Ela nasceu numa cidade da qual pouca gente já ouviu falar, Amambaí (MS). Veio de uma família humilde e fala mal o português, com vários erros de concordância. É arrogante. Tratava mal empregados por onde passava e costumava bater cinzas de cigarro no chão. Mesmo assim, Kelly Samara Carvalho dos Santos, de 19 anos, levava qualquer um na conversa. Conhecida como a estelionatária de luxo, Kelly foi presa quarta-feira no 15º Distrito, no Itaim-Bibi, zona sul. As denúncias contra a golpista só fizeram aumentar desde então. "É impressionante. Ela tem pouca idade, mas chegava a aplicar até três golpes por dia", diz a delegada Aline Gonçalves. Kelly já havia sido detida, no dia 31. Mas foi depois da segunda prisão que ganhou notoriedade. Morena, com 56 quilos distribuídos em 1,76 metro, furtava dinheiro, cheques, cartões de crédito e objetos de arte. Está sem defensores porque brigou com dois advogados. Num episódio nebuloso, ainda mais para uma mentirosa compulsiva, denunciou à polícia uma advogada que teria roubado suas roupas. O segundo advogado, Sérgio Barbosa, já tinha abandonado a defesa de Kelly quando ela foi presa no 15º DP. A jovem deve a ele honorários no valor de R$ 4.350,00, que tentou pagar com objetos. Mas Barbosa recusou o pagamento, por não saber a origem das peças. A gota d?água ocorreu quando Barbosa deixou Kelly sozinha no seu escritório por cinco minutos. Foi o que bastou para a cliente revirar toda a sala. Só não roubou nada, segundo a polícia, porque no local havia apenas papéis. GRAVURA DE MIRÓ Um dos últimos golpes de Kelly foi levar, da Portal Galeria de Artes, nos Jardins, uma gravura do pintor espanhol Juan Miró, avaliada em US$ 18 mil, mas vendida por ela por US$ 1 mil. Para isso, seduziu o filho do dono da galeria, Gianpaolo Gelleni, de 31 anos, recém-separado. Tudo começou há quase um mês, quando ele embicou o carro na garagem de seu prédio. O portão automático estava abrindo quando Kelly atravessou na frente do carro e cumprimentou o rapaz, como se o conhecesse. "Ela me chamou de Bruno. Depois, pediu desculpas e disse que eu parecia um amigo dela." Os dois começaram a conversar. "Ela disse que era de Mato Grosso do Sul e estava em São Paulo por insistência do pai, dono de um bingo." E passaram a se encontrar. "Ela sempre aparecia na galeria. Até que um dia combinamos de ir ao Café de la Musique. Pedi uma dose de uísque e apaguei", diz Gelleni, que acordou na cama. "Foi a primeira noite em que ela dormiu em casa. Só mais tarde percebi que tomei um (golpe) ?boa noite, Cinderela?", conta. Daquela vez, Kelly não roubou nada, mas ganhou intimidade com Gelleni. A mãe do rapaz não se conforma: "Sempre desconfiei. Ela não tinha todos os dentes." O filho rebate: "Só faltavam alguns do fundo da boca." Kelly é bem informada. Sabe o nome de pessoas influentes da sociedade. Se passava por amiga do empresário Rogério Fasano e por filha do presidente do Paraguai, Nicanor Duarte. Na agenda, tinha telefones de políticos e de jogadores de futebol. No Orkut, incluiu fotos em que aparece com atores de TV. Para estar ao lado de ricos e famosos, caprichava na encenação. Aparecia com roupas de grife e carros importados. Não importava o custo: ela deu calote de R$ 6 mil numa locadora de carros. Para o coordenador do Ambulatório Integrado de Transtorno de Personalidade do Hospital das Clínicas, Elei Sassi Júnior, a mentira compulsiva, como no caso de Kelly, pode ser sintoma de distúrbio de personalidade. "Ela é usada como ferramenta para a pessoa alcançar seus objetivos."