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O carro do futuro... imaginado por projetistas automotivos em 1975

Cada vez mais parecidos entre si, pequenos por fora, grandes por dentro e elétricos. Essa era a previsão de quem projetava carros ainda sem ter tecnologias viáveis para o que imaginavam

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Por Acervo Estadão
Atualização:
Reportagem "O carro do futuro" no Jornal da Tarde de 8 de julho de 1975. Foto: Acervo Estadão

Projetar, imaginar e delirar sempre foram os propulsores de novas idéias. O próprio veículo automotor foi imaginado pelos antigos por muito tempo até que as condições científicas, tecnológicas, econômicas e industriais permitissem a fabricação de artefatos que diminuíssem cada vez mais o tempo de deslocamento das pessoas de um lugar para outro. Na década de 1970, o automóvel já era uma tecnologia mais que consolidada, mas a busca por avanços estava sempre na pauta dos construtores.

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Em meados de 1975, o Jornal do Carro ainda não existia como caderno do Jornal da Tarde, mas já era uma seção que se preocupava em mostrar aos seus leitores o que acontecia nesse setor e também o que estava por vir. Como nessa reportagem em que Castilho de Andrade entrevistou os “estilistas” das indústrias de automóveis para saber como seria o carro do futuro, no caso o fim do século 20. Leia a íntegra:

Jornal da Tarde - 8 de julho de 1975

O carro do futuro

Castilho de Andrade

A indústria automobilística brasileira já está se preparando para a grande mudança nos carros de passeio prevista para até o fim do século. Todas as fábricas produzirão carros muito parecidos e ganhará o mercado quem oferecer o melhor produto pelo menor preço. Os carros serão pequenos mas espaçosos; leves e econômicos e a eletricidade provavelmente substituirá a gasolina. A previsão é dos estilistas de nossa indústria. E ela coincide com as idéias do famoso corrozziere italiano Sergio Pininfarina.

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A expressão “pequeno por fora e grande por dentro” representa bem a preocupação atual dos estilistas de todo o mundo, ao procurar o corro ideal para a família. Sergio Pininfarina, que há três semanas esteve no Brasil, diz que esse é o fator mais importante na construção do carro de passeio dos próximos anos:

— É por isso que os carros vão se tornar cada vez mais parecidos. Para se ter um carro pequeno por fora e grande por dentro, as opções são limitadas. A forma não pode se afastar muito da quadrado. E isso exigirá sempre uma boa área envidraçada.

Márcio Piancastelli, um dos estilistas da Volkswagen que criou a perua Brasília, um dos mais conhecidas do desenho nacional, explica os estudos para se obter esse carro ideal de fabricação em larga escala:

— Um motor cada vez menor (isto já está acontecendo com o uso de materiais novos e a simplificação de componentes), a eliminação do pneu-estepe (o lançamento de pneus que não esvaziam está previsto para 1976), tudo isso para melhorar o espaço do habitáculo e do porta-malas.

Para Celso Lomos, estilista do Chrysler, 12 anos de experiência na indústria automobilística, esse veículo popular, o tipo básico do carro de passeio, deverá ter uma terceira porta, na traseiro, como nos carros hatch-back. Segundo Lamas, esta terceiro porta daria ao veículo a característico de um utilitário:

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— O europeu já está entrando bastante neste tipo de veículo. A idéia é utilizar, sempre que necessário, o banco traseiro como área de carga.

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Todas os fábricas de automóveis do Brasil fazem, secretamente, muitos estudos para lançamentos futuros. O que será lançado daqui a dez anos, por exemplo, já está mais ou menos delineado pelos estilistas. Sergio Pininfarina, como os estilistas brasileiros, acredita que outra tendência que a indústria seguirá nos próximos anos é o do fim dos detalhes de sofisticação dos carros: frisos, cromados, aplicações, calotas, logotipos grandes e outros detalhes supérfluos. Isso vai colaborar para tornar os veículos mais leves e mais baratos.

Celso Lamas, da Chrysler, diz que isso será parte de uma evolução natural. Ele diz que o povo brasileiro é um dos mais exigentes para escolher um carro: “Mas ele se preocupa apenas com o aspecto exterior e não observa tanto os detalhes do conforto interno. Exatamente o contrário do que o americano e o europeu fazem”.

