Lei que evita 'revitimização' de crianças violentadas deve ser aplicada em caso de menino do PI

Childhood Brasil, Plan International e UNICEF destacam que serviço público deve aplicar legislação que cria regras para o tratamento por parte dos agentes públicos

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Entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente lamentaram e pediram apuração de responsabilidades no caso do menino de 13 anos encontrado embaixo da cama de um detento, acusado de estupro de vulnerável, no município de Altos, cidade a 42 quilômetros de Teresina (PI). O caso ocorreu na penitenciária agrícola Major César Oliveira e está sendo investigado pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos do Piauí.

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Representantes da Childhood Brasil, Plan International e UNICEF destacam que, durante as investigações, os agentes públicos deverão aplicar uma lei sancionada em abril deste ano que cria regras para o tratamento por parte dos agentes públicos, como delegados e juízes, de crianças vítimas ou testemunhas de violência.

Segundo o Conselho Tutelar local, que acompanha o caso, a criança foi deixada no presídio pelos pais. O exame de corpo de delito realizado no Instituto de Medicina Legal (IML), constatou conjunção carnal. A criança foi encontrada embaixo da cama do preso durante vistoria no presídio, realizada após alvoroço entre os detentos por causa da presença do menino. O garoto não tem qualquer grau de parentesco com o detento, que tem 65 anos e responde por dois estupros. 

Em depoimento ao Conselho Tutelar, os pais da criança disseram que o detento é amigo da família e que deixaram o menino passar a noite no presídio porque ele estava cansado. Afirmaram, ainda, que voltariam no dia seguinte para buscá-lo.

"A lei traz novos direitos e novas garantias. Faz, por exemplo, com que a criança não tenha que ficar tendo contato durante muito tempo com a justiça, revivendo e repetindo a violência sexual. A lei entende que a criança já foi vítima de uma violência e a fase de busca de provas tem que ser feita com cuidado e rapidez", afirma Fabiana Gorenstein, especialista do Unicef em proteção à criança. 

Para ela, a lei 13.431 é "um avanço". "Por que é tão relevante e o Unicef parabenizou o governo brasileiro? Porque havia níveis de impunidade em casos de denúncia de violência contra a criança", diz.

Meninos

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Itamar Gonçalves, gerente de advocacy da Childhood Brasil, destaca que o caso do Piauí possui elementos típicos de violência sexual infantil e precisa ser apurado "com total proteção à criança".

"Pesquisas apontam que meninas e meninos não são protegidos ao longo da investigação e do processo, precisando repetir – e reviver – a situação de violência sofrida", diz Gonçalves. Segundo ele, a lei 13.431 "acaba com essa revitimização". 

"Chama a atenção que quem tem o dever de proteger a criança (família e o Estado) não o fez. E o caso joga luz ainda para o problema da violência sexual contra meninos. Apesar de 89% dos crimes serem cometidos contra mulheres, temos uma incidência significativa contra esse público que precisa ser enfrentada”, diz o gerente de advocacy da Childood Brasil.

Fabiana lembra que o processo de apuração de provas em casos de violência sexual é delicado e requer o contato da criança com situações como perícia médica e contato com delegacia. "Faltava normatização sobre como o sistema ia receber, tomar depoimento, fazer investigação, respeitando o desenvolvimento da criança e do adolescente", explica. 

Negligência

Segundo Flávio Debique, gerente de estratégia de programas da Plan International Brasil - ONG de proteção à criança com unidade em Teresina -, é preciso capacitar e preparar os agentes públicos sobre a legislação protetiva dos direitos da criança e do adolescente. 

"No momento em que os funcionários da Colônia Agrícola Major César Oliveira viram a criança, já era um chamado de atenção para tomar medidas. A primeira delas era não ter permitido o ingresso e também indagar por que as visitas estão levando uma criança naquele lugar", orienta.

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Para Debique, houve negligência institucional. "Quanto mais capacidade os funcionários das instituições e dos estabelecimentos tiverem, maior é a possibilidade de interferir antes que o dano aconteça", diz o gerente da Plan.

O caso

“Eles são de situação vulnerável e foram a pé visitar esse amigo. Relataram que é uma caminhada muito longa e estavam cansados. O adolescente disse que ele mesmo pediu para ficar”, disse a conselheira tutelar Nazaré Castelo Branco. 

A família relatou que foi ao presídio a pé para visitar o suposto amigo na expectativa de pegar as roupas do detento para lavar em troca de dinheiro. O pai da criança também já cumpriu pena por estupro. “Estou muito arrependido. E não sabia que ia dar essa confusão. Deixei o meu filho a pedido dele, porque ia voltar no outro dia”, disse o pai ao delegado Jarbas Lima, da 14.ª Delegacia de Altos, ao lado da mãe da criança, que não tinha concordado com a permanência do filho.

O Sindicato dos Agentes Penitenciários do Piauí (Sinpoljuspi) informou que, neste presídio, as visitas ocorrem dentro dos alojamentos, e não em uma área comum. “Segundo as informações que conseguimos colher, o preso estava sem camisa, deitou com o adolescente e tocou em suas partes íntimas. Tem de ser investigado se houve favorecimento financeiro para que esse menino ficasse em poder desse preso”, disse o vice-presidente do sindicato, Kleiton Holanda.

Ao Conselho Tutelar, no entanto, o menino negou que tenha sido tocado pelo detento. “Ele relata que não aconteceu coisa nenhuma, que estava lá assistindo filme. A mãe do menino ia levá-lo para casa no dia seguinte quando voltasse ao presídio para levar as roupas do preso. Isso não é uma coisa normal ou correta. Lugar de criança e adolescente não é no presídio. E tem que haver mais segurança e um trabalho mais eficaz no sentido de não permitir crianças em celas”, disse Nazaré.

A polícia apura os crimes de corrupção de menor, abandono de incapaz e estupro de vulnerável. Segundo o secretário de Justiça do Piauí, Daniel Oliveira, nove presos estavam na cela. A pasta informou que o detento foi punido e levado a uma ala de triagem.

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O gerente da Colônia Agrícola Major César, Cleiton Lima, disse que os pais do menino deixaram a criança de propósito na unidade. “A intenção era de evitar levar o menino para casa e trazer no outro dia, já que domingo também é dia de visita.”

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