‘Justiceiros’ de Copacabana: Estado falha, mas não se resolve crime com mais crime, diz especialista

Grupos têm atuado de forma autônoma contra pessoas apontadas como suspeitas de cometerem roubos na zona sul do Rio. Especialista diz que clamor público não pode legitimar justiçamento

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Foto do author Marcio Dolzan
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Foto: @celrobson/x
Entrevista comRobson RodriguesCoronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Coronel da reserva da Polícia Militar e pesquisador na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Robson Rodrigues demonstra preocupação com a ação de grupos de justiceiros na zona sul carioca. Nos últimos dias, moradores da região têm se organizado nas redes sociais com o intuito de “enfrentar” bandos que têm praticado delitos, sobretudo em Copacabana. O movimento ganhou força após um empresário ser espancado em uma das principais vias do bairro, após tentar ajudar uma mulher que estava sendo vítima de assalto.

“Não é porque o Estado falha que se pode fazer justiça com as próprias mãos, isso é um crime. E não se pode resolver um crime com outro crime”, afirma Rodrigues, nesta entrevista ao Estadão. Segundo ele, as forças de segurança precisam agir rápido. “Porque o que vai acontecer é que uma parte da sociedade, infelizmente, vai legitimar, o que fará com que essas pessoas se sintam autorizadas a cometer esses crimes”, diz o coronel da reserva.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam para crescimento nos índices de violência nos bairros de Copacabana e Leme, que ficam lado a lado. Entre janeiro e outubro deste ano, os roubos na região aumentaram 10,6%, passando de 1.113 casos para 1.231. O aumento nas ocorrências envolvendo celulares teve alta mais acentuada, de 33%, chegando a 433 registros no período.

O que motiva esses grupos?

São vários os fatores. Os últimos acontecimentos evidentemente exaltam e geram um clamor público, porque eles geram uma sensação de fragilidade, de fraqueza do Estado em fornecer o direito à segurança das pessoas. Há também um fator emocional, de psicologia social. Pesquisadores que trabalham com casos de linchamentos mostram ligação entre a sensação de fragilidade em sociedade, enquanto grupo, com a possível não capacidade do Estado em oferecer segurança, o que gera esse tipo de comportamento social. Mas é algo perigoso, que fere todo o pacto social.

Polícia faz barreira no túnel que liga Botafogo a Copacabana. Crimes na região estão em alta Foto: Marcos Arcoverde/Estadão - 12/2/2017

O Estado precisa ficar atento. Não é porque o Estado falha que se pode fazer justiça com as próprias mãos, isso é um crime. E não se pode resolver um crime com outro crime. Justiça privada é algo que o Estado moderno não pode conceber, uma vez que é o Estado, em tese, que detém o monopólio de força legítima. Justiçamento não está correto. O correto é que as instituições promovam a segurança pública de forma objetiva e também naquilo que a gente chama de segurança subjetiva, que é a sensação que têm as pessoas.

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As taxas objetivas mostram que a violência na região cresceu fora da curva de expectativa, mesmo antes da alta temporada. A curva tende a aumentar na alta temporada, mas isso já vem ocorrendo desde meados do ano. Era para as autoridades terem se sensibilizado com esses números, então houve falha. Mas não podemos combater isso com mais violência, com a pretensão desses justiçamentos. É uma questão complexa, e que não pode se transformar em um Fla-Flu de violência.

Além de usarem as redes para se unirem, eles também as utilizam para postar vídeos das ações e fotos dos acusados. Como o senhor vê esse tipo de exposição?

É problemático, mas não podemos fechar os olhos porque as redes são um fenômeno que está aí. Só que, ao mesmo tempo que eles fazem essas postagens como ostentação, eles deixam uma pegada de crime, estão publicizando seus atos criminosos. Cabe à polícia fazer uma investigação o mais rápido possível, para que se evite esse tipo de legitimação social. Porque o que vai acontecer é que uma parte da sociedade, infelizmente, vai legitimar, o que fará com que essas pessoas se sintam autorizadas a cometer esses crimes (de justiçamento). Então, é provável que a situação fique descontrolada, aumentando ainda mais as mazelas da segurança pública.

No passado já houve registro de casos de grupos de moradores da zona sul que se organizaram para a prática do justiçamento. É muito difícil coibir esse tipo de ação?

Quando se toma esse vulto emocional, se perde um pouco da responsabilidade. E ela pode transbordar para resultados nefastos. É preciso agir o mais rápido possível, as forças de governo e de segurança precisam reagir o quanto antes para desestimular a adesão social. É uma conduta criminosa, é bom que se diga isso de maneira bastante clara, para que essas pessoas não se sintam autorizadas a fazer algo que é contra a lei.

Não é bom para ninguém, a intranquilidade vai reinar ainda mais, e aquilo que se pretende nos discursos, não só de fala, mas também imagéticos, é uma mensagem extremamente problemática. É preciso ação da Polícia Civil investigando - porque essas condutas são puníveis - quanto também ajudando a solucionar essas falhas da segurança pública. É bom que o Estado seja inteligente. A situação é complexa, mas é dever do estado se debruçar sobre isso.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram uma piora no índice de roubos e furtos em Copacabana e adjacências. O senhor considera que esteja havendo algum tipo de falha no policiamento da região?

Se está havendo esse descontrole, alguma falha aconteceu. Agora, a polícia por si só não vai ser suficiente, porque segurança pública não se resume apenas a ação policial. Todo o governo, quando há uma falha em uma de suas áreas, tem que entender as razões. Isso inclui propostas de políticas públicas que envolvam também outros órgãos. Há falha de planejamento de policiamento, sim, mas acima de tudo de planejamento de segurança numa perspectiva mais global, na justiça criminal, no serviço social, entre outros.

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Um rápido exemplo, para se entender melhor essa situação: você tem um efetivo acima da média de policiais e agente envolvidos naquela região (Copacabana e outros bairros da orla). Tem o batalhão de turismo, tem operação praia, os batalhões que atuam na região. Você tem uma extensa rede de segurança privada da rede hoteleira, que pode ser complementar à segurança pública, você tem o programa Segurança Presente, tem Polícia Civil investigando, tem Guarda Municipal. Mas todo esse policiamento, quantitativamente, não quer dizer que vai trazer efetividade. Será que está sendo bem coordenado? Tenho minhas dúvidas.

Você tem muito policiamento, mas é um esforço imenso com pouca efetividade. E os criminosos agradecem, porque eles vão atuar nessas falhas de coordenação. O que me parece é que não há circulação e articulação dessas informações. Tanto que quem quer fazer justiçamento, quanto quem pratica os delitos, coloca nas redes sociais.

Esses delitos são realizados em grupos, em bandos, em uma situação que traz essa vantagem intimidatória. É todo um entorno que está por trás, eles ficam mais no anonimato. Há uma presença muito heterogênea na praia, na região, o que gera um sentimento quase xenófobo dos moradores, que não sabem identificar quem é quem. Para eles, todas as pessoas que aparecem aí são suspeitas.

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