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Livro revela detalhes íntimos da Marquesa de Santos, amante de Pedro I

Nova edição de biografia revisita personagem marcante do Império; cartas revelam como a poderosa mulher ditava os passos da família e incentiva as filhas a lutarem contra o machismo

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Atualização:

Mesmo expulsa da corte, a marquesa de Santos seguiu frequentando a elite fluminense. A história de como uma de suas netas se casou com o filho de uma ex-escravizada — liberta pela família. Pelos (possivelmente pubianos) de d. Pedro I guardados entre cartas da apaixonada amante. Correspondências que revelam como a poderosa mulher ditava os passos da família e orientava as filhas a não abaixarem a cabeça para seus maridos.

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Estas são algumas das saborosas novidades da nova edição da biografia Domitila - A História Não Contada, que depois de dez anos da versão original chega às livrarias neste mês em roupagem revisada e muito ampliada.

Paulo Rezzutti sabe que nas cartas antigas é possível encontrar, mais do que intimidades, pistas importantes sobre os acontecimentos — e a tal História com H maiúsculo. O pesquisador, que se tornou conhecido como biógrafo dos personagens mais importantes do período imperial brasileiro, afinal se tornou autor reconhecido quando descobriu as picantes cartas inéditas trocadas entre o monarca, d. Pedro I, e sua mais famosa amante, Domitila de Castro, a marquesa de Santos.

Em 2011 foi lançada a obra Titília e o Demonão, com a íntima correspondência. De lá para cá, não foram poucas as vezes que a personalidade forte e à frente do seu tempo de Domitila cruzaram o caminho de Rezzutti.

Durante as pesquisas para o novo livro, contudo, houve a surpresa inclusive do encontro de uma relíquia íntima do relacionamento amoroso entre ela e o primeiro imperador do Brasil: pelos, possivelmente pubianos, de d. Pedro, que haviam sido guardados pela amante.

Paulo Rezzutti sabe que nas cartas antigas é possível encontrar, mais do que intimidades, pistas importantes sobre os acontecimentos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Para a pesquisa desse livro contei com o acesso a um álbum de autógrafos que está na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro”, relata Rezzutti, ao Estadão. “Nele há várias cartas tanto de d. Pedro quanto de Domitila e, no meio delas algo que era, até a publicação desta nova edição, uma lenda: pelos do primeiro imperador do Brasil.”

Sim, era uma informação que corria como se fosse boato, lorota. Uma anedota para apimentar ainda mais essa história das alcovas imperiais. “Faz muitos anos que existia a lenda de que bibliotecários ciosos da Biblioteca Nacional ocultavam do público em geral pelos pubianos do imperador do Brasil enviados para a sua amante”, conta o biógrafo. “Pois os pelos efetivamente estão lá, guardados dentro de um papel dobrado, entre as cartas de d. Pedro para Domitila.”

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Para comprovar a origem de tais amostras, seria necessário um exame científico. Mas, pela observação, Rezzutti tem já seu palpite. “Em várias cartas, o imperador falava sobre enviar pelos de bigode e pelos do peito para Domitila”, ressalta ele. “Mas esses (encontrados no papel dobrado e cuja imagem está reproduzida no livro) parecem maiores e mais cacheados do que nacos de bigode ou pelos do peito.”

Família e poder

Mas não são apenas novidades de cunho erótico e gosto duvidoso que povoam as páginas do livro. Rezzutti conseguiu evidências que derrubam a tese historiográfica de que a marquesa, quando foi expulsa da corte após a chegada da segunda mulher de d. Pedro, Amélia, resignou-se à irrelevância.

“Cai por terra a imagem da marquesa expulsa da corte por d. Pedro I que ficou recolhida em São Paulo. Eu achei diversos endereços de Domitila no Rio de Janeiro após a saída definitiva dela da corte em 1829 por ordem de d. Pedro I”, conta o pesquisador.

