algo transbordante. A orquestra que a espera (ela quer conhecer o teatro, é grande (músicos brasileiros). Ela trouxe ainda alguns bailarinos. Mas agora é “para tomar contato com o palco, ouvir a cortina musical, ensaiar alguns passinhos”. Para começar, um beijo no maestro.
Duas reclamações lembram logo que suas exigências profissionais são absolutas. O timing não está bom. Mais uma abertura. Outra. Liza então começa a saltitar pelo palco. Na verdade, ela o está medindo. Hum.. pequeno. Sorridente, ela se dirige para o camarim, acha-o luxuoso, maravilhoso, e volta para o hotel. Os turistas americands batem palmas. De novo, o Galaxie preto a espera para uma volta e para algumas compras.
Numa volta relâmpago, Liza Minelli segue rápido pelas praias: Ipanema, Copacabana, Flamengo; quase no aeroporto volta. Agora a primeira providência é comprar o tal biquini para cantar corada. Um pulo na Elle et Lui. O maiô escolhido é azul e vira logo um presente. Depois, um pulo na Zuzu Angel (uma das poucas etiquetas que ela conhecia antes de pegar o avião): quatro blusas, uma saia e um vestido de noiva. Liza adora os estampados.
17h — A hora da entrevista coletiva já foi ultrapassada e o Galaxie preto ainda não surgiu. Na porta do hotel, a quantidade de fotógrafos e repórteres promete um jogo de empurra. O Galaxie chega às 17h30. Liza vem de mãos dadas com Oscar Ornstein, escoltada pela secretária, cujo olhar prático não deixa dúvidas sobre quem pagará as contas da Zuzu Angel.
Oscar Ornstein organiza uma volta olímpica em torno da piscina, na medida do possível dando um jeito para que Liza seja fotografada contra a sereia que serve de logotipo do Nacional.
18h — Liza toma posição na mesa da salinha improvisada pelo relações públicas do Hotel Nacional. A segurança, que é perfeita em relação aos repórteres e fotógrafos, deixa uma série de turistas americanos invadir o recinto. Liza tem um gravador Sony, que ela pousa na mesa. As pessoas vão se aproximando: suas cadeiras acabam quase que montadas na mesa onde ela se instala, atrás de um microfone - que não funciona.
As perguntas:
1 — A importância da mãe na carreira?
“Sempre adorei minha mãe. Admirava-a. E é tudo!
2 — O namoro com Alice Cooper?
“Cooper é um amigo. De maneira nenhuma um namorado. Gosto do que ele faz como cantor. Seu estilo de protestar cantando foi certamente Influenciado por Cabaré.
3 — Por falar em protesto, o que acha dos atores que fazem política, como Brando ou Jane Fonda?
(Ela pára, pensa): “Se o ator realmente compreender o que se passa, se realmente for importante para ele, ok. Mas, atenção, ser admirado como ator não fez ninguém melhor do que é.
4 — Tem algum plano cinematográfico com seu pai?
“Tenho sim: em Roma. E não será um musical.”
5 — Por que não quis ir a São Paulo?
(Oscar Ornstein torce a cara) “Mas eu queria, sim. Infelizmente depois do carnaval vou gravar em Los Angeles”.
6 — Por que nunca gravou “Over The Rainbow”?
“A gravação de minha mãe e definitiva. Gostaria de conseguir outras gravações definitivas, mas só minhas”.
7 — Tem alguma musica brasileira no repertório?
“Não. Seria uma loucura vir cantar música brasileira aqui”.
8 — Já deu algum show em fevereiro com 30 graus de calor?
“Acho que sim. Mas isso não tem importância. Sempre estou suando. Até no Alaska.”
Liza ainda foi obrigada a fazer as seguintes confissões:
a) não acredita em espiritualismo, nem foi curada por ele, mas não gosta de passar embaixo da escada.,
b) acho esse negócio de drogas perigoso, afinal, o cérebro é o que temos de mais importante.,
c) não sei quanto dinheiro ganhei com Cabaré, quem sabe é ela (a secretária).,
d) poderia, sim, perfeitamente contracenar com um galã negro: depende só do argumento e do diretor,
e) só gravo o que gosto,
f) no início queria ser esquiadora, depois só pensava em estrear na Broadway — meu nome ajudou, mas isso, não bastaria.,
g) por que não me chamo Liza Garland? porque meu nome é Liza Minelli. Meu pai é Minelli. Um nome que não acho nada mau.
16h30 — Fim da entrevista coletiva: as primeiras 12 horas de Liza Mineill no Rio foram loucas, frenéticas, suadas— como sempre.
Jornal da Tarde
Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.
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