A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 25, o projeto da “Lei Larissa Manoela”, que prevê medidas judiciais contra pais que cometerem abusos na gestão do patrimônio de menores de idade. Em 2023, a atriz - que hoje tem 24 anos, mas que trabalha na TV desde criança - expôs um imbróglio com seus pais em relação à gestão do seu dinheiro, grande parte adquirido quando ela ainda era menor e em regime de sociedade. À época, a defesa dos pais disse que havia dificuldades de diálogo com a jovem.
O projeto de lei segue agora para avaliação do Senado e, se aprovado, vai para a sanção presidencial. Ainda podem ser pedidos ajustes no texto.

“A aprovação do projeto de lei é um passo relevante para fortalecer a proteção patrimonial de crianças e adolescentes”, afirma Caren Benevento, sócia da Benevento Advocacia e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da USP.
De autoria da deputada Silvye Alves (União-GO), o Projeto de Lei 3914/23 foi aprovado em substituição ao original, da deputada Rosangela Moro (União-SP), excluindo a tipificação penal sugerida para as condutas classificadas como abusivas. Em troca, são previstas medidas judiciais, como:
- Condicionar a continuidade da administração dos bens do filho pelos pais à prestação de caução ou fiança idônea;
- Nomeação de um curador especial (um terceiro);
- Restrição ao acesso dos recursos financeiros pelos pais ou responsáveis;
- Realização de auditoria periódica.
O texto acrescenta artigos ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que já regulamenta a gestão de bens de menores, e faz inserções no Código Civil, classificando como conduta abusiva:
- O uso indiscriminado do dinheiro fruto da atividade da criança ou do adolescente;
- A apropriação indébita e renúncia de bens - na legislação atual, só imóveis são protegidos de apropriação, renúncia ou venda;
- A proibição da criança ou do adolescente de usufruir dos benefícios econômicos gerados pela sua própria atividade.
O PL também proíbe que os gestores façam dívidas em nome da criança ou do adolescente, exceto com autorização judicial - que depende de justificativa alinhada com os interesses no desenvolvimento e na proteção da criança.
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E afirma, de maneira genérica, que os recursos devem ser utilizados de maneira “responsável” e para o “pleno atendimento de seus interesses (das crianças e dos adolescentes)”, visando à “sua formação e seu bem-estar”. Para isso, propõe que sejam feitas prestações de contas bienalmente.
“São boas regras, que de certa forma atendem a essa nova realidade (de menores que exercem atividades remuneradas, principalmente com o avanço da internet). Mas há pontos que, na minha opinião, ainda precisam de ajustes (como definir as regras para prestação de contas)“, diz Mariana Pimentel, sócia-diretora da área de Direito de Família e Planejamento Patrimonial e Sucessório do escritório Medina Guimarães Advogados.
Segundo Marina Dinamarco, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões e sócia do escritório que leva seu nome, além de proteger as crianças que exercem atividades remuneradas, o PL, se aprovado, deve proteger crianças e adolescentes de serem utilizadas como “laranjas”.
”Nesta semana mesmo uma cliente procurou o escritório porque o pai a emancipou quando ela tinha 15 anos – com a concordância da mãe -, abriu uma pessoa jurídica em seu nome e adquiriu diversos empréstimos por procuração”, conta a advogada. “Agora maior de idade, ela enfrenta dificuldades para limpar seu nome e iniciar sua vida financeira.”
As regras, se sancionadas, valerão tanto para pais, como para qualquer responsável legal ou outra pessoa com poder de gestão patrimonial e financeira de recursos obtidos por crianças e adolescentes em atividades de ordem artística, esportiva, intelectual, científica ou qualquer outra.
No caso de Larissa Manoela, conforme depoimento da atriz ao Fantástico, da Rede Globo, seus pais administraram os recursos oriundos da sua carreira artística desde que ela era criança e supostamente não teriam permitido, conforme a atriz, que ela tivesse poder de decisão e acesso ilimitado ao patrimônio depois que ela fez 18 anos. Para colocar um fim nesta situação, a atriz teria aberto mão de cerca de R$ 18 milhões.
Possíveis entraves e ajustes ao PL
Para Mariana Pimentel, o texto precisa de ajustes para evitar possíveis dificuldades de implementação. Ele deve explicitar, por exemplo, qual entidade ficará responsável pela fiscalização da prestação de contas bienal por parte dos pais ou responsáveis. E definir melhor quais são as condutas permitidas e proibidas. “Está escrito de forma bastante genérica”, diz.
Marina Dinamarco concorda. “O Código Civil, em seu artigo 1.689, concede aos pais a administração dos bens dos filhos menores, de modo que provar a exploração financeira de crianças e adolescentes pode ser complexo, exigindo evidências claras de abuso e má-fé, que são conceitos subjetivos e passíveis de interpretações divergentes”, afirma a advogada.
Conforme Marina, o texto não deveria se limitar à questão criminal. “Além de estabelecer a punição para os responsáveis pela exploração patrimonial, o legislador deveria prever mecanismos para responsabilizá-los diretamente pelas dívidas contraídas indevidamente em nome de crianças e adolescentes. Isto preveniria que os menores fossem penalizados financeiramente por atos cometidos por seus responsáveis.”
Ela aponta, ainda, a possibilidade de indenização por danos morais para a vítima desse tipo de abuso na infância e adolescência também deveria ser considerada. “O impacto psicológico e emocional causado pela violência patrimonial pode ser profundo, resultando em insegurança financeira na vida adulta e dificuldades na reconstrução da autonomia pessoal e profissional”, diz Marina.