Cai por terra a imagem da marquesa expulsa da corte por d. Pedro I que ficou recolhida em São Paulo.

Paulo Rezzutti, biógrafo

“E após a abdicação dele, ela voltou ao Rio diversas vezes. Foi na corte que ela matriculou a última filha que teve do imperador, e ali que Domitila morou com o segundo marido, Rafael Tobias de Aguiar, eleito deputado do império por São Paulo”, enumera.

“No Rio de Janeiro do Segundo Reinado, a marquesa de Santos continuou frequentando a alta sociedade, onde arrumou um excelente partido para essa última filha dela com d. Pedro”, exemplifica.

Entre as novas descobertas do biógrafo também há missivas que mostram seu poder nos rumos da família, por exemplo, toda a correspondência dela com o conde de Iguaçu, seu genro. “Nessas cartas é possível vermos Domitila na meia idade brigando com o genro por ele gastar todo o dote da filha, inclusive penhorando joias e bens que não podiam ser penhorados”, diz.

Domitila tinha consciência de que era um ponto fora da curva o fato de ela ter sido uma mulher poderosa, forte e de intensa personalidade naquele Brasil do século 19 Foto: Acervo Estadão/29-08-1976

Em uma das cartas é possível notar a calorosa discussão entre ambos. “Domitila mostra que ele era um perdulário que não pensava no futuro”, afirma Rezzutti.

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“O que era mais feio o sr. já fez, que foi empenhar o bandó e a minha medalha, assim faça mais este sacrifício e hipoteque a casa e pague as suas dívidas”, afirma a marquesa em trecho da correspondência.

“Estou bem convencida que o sr. é daqueles homens que não olham para suas dívidas e nem para o futuro. Eu sendo mulher lembro-me do futuro. Não tenho expressões com que lhe explique os meus sentimentos. Tenho vergonha de falar a meu marido e assim remedeie-se lá como puder. Nunca poderei passar bem quando meu espírito tanto e tanto sofre.”

Rezzutti ainda descobriu diversas informações até então desconhecidas sobre as duas filhas que a marquesa teve com o imperador e que chegaram à vida adulta: a condessa de Iguaçu, que foi criada pela mãe no Brasil; e a duquesa de Goiás, que foi criada na Europa e nunca mais esteve com a mãe.

“Trago toda a história de como foi a vida de ambas”, promete Rezzutti. “A duquesa de Goiás descobriu, já viúva na Alemanha, quem era a sua mãe e conto qual foi sua reação ao saber de toda a história”, acrescenta ele.

“Também consegui acesso ao libelo dos condes de Iguaçu, onde a condessa pedia a anulação do casamento religioso com base em provas contra o marido, por maus tratos e traições”, comenta o biógrafo. “No processo, é possível ver como a palavra de mulher valia muito pouco no século 19: mesmo com provas e testemunhas, ela não conseguiu a anulação do casamento.”

Neste caso, a filha não teve a mesma sorte que a mãe. A condessa de Iguaçu passou por situação muito semelhante à enfrentada pela marquesa de Santos com o primeiro marido, em que ela sofreu maus tratos, roubo e agressões. “A diferença é que Domitila tinha a proteção do imperador do Brasil e conseguiu a separação do primeiro casamento”, compara Rezzutti. “A filha não teve nenhum grande protetor para ajudá-la.”

Outra passagem muito interessante do novo livro é a que traz a história de uma das escravizadas de Domitila, Firmina. A marquesa a deu, por testamento, para a sua nora. “Essa escravizada acabou libertada e teve ao menos três filhos que ficaram órfãos com a sua morte”, narra. “O mais jovem deles, João Firmino de Aguiar, tinha 6 anos quando Firmina morreu e foi criado pela nora da marquesa, que fez dele um de seus herdeiros.”

