Novos Baianos curtindo numa boa numa fazenda perto de Sampa

Grupo musical morou na Granja Itahyê enquanto gravava disco na capital paulista em 1973

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Foto do author Edmundo Leite
Atualização:

“Os Novos Baianos são agora mais ou menos vinte — às vezes mais, às vezes menos. Cinco são crianças, de poucos meses a cinco anos: Buchinha, Liroca, Ciça, David, Gil”, contava a reportagem “Os baianos estão de volta, com seu circo e futebol”, publicada no Jornal da Tarde em 7 de setembro de 1973

Naquele dia da independência, o texto do repórter Fernando Sombra descrevia como o grupo musical Novos Baianos - no auge do sucesso - optava por manter o estilo de vida rural que levava no Rio de Janeiro, onde moravam coletivamente num sítio, quando vieram passar uma temporada em São Paulo para gravar seu quarto disco.

A trupe dos Novos Baianos na fazenda Granja Ithayê em 1973.  Foto: Estadão Conteúdo

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O local escolhido pela gravadora Continental para Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Baby Consuelo, Pepeu Gomes e sua trupe de filhos e agregados emularem os ares rurais do sítio “Cantinho da Vovó nas terras paulistas foi a “Granja Ithayê”.

A propriedade rural era uma grande fazenda desativada em Santana do Parnaíba, na Grande São Paulo, na época acessível na altura do quilômetro 28 da rodovia Anhanguera.

Eles e elas já haviam morado em São Paulo, no bairro do Imirim, nos tempos de vacas magras, três anos antes. Naqueles dias de 1973, consagrados, dispensavam hotel e queriam o ar puro e o sossego para criarem suas músicas e elaborem planos, como um espetáculo misturando música e futebol:

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“Mais para o futuro, a idéia é fazer shows e jogos de futebol pelas cidades. E como uma festa, um circo mesmo que chega aos lugares. Poderíamos contratar alguns jogadores profissionais — Jairzinho, Marinho, Ney, Afonsinho já têm transado com os Novos Baianos — registrar o time na CBD e fazer uma espécie de “Globe-Trotters” do futebol.”

Leia a íntegra reportagem de Fernando Sombra:

Jornal da Tarde - 7 de setembro de 1973

Reportagem sobre os Novos Baianos no Jornal da Tarde de 7 de setembro de 1973. Foto: Acervo Estadão

OS BAIANOS ESTÃO DE VOLTA COM SEU CIRCO E FUTEBOL

Os Novos Baianos estão outra vez em São Paulo. Vieram para gravar um novo disco e fazer várias apresentações pela periferia da cidade e no interior. Mas não quiseram ficar em hotel: preferiram o ar puro, os gramados, as frutas e calma de uma fazenda na Via Anhanguera

Fernando Sombra

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A casa está abandonada, com teias de aranha por todos os lados. O aspecto geral é de decadência. Mas, do lado de fora o ar é puro.

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Quem pensa que malandro não é ativo está enganado: basta olhar os Novos Baianos na Granja Ithayé, no km 28 da via Anhanguera, onde vão morar durante um mês. Ninguém fica parado, mesmo que não tenha nada para fazer. É quase como uma concentração de time de futebol, e os Novos Baianos são um time de futebol onde às vezes jogam profissionais como Afonsinho e Jairzinho - é quase como o acampamento de um circo - e os Novos Baianos são a troupe de um circo, que leva suas crianças e quase tudo o que tem para onde viaja.

Para lembrar que um malandro está sempre bem vestido e cuidando de seus “negócios”, basta olhar Pepeu e Morais jogando ping-pong ou Paulinho Boca de Cantor arrumando a cozinha, Baby Consuelo e Marilinha dando banho nas crianças. Bolacha correndo quilômetros para adquirir preparo físico e poder entrar para o time - seguido pelo pequeno Grilo, que não consegue correr nem quinhentos metros.

Joãozinho Trepidação (Galvão) e Dadi se preocupam em encontrar um lugar não encharcado para abrirem um campo de futebol - é preciso jogar sempre para não perder a forma. Jorginho e Jackson exploram a fazenda abandonada, encontram uma grande represa, cavalos e um escarregador na usina de leite fechada.