O gerente de estilo de exterior da Ford do Brasil, Luiz Nemorino Mora, diz que o peso atual dos carros poderia ser reduzido em 20 por cento com a eliminação de vários componentes do carro e com a substituição de alguns materiais por outros mais leves, como a troca do ferro pelo alumínio na fabricação do bloco do motor. Mas, por enquanto, essa medido ainda é economicamente inviável porque o alumínio é mais caro do que o ferro.

Em todo o caso, para aliviar o peso e conseguir uma flexibilidade maior de estilo, nos Estados Unidos, segundo Mora, já estão sendo produzidas frentes e traseiras de grandes veículos em plástico reforçado.

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No próprio Corcel houve uma pequena substituição para aliviar peso: a antiga grade de ferro que equipava os modelos no lançamento do carro, em 1968, foi substituída por grades de plástico, nas últimas linhas.

Mora acha também que outra tendência não deve ser esquecida: a de uma redução gradativa no tamanho dos pneus. Todos os carros acabarão com pneus leves, pequenos e resistentes. O tamanho deverá oscilar entre 11 e 13 polegadas. O pneu atual do Corcel possui 13 polegadas. Na Itália, o Pirelli está desenvolvendo um pneu sem câmara com o aro bem estreito. No caso de um furo, um líquido interno veda o vazamento de ar e permite que o pneu ainda rode por mais 200 quilômetros.

Cláudio Menta, Márcio Pioncastelli e José Vicente Novita Martins, os responsáveis pelo departamento de estilo da Volkswagen do Brasil, dizem que o mais importante para se prever como será o carro de passeio até o fim do século é saber exatamente qual o tipo de energia que poderemos usar.

José Vicente acredita que a energia elétrica deverá predominar, já que nosso potencial hidrelétrico é muito grande. O único problema, para ele, está no catalizador que transforma a energia química em energia elétrico. O catalizador é feito de metais nobres e caríssimos como o ouro e a platina. Para que a produção de carros elétricos se tornasse possível em larga escala, seria necessário que os engenheiros conseguissem um catalizador de baixo custo.

Cláudio Menta acredita também que a velocidade dos veículos deverá ser limitado a 100 ou 120 quilômetos por hora. Já que os carros devem se tornar menores, mais compactos, mais econômicos e com um motor pequeno, a redução da velocidade final viria naturalmente.

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Quanto à carroceria, Luiz Nemorino Mora, da Ford do Brasil, explica que o peso poderá ser fortemente aliviado com a inclusão de componentes de plástico reforçado, como a frente, traseira e pára-lamas. Nesse ponto, há uma pequena divergência entre os estilistas: os do Volkswagen acham que a idéia mais viável seria um carro injetado em um processo de fabricação de onde o carro já sairia pronto, com exceção das portes móveis.

Para os estilistas da General Motors do Brasil, o maior problema das alternativas que existem para o carro do futuro é que ainda não existe a tecnologia para executá-las. Carlos Alberto de Oliveira, um dos designers, diz:

— A gente está sempre criando idéias na prancheta, como exercício de criatividade, passando mesmo pelos mais absurdas, inexeqüíveis, por enquanto.

O meio de propulsão dos carros do futuro, diz Carlos Alberto, deverá conduzir a uma solução pela qual os veículos se movimentarão praticamente sem atrito. Seria, por exemplo, através do princípio de repulsão eletromagnética, pelo qual pólos iguais se repelem. Assim, se o piso da rodovia tivesse uma carga elétrica e o chassi do carro essa mesma carga, o veículo não tocaria o solo, ficando separado dele por um colchão de ar, podendo então ser movimentado por uma hélice ou uma turbina.

Juan Sesó Mateo, supervisor da seção de design da GM, acha que uma das soluções para o veículo do futuro será a forma modular, ou seja: dentro de uma cidade, haverá circuitos principais, onde os módulos circularão ligados uns aos outros, sobre trilhos, sob o comando de um controle central, em boa velocidade, percorrendo distâncias médias e longas. Em determinadas estações, quem quisesse poderia desligar seu módulo da composição, passando a comandá-lo e rodando em baixa velocidade.

