PUBLICIDADE

Santos com Pelé e Portuguesa dividiram título de campeão paulista em 1973 por causa de erro do juiz

Árbitro Armando Marques errou contagem de pênaltis e dirigentes decidiram declarar dois campeões. Leia análise de Roberto Avallone

PUBLICIDADE

Foto do author Edmundo Leite
Atualização:

Um dos capítulos mais inusitados da história do futebol brasileiro aconteceu no estádio do Morumbi em 26 de agosto de 1973. Naquele domingo foi disputada a decisão do Campeonato Paulista de Futebol, entre Santos e Portuguesa, e o resultado foi que os dois times acabaram sendo declarados campeões do estadual daquele ano.

Capa do Jornal da Tarde de 27 de agosto de 1973 com a manchete "Temos dois campeões" Foto: Acervo Estadão

PUBLICIDADE

Como isso aconteceu foi o que o Jornal da Tarde publicou na capa do dia seguinte, com fotos de todos os pênaltis e sinais de interrogação no que seriam os dois últimos de cada time. Sob a manchete “Temos dois campeões”, vinha a explicação: “Veja como isso foi possível depois de 120 minutos de jogo. A criativa diagramação da página transformou o texto afirmativo do título numa grande pergunta com quatro interrogações.

No caderno Edição de Esportes, uma detalhada cobertura recapitulava todos os lances da partida. Após o empate sem gols no tempo normal e na prorrogação, a decisão foi para a cobrança de pênaltis, mas o juiz Armando Marques - “Tomado pela emoção e pelo grande número de pessoas dentro do campo” - encerrou o jogo ainda faltando duas cobranças para cada time.

O Santos havia perdido uma e acertado duas cobranças, enquanto a Portuguesa havia perdido três chutes diretos. O apito final antecipado, no entanto, causou uma grande confusão. O Santos chegou a desfilar em campo comemorando como campeão, mas o protesto dos jogadores da Portuguesa provocou uma reunião de dirigentes no túnel do vestiário do Santos após o juiz admitir que errou.

Pelé reclama

Pelé, que se preparava para encerrar a carreia no Santos, reclamava: “Não quero saber qual a decisão deles. Eu me considero campeão paulista. Porque nós não voltamos ao campo para bater os outros pênaltis? Eu estou de uniforme ainda, é so me chamar”.

Publicidade

Os presidentes dos clubes e o presidente da Federação Paulista de Futebol decidiram em 12 minutos de conversas que os dois times seriam declarados campeões do Paulistão 73.

O presidente da Portuguesa, Oswaldo Teixeira Duarte, abraçado com Vasco Faé, do Santos, comemorava: “Teremos muito bacalhau e peixe por aí”. O santista emendou: “Carnaval duplo: no planalto e na baixada santista.”

Roberto Avallone analisa a decisão de declarar dois campeões. Foto: Acervo Estadão
Reunião de dirigentes decidiu dividir título. Foto: Acervo Estadão
O juiz Armando Marques admite erro Foto: Acervo Estadão

Leia a análise do jornalista Roberto Avallone.

Jornal da Tarde - 27 de agosto de 1973

Santos, campeão. Portuguesa, campeã. Mas isso é justo?

Roberto Avallone

Publicidade

Com um sorriso satisfeito, o presidente da Federação, José Ermírio de Morais Justificou a proclamação de dois campeões como uma atitude a serviço da boa vontade. Mas o Morumbi lotado não poderia concordar com essa simplicidade de argumentos: eles viram, em 120 minutos, o melhor futebol do Santos.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Para os que possam considerar desonesta a inédita decisão de se proclamar Santos e Portuguesa campeões, depois de 120 minutos de futebol (em que persistiu o zero a zero) e do suspense dos pênaltis, onde o Santos levava nítida vantagem, é aconselhável acompanhar as palavras de José Ermírio de Morais Filho, presidente da Federaãão Paulista de Futebol. Estas:

- Às vezes, a boa vontade vale mais do que a lei. Sábias ou não, as palavras de José Ermírio, envolvidas num largo sorriso do presidente, como se ele tivesse descoberto a fórmula mágica de fazer justiça, não acompanharam a seriedade dos 116 mil torcedores que foram ao Morumbi ontem à tarde, na esperança de conhecer um único - e verdadeiro - campeão paulista.

Pelo jogo de ontem, deixando de lado as lembranças das excelentes atuações da Portuguesa no segundo turno, o campeão deveria ser o Santos. Não só pela vantagem nos pênaltis, de acôrdo com a lei e não com a boa vontade (o Santos e a Portuguesa tinham ainda dois pênaltis cada um a cobrar, tendo nos anteriores o Santos tinha marcado dois gois e a Portuguesa nenhum, quando o juiz Armando Marques, “tomado pela emoção e pelo grande número de pessoas dentro do campo”, errou na contagem) -, mas pelo futebol, bonito e superior que apresentou nos 120 minutos de jogo.

Contra os dois gois perdidos pela Portuguesa, nas únicas chances que teve na partida - Cabinho, aos 40 minutos do segundo tempo, e Basílio, frente a Cejas, no último minuto da prorrogação, o Santos chutou três bolas nas traves de Zecão - duas por Pelé, uma por Edu e dominou totalmente o jogo.

Publicidade

Um domínio baseado no meio-campo perfeito formado por Clodoaldo, como libero à frente dos zagueiros, e Léo, que estabilizava o setor, e no revezamento entre Pelé e Eusébio, que ajudavam os dois companheiros; além disso, na frente, o Santos contou com os incríveis dribles de Pelé e Edu, que reviveram seus melhores tempos, mostrando um futebol-arte e irresistível.

A Portuguesa, menos ambiciosa que o Santos, jogava quase toda na defesa, com Badeco sendo um autêntico zagueiro e os pontas Xaxá e Wilsinho transformados em simples ajudantes do meio-campo. Na frente, a Portuguesa era obrigada a contar apenas com as folclóricas tentativas de rush de Cabinho (que chegava só a divertir os torcedores neutros, com seus erros primários) e com a pouca inspiração de Enéas, prejudicado pela falta de um bom companheiro para as tabelas.

Se no fim do segundo tempo a Portuguesa subiu de produção, foi menos por seus méritos técnicos do que pelo cansaço do Santos, onde Pelé, com quase 33 anos, já não conseguia fazer as mesmas jogadas e Edu, meia caídas à altura do calcanhar, encontrava dificuldades até mesmo para andar em campo. Seria o momento exato para a Portuguesa aproveitar-se da situação e fazer o gol que daria, pela primeira vez na história, um título de campeão paulista ganho no campo (o de 1936 foi conquistado na APEA; enquanto os outros clubes grandes disputavam o Campeonato da Liga Paulista) e não nos bastidores.

Mas, para isso, o técnico Oto Glória precisava do futebol de Luisinho, especialista em gols no segundo tempo, que, inexplicavelmente, nem estava no banco de reservas.

Jornal da Tarde

Por 46 anos [de 4 de janeiro de 1966 a 31 de outubro de 2012] o Jornal da Tarde deixou sua marca na imprensa brasileira. Neste blog são mostradas algumas das capas e páginas marcantes dessa publicação do Grupo Estado que protagonizou uma história de inovações gráficas e de linguagem no jornalismo. Um exemplo é a histórica capa do menino chorando após a derrota da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.