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As novas informações corroboram a história já conhecida de que a marquesa de Santos foi uma mulher à frente do seu tempo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O curioso é que João Firmino acabaria se casando com Leonor Julieta de Castro, neta da marquesa de Santos. “Ou seja, parte da descendência de Domitila é fruto da união com o filho de uma ex-escravizada da família”, diz o biógrafo.

Feminista antes do feminismo

As novas informações corroboram a história já conhecida de que a marquesa de Santos foi uma mulher à frente do seu tempo, sabendo se colocar em meios vistos como masculinos e impondo suas decisões e desejos.

No prefácio da nova edição, Rezzutti ressalta que nada a impediu “de ser quem bem entendesse”. Na conversa com a reportagem, contudo, o biógrafo recomenda cuidado a quem quer tachá-la como pioneira do feminismo.

“Domitila foi uma mulher da sua época. Colocá-la dentro do que se entende hoje por feminismo é anacrônico. Porém, ela não foi o que era esperado pelo padrão da época. Ela transgrediu. E, ao transgredir, se destacou e entrou para a história”, situa ele.

Domitila foi uma mulher da sua época. Colocá-la dentro do que se entende hoje por feminismo é anacrônico. Porém, ela não foi o que era esperado pelo padrão da época, ela transgrediu.

Paulo Rezzutti, biógrafo

“Ela descobriu rapidamente que num espaço masculino, se ela não tivesse apoio de homens poderosos, não conseguiria sozinha o que queria”, acrescenta ele, lembrando que foi graças à influência de d. Pedro que ela “conseguiu a guarda dos filhos e a separação definitiva do primeiro marido que havia tentado matá-la muito antes dela conhecer o futuro imperador do Brasil”.

“Ao longo dos sete anos em que viveu com d. Pedro ela conseguiu poder, prestígio, dinheiro. E ao ser expulsa da corte por d. Pedro I em 1829, devido ao casamento dele com a imperatriz Amélia, Domitila não baixou a cabeça. Negociou a sua saída da Corte, foi indenizada pela perda das suas propriedades e ainda levou o recheio de suas chácaras do Rio de Janeiro para São Paulo”, enumera Rezzutti.

Mais tarde, também nas esferas do poder, se envolveria com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, então presidente da província de São Paulo. Ele se tornaria seu segundo marido. Mas o casamento só ocorreu, por exigência da marquesa, com separação total de bens. “Ela já havia entendido que enquanto tivesse o dinheiro dela, ela teria o destino em suas mãos”, diz o biógrafo. “Ela foi bem inteligente e conseguiu chegar onde quis. Os meios, sem dúvida, são controversos. Mas o resultado final é inegável.”

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“Ela sobreviveu e viveu a vida que quis, como quis”, define Rezzutti.

E, talvez mais impressionante, ela tinha consciência de que era um ponto fora da curva o fato d ter sido uma mulher poderosa, forte e de intensa personalidade naquele Brasil do século 19. A prova, segundo o biógrafo, está no fato de que “ela não desejava o mesmo para a filha”.

Em carta à condessa de Iguaçu, Domitila diz: “já não tenho expressões para vos pedir e vos dizer que não há quem não sofra com seus maridos, as mais virtuosas sofrem, quanto mais aquelas que dão motivos”. “Tenho também recebido cartas de vosso marido que com razão se queixa dos vossos desvarios. Eu, por desgraça minha, o conheço e mais: vos conheço. Estais sem juízo de todo, e se vos separares de vosso marido separai-vos de vossa mãe, isto vos digo de todo o meu coração”, afirma ela, na correspondência.

“Ela sabia o quanto tinha sofrido sendo o que foi e fazendo tudo o que fez. Não queria o mesmo para a filha”, analisa Rezzutti.

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Domitila - A História Não Contada

Editora ‎Leya; 3ª edição (28 junho 2023)

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480 páginas

Preço de capa: R$ 75

Onde comprar: livrarias físicas e plataformas de venda online

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