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Uma previsão muito próxima do que imagina o engenheiro João do Amaral Gurgel, o maior incentivador do carro elétrico:

— O carro sobe num elevador, se for preciso. Se necessário, poderá se acoplar a outro, transorrnando-se, de repente, em um veículo de quatro lugares. Pode acoplar-se mais uma vez, formando trenzinho de seis lugares. Tem uma alavanca de controle única que serve para acelerar, frear e manobrar. Trocar baterias? Isso é tão fácil corno trocar oa pilhas de uma lanterna.

Paro João do Amaral Gurgel, o carro do ano 2000 será todo compacto, tendo como matéria prima básica o plástico a ar comprimido. Pode parecer estranho, mas esse carro terá, suas partes infladas com ar, exatamente como se faz hoje com barcos. O pára-choque de borracha, em forma de anel, por toda extensão do veículo, permitirá trombadas sem perigo. Os bancos serão mais confortáveis e os pneus parecidos com os de avião, com cubos de dimensões reduzidas.

Uma outra idéia de Carlos Alberto de Oliveira, da General Motors, idêntica a de Sérgio Pininfarina e tambem à de José Vicente Novita Martins, da Volkswagen:

— O motorista nem vai precisar olhar a estrada. As cidades terão computadores paro controlar o tráfego e cada carro terá seu próprio computador. Será possível, então, que o motorista programe o itinerário, dê a partida e deixe o carro prosseguir sozinho.

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Se houver necessidade de freiar, um aparelho de radar informará ao computador a que distância se encontra o obstáculo; o computador calculará a intensidade da freada de acordo com a velocidade do carro e com a distância até a obstáculo. Mais: se houver um congestionamento mais adiante, o carro mudará de itinerário, comandado pelo computador de tráfego do cidade, que enviará mensagens através de sensores colocados ao longo das estradas.

Juan Besó pergunta, então: mas e o prazer de dirigir?

A solução, diz Carlos Alberto, será fazer com que esse equipamento funcione como piloto automático, durante o tempo que o motorista quisesse. Para o transporte de longa distância, Carlos Alberto de Oliveira conhece uma idéia, que viu numa revista especializada:

— Parece uma loucura: é fazer um túnel daqui ao Rio, por exemplo. Mas a vantagem é que ele não seria geodésico, quer dizer, não seguiria a curvatura da Terra, como todos os outros. Seria reto. Porque os túneis que a gente conhece, embora pareçam retos, acompanham a curvatura da Terra e, no verdade, são curvos. Com um túnel absolutamente reto aconteceria o seguinte: na primeira metade, ele pareceria uma descida; na outra uma subida. Por inércia, teoricamente, um carro poderia percorrer esse túnel sem motor, aproveitando apenas a força da gravidade. A velocidade que ganhasse no descida aproveitaria na subida.

Paro provar que as idéias estão muito à frente da tecnologia, Juan Besó conta:

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— Veja o limpador de pára-brisa, por exemplo, Há mais de 40 anos é assim, não mudou absolutamente nada. No entanto, já existe o pára-brisa que não precisa de limpador. Mas custa caro demais.

— Vejamos: nos últimos 40 anos, o que mudou nos automóveis? A bem da verdade, temos de responder que não mudou nada. A concepção é a mesma. Por isso, acho que não mudará nos próximos 40 anos, também.

O gerente do departamento de design da GM, Luther W. Styer, que começou a projetor carros há 35 anos, afirma que até hoje não apareceram modelos como os que ele projetava em 1940: ainda são avançados demais.

Para os estilistas da Ford, Wolkswagen e Chrysler, a única coisa a ser mantida no carro atual, no fim do século, serão as quatro rodas (nenhum estilista acredito nos carros de três rodas), os pára-brisas de vidro (o acrílico ou plástico não teriam a resistência necessário) e alguns ainda funcionarão com motor a explosão. Todo o resto deverá estar modificado.

Reportagem "O carro do futuro" no Jornal da Tarde de 8 de julho de 1975. Foto: Acervo Estadão

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira.

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Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo.

Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

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