A Granja Ithayé pertencia a Pérola Byington e era uma das únicas em São Paulo que produziam leite do tipo A. Os Novos Baianos estão alojados num casarão vazio, com vinte quartos, que funciona como alojamento para os veterinários e técnicos do laticínio. As instalações estão abandonadas, os grandes galpões e estrebarias de tijolinho vermelho com as vidraças quebradas, há teias de aranha nas máquinas centrifugadoras, as casas dos colonos e a sede estão fechadas.

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O aspecto geral é de desolação e decadência, pouca coisa lembra as glórias da antiga Granja: quadros de vacas premiadas e diplomas na parede do alojamento, uma sineta para pescoço de vaca, as placas “Administração’', “Almoxarifado”.

Em volta das construções ainda há grandes gramados e flores. Para um dos Novos Baianos, a Granja toda lembra o interior da Inglaterra.

Durante o mês ou quarenta dias que vão ficar em São Paulo, os Novos Baianos vão gravar um novo disco na Continental (o primeiro nessa gravadora foi “Nos Baianos Futebol Clube”, há três meses) e fazer muitos shows na Periferia da cidade e mesmo no interior, num raio de cem quilômetros.

Novos Baianos com algumas de suas crianças na Granja Itahyê.  Foto: Estadão

Nem todos os shows estão marcados. O primeiro é em Santos, dia 8, no Clube Sírio Libanês. O seguinte é em Guarulhos, no cine São Francisco, de mil e quinhentos lugares, dia 14 sábado. Domingo à tarde, dia 15, no Embu, um show especial: vai ser no pátio gramado de um convento de freiras, que não abre há anos para os leigos.

Os shows estão sendo organizados pela “Sonhos — Criações Artísticas e Ambulantes”, firma empresária do mesmo grupo da gravadora Continental, responsável atual por todas as apresentações do grupo. É Cláudio, da “Sonhos”, quem providencia tudo para os Novos Baianos: as viagens, a acomodação, a perua Kombi para quando eles precisarem ir à cidade fazer compras.

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— Os shows são únicos, cada lugar é diferente, acontece tudo de maneira diferente. São shows populares, sempre com o ingresso único de CrS 10,00. E trabalhamos sempre no regime de co-produção, dividindo a bilheteria — não nos interessa vender o show, só em último caso.

O roteiro de shows ainda não está completo, temos mantido contatos, como por exemplo no Colégio Americano, do Morumbi, em Campinas, Mogi. O telefone cia “Sonhos” é 81 3096, para quem quiser marcar ainda um show com eles em uma das brechas da programação.

— O último show dos Novos Baianos em São Paulo foi em janeiro, no TUCA. Desta, vez não queremos o formalismo de um teatro, e por isso o show do Embu deve ser muito bom — as freiras estão interessadas e a cidade deve sua prosperidade aos cabeludos.

— Depois desse mês de shows faremos nosso próprio circuito universitário, mas com mais calma, mais tempo, para poder ter um contato maior com as pessoas, conhecê-las. Um circuito que envolva as pessoas.

— Mais para o futuro, a idéia é fazer shows e jogos de futebol pelas cidades. E como uma festa, um circo mesmo que chega aos lugares. Poderíamos contratar alguns jogadores profissionais — Jairzinho, Marinho, Ney, Afonsinho já têm transado com os Novos Baianos — registrar o time na CBD e fazer uma espécie de “Globe-Trotters” do futebol.

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Novos Baianos na Granja Itahyê em 1973. 

A idéia de hospedar os Novos Baianos na Granja Ithayê — o proprietário é diretor da Continental — foi de Cláudio, e foi conveniente para todos: a gravadora, que precisava do grupo em São Paulo para fazer o disco, economizou o hotel; os Novos Baianos, que detestam hotel e apartamento, ficaram no tipo de lugar que moram, um sítio em Jacarépaguá (que alugam por mil cruzeiros por mês).

