Lucro alto com tráfico de drogas faz PCC deixar de cobrar ‘mensalidade’ de integrantes

Facção expande faturamento com exportação ilegal de cocaína para a Europa. Integrantes movimentam US$ 1 bilhão anualmente, estima Ministério Público

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

O alto lucro do Primeiro Comando da Capital (PCC) com o tráfico internacional de drogas, atual carro-chefe da organização, fez a facção deixar de cobrar mensalidade de seus integrantes. Os pagamentos, conhecidos como “cebolas”, eram usados para custear despesas com presos, contratar advogados e arcar com outros gastos operacionais.

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“A última ‘cebola’ cobrada, de R$ 850 (por integrante), foi em 2020″, disse ao Estadão o promotor de Justiça Lincoln Gakiya Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). A partir de 2021, segundo ele, a cobrança foi encerrada.

O valor teria passado a ser irrisório diante do dinheiro obtido com o tráfico: hoje, o PCC lucra cerca de US$ 1 bilhão (quase R$ 5 bilhões) anuais, em especial com a venda de cocaína para Ásia, África e Europa. “É um negócio ilícito com lucratividade muito alta e risco muito baixo. Quando se perde, se perde a droga, e dificilmente se prende alguém”, afirmou Gakiya.

  • Conforme o Ministério Público, só em São Paulo aproximadamente 2 mil integrantes (faccionados) soltos tinham de pagar a cebola, cobrança adotada há cerca de duas décadas. “Se não pagasse, tinha várias punições”, disse o promotor.
  • O balanço não leva em conta os faccionados presos ou “colaboradores” da facção, o que faz o PCC ter dezenas de milhares de “operários” em todo o País.
  • O PCC não é a única facção que já cobrou mensalidade desse tipo. No Comando Vermelho, a prática é conhecida como “caixinha” ou “camisa”

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O tráfico internacional de drogas tem sido o principal foco da organização ao longo da última de suas três décadas de existência. Investigações indicam que o PCC paga de US$ 1,2 mil a US$ 1,4 mil (entre r$ 6 mil e R$ 7 mil) pelo quilo de cocaína para países vizinhos, como Colômbia e Bolívia. Na Europa, revende, em média, por € 35 mil, em envios que ocorrem principalmente por meio dos portos brasileiros, como o de Santos.

Mas o lucro pode ser ainda maior, a depender do destinatário final. “Na França, chegou a € 80 mil o quilo de cocaína no início do ano. Se for para a Ásia, por exemplo, pode chegar a US$ 100 mil dólares, ou até US$ 150 mil dólares no Japão”, disse Gakiya. A alta lucratividade, afirma ele, tem colocado o Primeiro Comando da Capital na mira inclusive de órgãos internacionais.

Em 2021, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou ordem executiva que dá ao Tesouro americano ferramentas para sancionar estrangeiros envolvidos no tráfico internacional de drogas. Na época, a Casa Branca listou 25 atores, entre indivíduos e organizações, que estão na mira de Washington e terão sanções aplicadas. Entre eles, o PCC.

Funcionária da Receita Federal inspeciona produtos em contêiner no Porto de Santos, em 2018. Exportações ilegais de cocaína impulsionam facção Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 2018

“É uma lista importante para eles, já que permite que o governo americano faça bloqueio de bens e de dinheiro de pessoas possivelmente envolvidas com o PCC e estejam nos Estados Unidos. Isso não é para qualquer organização criminosa. Na lista, estão os carteis mexicanos, os carteis colombianos, a Al Qaeda, o Estado Islâmico e outras organizações terroristas”, disse Gakiya.

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Apuração da Operação Sharks, do Ministério Público paulista, indicou que o PCC destinou, só em 2020, cerca de R$ 1,2 bilhão para fornecedores do Paraguai. O montante foi enviado por meio de doleiros, pagos para fazer esse tipo transação, e teve como objetivo custear as compras para abastecer o tráfico interno de cocaína do PCC. Hoje, o Brasil é o segundo maior mercado consumidor.

“Como o tráfico interno é um quinto da arrecadação do tráfico externo hoje – eles ganham muito mais com o tráfico para a Europa. Calculamos arrecadação anual próxima de U$ 1 bilhão, envolvendo tráfico interno e externo”, disse Gakiya. “O tráfico internacional fez o PCC subir de patamar: de uma pequena facção, que começou nos anos 1990, para uma organização criminosa com matiz de espectro mafioso.”

Essa definição, afirma, se dá pela divisão sofisticada de funções em vários setores, por ser transnacional e por já ter infiltração nos poderes do Estado, com corrupção de agentes públicos.

Como mostrou o Estadão, algumas empresas de ônibus que mantêm contratos com a Prefeitura de São Paulo têm diretores investigados pela polícia em razão da suposta participação em crimes ligados ao PCC.

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O crescimento da facção, ao mesmo tempo, é acompanhado por disputas de poder. Como mostrou o Estadão, o líder máximo do PCC, Marcola, encomendou a morte de outros três nomes da alta cúpula da organização criminosa, segundo “salve” (orientação geral a outros membros) investigado pelo MP.

Por que as ‘cebolas’ foram criadas?

As “cebolas” surgiram no começo dos anos 2000, em momento de estruturação do PCC. “Começou com o objetivo de fretar os ônibus para facilitar as visitas aos presos nas penitenciárias do interior”, disse o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, também do MP-SP.

O nome “cebola”, afirma, é porque muitos integrantes diziam que “choravam” para conseguir o pagar. “Hoje a logística de ônibus e coisas desse tipo, que é o ‘pequeno benefício’, já não a exige mais”, acrescenta ele.

O procurador afirma que, quando as cebolas passaram a ser cobradas, ainda não havia surgido a chamada “Sintonia dos Gravatas”, setor do PCC responsável por reunir advogados que trabalhariam como “mensageiros” do crime organizado. “Então, nas caravanas iam não só famílias, como também integrantes que trocavam informação com os presos”, afirmou.

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Com o passar do tempo, até pelo crescimento da facção, a cobrança das “cebolas” se ampliou e se tornou uma forma de manutenção para outras operações, inclusive com uma área do PCC destinada a organizar as cobranças, inclusive com famílias de presos pagando em alguns momentos.

Em 2018, as estimativas do Ministério Público paulista apontavam para uma arrecadação de R$ 1,9 milhão por mês com essas “cebolas”.. Ainda assim, o procurador afirma que as mensalidades nunca tiveram papel central para apoiar a logística do tráfico.

“O lucro do PCC está numa esfera muito maior”, disse o procurador. “Além de tudo, isso deixa vestígios e rastros, já que eles faziam registros em cadernos de quem pagou ou não pagou. Listas desse tipo por vezes são apreendidas em operações policiais. Acaba sendo contraproducentes para eles.”

A facção também tem diversificado as estratégias para lavar o dinheiro oriundo do crime, que vão de igrejas de fachada ao uso de bitcoins e fintechs para driblar o rastreamento feiro pelas autoridades.

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