A Lei 11.108/2005, conhecida com a Lei do Acompanhante, determina que toda parturiente tem o direito a indicar um acompanhante para estar a seu lado durante o trabalho de partoe após o nascimento do bebê. O acompanhante não precisa ser o marido ou mulher da gestante, pode ser um parente ou mesmo um amigo.
Não existe, porém, protocolo de segurança específico para salas de cirurgia previsto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) ou pela Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Em pelo menos dois dos supostos casos de estupro de vulnerável atribuídos ao anestesista Giovanni Quintella Bezerra, o médico teria pedido aos maridos que deixassem a sala de cirurgia logo após o parto. Esse não é o procedimento padrão.
Muitos acompanhantes, porém, optam por deixar a sala nesse momento, para acompanhar o recém-nascido. A polícia investiga, ao todo, seis suspeitas contra o profissional, preso sob acusação de estupro.
Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) obtidos pelo jornal Extra por meio da Lei de Acesso à Informação indicam que foram registrados no Estado, entre 2015 e 2021, 177 estupros em “hospitais, clínicas ou similares”. O número é considerado alto por especialistas.
“Uma reivindicação do movimento das mulheres é que as parturientes internadas precisam ter garantida a presença de um acompanhante, como previsto na lei, o que nem sempre acontece”, afirmou Leila Regina da Silva Soares, do Conselho Municipal da Mulher de São João de Meriti.
Ela organiza um protesto para a quarta-feira, 13, em frente ao Hospital da Mulher, pelo fim da violência. “O movimento das doulas também disponibiliza profissionais para o cuidado, atendimento e acompanhamento da gestante. Se essa regra fosse seguida a risca, evitaríamos problemas tanto de violência obstétrica quanto de violência sexual.”
Outra regra de segurança é que o paciente sedado jamais pode ficar sozinho. Ele precisa estar acompanhado de um médico. O profissional deve ser capacitado a entender eventuais problemas relacionados à sedação, como a depressão respiratória. Em geral, é o próprio anestesista que faz esse trabalho.
Nos centros cirúrgicos, costumam ser seguidos protocolos de segurança do paciente, preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Envolvem, por exemplo, a confirmação do nome do paciente e o motivo da operação. Também é de praxe que o paciente seja informado sobre todos os procedimentos que estão acontecendo. Deve saber, ainda, os nomes dos profissionais presentes.
“Mas não existem protocolos sobre quantas pessoas devem estar no centro cirúrgico”, explicou a anestesista Ana Cristina Pinho, da Sociedade Brasileira de Anestesiologia e diretora-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca). “Na prática, no entanto, nunca tem apenas um só profissional na sala.”
Em geral, em consultórios médicos, sobretudo quando há exames físicos, sempre há uma terceira pessoa além do especialista e do paciente. Mas não se trata de uma regra. É uma praxe. Serve até para a proteção do próprio médico, sobretudo em locais mais isolados. Esse, porém, não é o caso de um centro cirúrgico.
Já se discute o uso de câmeras dentro dos centros cirúrgicos. Os aparelhos poderiam funcionar como caixas-pretas. Seriam abertas apenas em casos de disputa de versão sobre procedimentos, por exemplo. Poderiam servir para coibir a violência obstétrica e sexual. Muitos profissionais, porém, resistem ao mecanismo. Consideram que exporia a privacidade do paciente. Ana Cristina Pinho não acredita que reforçar os protocolos de segurança seja necessário.
“Isso seria como assinar um atestado do fracasso do ser humano”, disse. “Desacreditar totalmente da capacidade das instituições na formação profissional e moral das pessoas, partir do princípio que sempre teremos um psicopata ao lado. Não podemos tratar o habitual com base em uma exceção.”
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) informou, em nota, que “casos como os que, infelizmente, temos acompanhado nos veículos de comunicação, fogem de qualquer premissa da assistência médica e, portanto, entram na esfera criminal”. A federação rechaça o uso do termo “violência obstétrica” por acreditar que criminaliza profissionais de saúde.
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