— Ninguém faz coisa legal em quarto de hotel — diz Cláudio. E os Novos Baianos precisam de um lugar assim, como esse, para fazerem as novas músicas para o disco. No ônibus, a caminho para cá, já surgiram três delas.

Os Novos Baianos são agora mais ou menos vinte — às vezes mais, às vezes menos. Cinco são crianças, de poucos meses a cinco anos: Buchinha, Liroca, Ciça, David, Gil.

— Somos como um circo mesmo, diz Joãozinho. Os filhos participam com a gente da música, da vida, de viagens, dos shows. Nós estamos morando há pouco mais de um ano no sítio em Jacarépaguá — é um lugar tranquilo, à beira de um rio, parece muito com o interior da Bahia. Tem muita manga, sapoti, laranja, carambola, mamão, cajamanga, jenipapo. A gente tem contato com o dono do armazém, as pessoas olham a gente de perto, também como crianças. As crianças de lá também têm um time, jogam com a gente. Nós participamos da vida. Aqui procuramos ficar como lá: fora da cidade, na estrada, mas perto da cidade. Assim a gente realiza, atua.

— Nós estamos muito em contato com o povo e o artista é um reflexo do povo, só que ao contrário, ele chega na frente. Mas não pode chegar na frente demais, senão distancia. Outra coisa que levamos muito a sério é o futebol — antes mesmo de termos um instrumento, quando éramos garotos, a nossa malandragem era o futebol. Um dia percebemos que cada um é uma posição mesmo, no futebol e no resto. É muito sério: no dia que está todo mundo discutindo, a gente perde. E daí vai pensar e descobre que perdeu porque a gente não estava amando o suficiente.

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— Às vezes a gente perde e chega em casa e vê porque: ninguém quis lavar os pratos do almoço naquele dia. Toda bobeira que a gente tá marcando na vida vai ver está marcando no time, do mesmo jeito.

O baterista Jorginho Gomes, dos Novos Baianos, lava a louça na Granja Itahyê. Foto: Estadão Conteúdo

O time não tem técnico, como o grupo não tem chefe. Há três ou quatro jogadores que conhecem melhor futebol, e todos conversam o esquema tático. Bolacha, que não joga e já entende bastante das táticas, fica sendo o pensamento fora do campo.

— Jogamos outro dia contra um time misto do Botafogo, mas perdemos de 8 a 4 — apesar de tudo foi um bom jogo. De vez em quando alguns cobras têm vindo jogar no nosso time, reforçar. Quando a gente viaja quase sempre leva um reforço. Nós temos pensado em ir para os Estados Unidos, levando som e futebol.

— Esses jogadores de futebol têm ficado muito ligados a nós. Eles estão cansados do futebol que paga muito mas está se transformando na grande organização. Futebol brasileiro é mesmo de malandragem. Então eles vem aqui jogar suas peladas e se sentir bem.

Um dia talvez os Novos Baianos comprem o sítio onde estão morando. Eles sempre fazem benfeitorias lá, apesar do sítio ser apenas alugado.

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— Não nos preocupamos multo com isso, não. O dono é muito legal, o sítio é como se fosse nosso. Ele vende quando a gente quiser. Não há muita preocupação com dinheiro — quem vai à cidade comprar as coisas sabe o que tem que comprar e como gastar. Quem está precisando mais de uma coisa compra e os outros abdicam do que estavam querendo, menos necessário. Temos um JK velho e um Volks para ir à cidade.

A organização da vida na casa é semelhante. Cada um se especializa no que gosta mais e toma conta daquilo. Boca de Cantor prefere as coisas da cozinha, Trepidação prefere alimentar os pombos, Felipão ajuda a cozinhar.

— Todo dia é como uma vida, cada dia de show é uma vida. A gente não ensaia nada, chega na hora é tudo diferente.

Locação

Cinco décadas depois, as duas áreas rurais onde os Novos Baianos viveram, no Rio e em São Paulo, estão disponíveis como locação para eventos e festas. O “Cantinho da Vovó”, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, virou o Sítio Sominho. A “Granja Itahyê” é a Fazenda Itahyê.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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