Um estrondo muito forte, como o de um trovão, e Flávio Larini, de 30 anos, acordou no mar. A casa onde ele estava foi arrastada pela terra para dentro d"água. "Ouvi um barulho muito forte e já estava no mar. É só o que me lembro", disse Flávio ao irmão, Abel Franco Larini, de 28 anos. Flávio afundou no mar, foi arrastado para a beirada e ficou com o corpo sob lama e areia, mas conseguiu sair e se arrastar para a areia firme. O amigo dele Luiz Henrique Alegri foi jogado a uma distância maior. Do mar, ele viu parte da terra cair, "como uma avalanche", sobre as casas e a Pousada Sankay. Apavorado com a quantidade que descia o morro, ele nadou mar adentro. Quando o barulho silenciou, nadou de volta para a margem, no escuro - a praia estava sem energia elétrica. Flávio e Luiz Henrique foram socorridos por moradores do vilarejo e levados a uma pousada que não tinha sido atingida. Lá souberam do resgate do empresário Gerson e da mulher, Eni. Os quatro sobreviventes, entre a turma de 17 amigos desde a infância em Arujá, dormiam no quarto da frente da propriedade, alugada para o réveillon. Quatorze adultos e três crianças dividiam duas casas no mesmo terreno. A dentista Emanuela, de 30 anos, noiva de Flavio, e Fernanda Muraca, de 25, namorada de Luiz Henrique, estavam com eles na casa da frente e estão desaparecidas. Os demais ocupavam uma casa nos fundos do terreno. Colada à encosta do morro, foi a mais atingida pelo deslizamento. Entre os 11, os corpos de oito foram encontrados e três estão desaparecidos. A família de Flávio falou, por telefone, com Emanuela pouco antes da tragédia, às 2 horas. O casal ligara para desejar um feliz ano-novo. "Eles estavam felizes. Disseram que haviam feito a ceia na casa mesmo, com as crianças, e que chovia muito, mas todos estavam bem na casa", disse o irmão de Flávio, Abel, presidente da Câmara de Vereadores de Arujá. "A gente pede a Deus que todos sejam encontrados, seja como for." Flávio e Emanuela ficaram noivos um mês antes do réveillon, em novembro, e se casariam em outubro. O prefeito de Arujá, Abel Larini, pai de Flavio, viajou para Angra com os pais de Emanuela em busca de notícias. No réveillon, Abel também falou com Marcio Baccin, outro amigo hospedado em Ilha Grande. "Cara, a água que esta descendo desse morro e muito grande", disse ao amigo. Marcio dormia num quarto nos fundos. Está desaparecido. Flávio e Luiz Henrique já estão em Arujá. Eles visitaram, ontem, os familiares de Keller Simão Neves, de 36 anos, que estava em Angra com o filho Gustavo, de 10 anos, e a namorada, a fisioterapeuta Joyce Yamato, de 30 anos. Os dois amigos contaram o que lembravam sobre o acidente, fizeram uma oração com a família de Keller, que é evangélica."O MURO ME LEVOU PRO MAR"Flávio falou pouco, como de costume. Luiz Henrique contou à família de Keller que era o único acordado no momento do acidente. Ele e a namorada estavam em um quarto de frente para o mar. Ela dormia. Luiz Henrique disse que lembrava vagamente de um barulho. A imagem que ficou gravada na memória foi a do "muro". "O muro, na verdade, a parede de alvenaria, empurrou a gente. Eu acordei com esse muro atrás de mim, me levando para o mar", disse ao pai de Keller, Albino Barbosa Neves, chefe do cartório da cidade.Os parentes de Keller contaram que o menino Gustavo, de 10, estava feliz por viajar com o pai para o réveillon. O Natal, ele passara com a mãe, Janaína Sagaz, que mora em Arujá - o casal é separado. Janaína estava em Paraty para o réveillon. Quando ela soube do desabamento em Ilha Grande, ligou para a família de Keller. Os pais dele já sabiam do acidente, mas não imaginavam que o filho e o neto estavam entre as vítimas."Só falavam da pousada, então, eu disse para o meu marido que não se preocupasse porque o Keller comentou comigo que os amigos tinham alugado uma casa", disse a mãe, Noemia Simão Neves, chorando muito ao se lembrar do momento em que viu a primeira imagem do acidente pela TV.O marido discordou. "Olhamos aquilo... É triste, não? Aquela terra toda... A pousada ainda estava ali, mas muitas casas em volta tinham desaparecido. Eu falei para a minha esposa: "Nós temos de nos preparar para o pior"", disse o pai de Keller. O tom muito baixo e o olhar para o chão acompanhavam cada palavra de Albino. Ele é evangélico, como a família, há sete anos. "A nossa vida aqui é relativamente curta, alguns vivem até os 80 anos, outros..."Ele conta que a viagem do filho, da namorada e do neto começou na segunda-feira, dia 28. Seguiram de carro, com os amigos. No dia 31, pouco antes de meia-noite, Keller ligou para casa, em Arujá, para dar feliz ano-novo aos pais e irmãos.O filho de Albino comentou que chovia muito, mas não parecia preocupado. O neto quis falar com a avó, Noemia. "Ele estava tão feliz, animado, falante... Muito, muito feliz mesmo de viajar com o pai", disse a avó, amparada pelo marido e por amigos e familiares na casa da família, perto do centro de Arujá. Noemia segurava uma foto dela, do marido, do filho e do neto no Playcenter, no ano passado. Depois, foi buscar na estante outras fotos da família, incluindo de Janaína, namorada de Keller. Disse se sentir mais perto deles assim.Albino e Noemia têm outros quatro filhos. Um deles, Clayton, acompanhava as notícias reunido com tios e primos em torno da TV. O caçula Clay tentava obter notícias na cidade; as primas telefonavam para hospitais e para o Instituto Médico-Legal (IML). Os outros dois filhos, Cléber - o mais velho - e Hebert, e três tios do rapaz saíram de Arujá às 22 horas do dia 1º em direção do IML de Angra dos Reis. À tarde, a família recebeu a notícia da chegada de oito corpos ao IML, entre eles o de uma criança. Pouco depois, soube que se tratava de um menino, filho de Adalton, um amigo de Keller. Ele e a mulher estão desaparecidos. O casal estava com o menino no mesmo quarto de Keller, Gustavo e Joyce.FRASESAbel LariniPresidente da Câmara de Arujá e irmão de Flávio, um dos sobreviventes"Eles estavam felizes. Disseram que haviam feito a ceia na casa mesmo, com as crianças, e que chovia muito, mas todos estavam bem na casa"Luiz Henrique AlegriSobrevivente"O muro, na verdade, a parede de alvenaria, empurrou a gente. Eu acordei com esse muro atrás de mim, me levando para o mar"Noemia Simão NevesMãe de Keller, de 36, e avó de Gustavo, de 10, que estão desaparecidos "Só falavam da pousada, então, eu disse para o meu marido que não se preocupasse porque o Keller comentou comigo que eles tinham alugado uma casa"Albino Barbosa NevesMarido de Noemia"A pousada ainda estava ali, mas muitas casas em volta tinham desaparecido. Eu falei para a minha esposa: "Temos de nos preparar para o pior""