Lula planeja ampliar atuação federal no Rio. O que as experiências anteriores mostram?

Forças Armadas e tropas federais já atuaram em intervenção e operações no Estado em meio a crises de violência, mas não deixaram legado de segurança, apontam especialistas

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Foto do author José Maria Tomazela

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou nesta semana a intenção de ampliar a atuação de forças federais no Estado do Rio em meio ao aprofundamento das crises de violência. O uso de tropas como as do Exército não é uma estratégia nova em território fluminense e, segundo apontam especialistas, não deixou um legado duradouro de segurança nas experiências anteriores.

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O caso recente mais emblemático do emprego da força federal no Rio foi a intervenção na segurança promovida pelo então presidente Michel Temer. O Exército assumiu a Secretaria da Segurança e desenvolveu operações no território. Cinco anos depois, os efeitos positivos dessa intervenção são difíceis de enxergar, ressaltam pesquisadores.

O uso da estrutura federal para combater o crime organizado e a milícia no Rio pode ter alguma validade do ponto de vista emergencial e paliativo, mas não resolve a questão da segurança a médio e longo prazo, apontam eles.

Na segunda-feira, o crime organizado e a milícia incendiaram 35 ônibus e um trem na zona oeste da capital fluminense, em represália à morte de um miliciano em confronto com a polícia. O presidente Lula disse já ter conversado com o governador do Rio, Cláudio Castro (PL) e a intenção é que a Aeronáutica e a Marinha possam ter uma intervenção maior nos portos e aeroportos para combater o crime organizado, o narcotráfico e o tráfico de armas. A Polícia Federal, segundo o presidente, também vai agir com mais força.

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Desde o dia 16 de outubro, o Rio conta com o reforço de 570 agentes federais para reforçar a segurança em rodovias e áreas de risco. Além de agentes da PF e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram destacados 300 integrantes da Força Nacional.

Milicianos queimaram 35 ônibus na zona oeste do Rio depois da morte de um líder da facção criminosa pela polícia Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Para o pesquisador Rodrigo Azevedo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as crises na segurança pública no Rio são cíclicas, e o elemento que tem fomentado essa situação é o envolvimento de policiais civis e militares com a contravenção, o tráfico e as milícias.

“A solução a médio e longo prazo passa pela atuação dos órgãos de controle da atividade policial, especialmente Ministério Público, o estrangulamento dos recursos das organizações criminosas (tráfico e milícias), e a reestruturação completa do setor, com investimento em reciclagem, demissão de policiais corruptos e violentos, e investimento no sistema penitenciário”, disse.

O advogado Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, avalia que só as ações de reforço de polícia ostensiva, por mais que possam trazer um alívio temporário na sensação de segurança, não vão ter muita eficácia no combate ao crime no Rio.

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“O cenário é muito grave e resultado de décadas de abandono, especialmente após duas gestões seguidas de ausência de planos de segurança. Tivemos nesses dois governos a extinção da Secretaria de Segurança que governava as polícias, e agora temos as polícias se auto governando, sem um plano que possa ser discutido para a gente saber sobre as prioridades”, disse.

Ele, porém, considera que a ação do governo federal no Rio é relevante e já mostrou esse valor recentemente com a apreensão de 47 fuzis na Barra do Tijuca. “É quase 10% do que se tem apreendido no ano todo, o que mostra que o trabalho de investigação, sem dar um tiro, pode ter resultados melhores. Além disso, se descobriu uma fábrica de montagem de fuzis, o que vai trazer mais impacto de longo prazo por ter ido na fonte de onde eles estavam saindo.”

Outra contribuição da PRF e da PF, segundo ele, foi na prisão de quatro policiais civis envolvidos na escolta e venda de 16 toneladas de cocaína, quantidade que chega a ultrapassar o que foi apreendido em um ano pela Polícia Civil.

“Porém, temos uma demanda de investigação do crime organizado, de corrupção na polícia, questões mais profundas que não se resolvem com Força Nacional e PRF nas ruas”, disse.

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Para Langeani, o plano do governo federal de reforçar a fiscalização de portos e aeroportos é importante para conter o trânsito de ilícitos. “Mas é preciso de apoios mais estruturais para que a gente consiga chegar no crime organizado que, infelizmente, muitas vezes está enraizado na própria estrutura do estado do Rio de Janeiro.”

Azevedo, por sua vez, acha que a ampliação do policiamento ostensivo via Força Nacional e PRF ajuda a evitar a intervenção das Forças Armadas, “sempre problemática na segurança pública”.

Intervenção e operações

O envolvimento federal em ações de segurança no Rio é antigo. Nos últimos 20 anos, a atuação se intensificou diante do acirramento da violência na região e de articulações políticas que promoveram a mobilização de tropas em operações. Apesar da recorrência, especialistas apontam que o modelo não deixou um legado duradouro de segurança nem atacou problemas estruturais ligados à violência.

  • Em 2018, o governo federal decretou intervenção no Rio de Janeiro para “amenizar a situação da segurança interna”, segundo o decreto assinado pelo então presidente Michel Temer. Foi nomeado como interventor o general de Exército Walter Souza Braga Netto.

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Intervenção de 2018 foi encerrada sem provocar grande impacto na segurança pública do Rio Foto: Fabio Motta/Estadão

A cidade vinha de uma onda de violência, em 2017, que resultou em 134 policiais mortos por conta da criminalidade. Houve questionamento ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas a intervenção foi encerrada no prazo previsto, em 31 de dezembro de 2018, sem ter grande impacto na segurança pública.

  • Antes, outra grande intervenção militar aconteceu durante a ocupação do Complexo do Alemão, em junho de 2007. Cerca de 2.600 agentes das polícias civil, militar e federal, além de homens do Exército, Marinha, Aeronáutica e Força Nacional de Segurança Pública participaram da invasão das comunidades.

Foi a maior operação realizada no complexo desde que a polícia ocupou as favelas, em maio daquele ano, após dois policiais terem sido assassinados, supostamente, por criminosos que seriam do Alemão. Na ocupação, 19 pessoas foram mortas e sete ficaram feridas, entre elas um policial.

  • Em novembro de 2010, após uma série de ataques, com ônibus queimados, postos policiais metralhados e tiroteios entre polícia e facções, as forças policiais do Rio, engrossadas por 500 homens da Força Nacional, ocuparam a Vila Cruzeiro, outra área emblemática. A Brigada de Paraquedistas do Exército e o Batalhão de Blindados de Fuzileiros Navais deram apoio à ação.

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Durante o cerco, muitos traficantes fugiram para o Complexo do Alemão, que já havia sido retomado por facções criminosas. Na época, as favelas estavam ocupadas por unidades de polícia pacificadora (UPPs), projeto parcialmente desativado e que foi retomado pelo atual governo do Rio.

Em entrevista ao Estadão, o jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Bruno Paes Manso, autor do livro A República das Milícias (2020), o que acontece no Rio atualmente é um “desequilíbrio da cena criminal”, que se apresentava estável até o ano passado com uma queda de homicídios, mas que foi rompida pelas disputas armadas de milícias e traficantes pela expansão de seus domínios.

”Até 2022, o Rio de Janeiro vinha reduzindo os homicídios, o que acaba sendo um termômetro de uma estabilidade territorial dos grupos, que não estavam buscando expansões ou avanços e não estavam gerando confronto fatais. Mas, isso mudou, principalmente em 2023″, diz Manso.

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