No início da minha carreira como jornalista, na década de 1990, ainda não existiam redes sociais para captar a atenção das massas. O jornal impresso vivia seu auge como a melhor fonte para se obter informações bem apuradas e análises inspiradoras. Naquele ambiente, eu nutria um prazer íntimo: pegar a edição do dia e saber que dezenas de milhares de pessoas fariam o mesmo, lendo o que tinha escrito.
Não era uma busca pela fama, até porque a maioria dos textos não levavam minha assinatura (para assinar algo, era preciso ter trabalhado duro naquilo). A alegria vinha ao imaginar que meu trabalho poderia ajudar todas aquelas pessoas de alguma forma. E isso me bastava!
Se o material fosse assinado, tanto melhor. Se recebesse uma chamada na disputadíssima primeira página, era a glória, pois mais gente ainda leria meu trabalho!
Então vieram a Internet, as redes sociais, os smartphones e agora a inteligência artificial. Desde o começo, o mundo digital vem transformando profundamente o jornalismo e a nossa relação com todo tipo de conteúdo.
Ele também plantou a semente da busca pela fama. E ela germinou com força!
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Com as redes sociais, qualquer pessoa potencialmente podia ficar famosa e fazer muito dinheiro. Todos nos tornamos meios de comunicação e o que disséssemos parecia valer tanto quanto uma reportagem profissional.
A máquina de convencimento das redes sociais não dá trégua, e muita gente acredita nisso. Em tese, sim, todos podem ficar famosos. Na prática, pouquíssimos conseguem. Em muitos casos, ela dura pouco.
O meio digital também provocou outra mudança profunda para quem produz conteúdo: agora o público tem voz, e ela se manifesta instantânea e às vezes ferozmente em curtidas e compartilhamentos.
Essa resposta poderia ser ótima para se refinar as produções. Mas lidar com uma horda de desconhecidos (muitas vezes gratuitamente agressivos) exige um preparo emocional que a maioria dos influenciadores não tem.
O produtor de conteúdo digital arma uma perigosa armadilha e alegremente cai nela: ajusta suas entregas e a própria personalidade para agradar a massa. E não raro os seguidores valorizam o bizarro e desprezam o que cada um tem de bom a oferecer.
Muitos criam personagens que sequestram suas vidas. Para manter a audiência, reforçam elementos que agradam o público, deixando de ser quem são, o que pode causar grande sofrimento. Por isso, aumentam os casos de influenciadores com ansiedade e depressão. Alguns chegam a cometer suicídio!
A vítima brasileira mais recente foi o youtuber PC Siqueira, cuja morte completou um mês no sábado passado. Pioneiro no país (criou seu canal em 2010), ele viu sua audiência diminuir ao longo dos anos. Em 2020, foi acusado de pedofilia, o que sempre negou. Apesar de a polícia ter dito em 2021 que não encontrou indícios de que tivesse cometido o crime, ele nunca se recuperou.
Não foi um caso isolado! Em 2021, Lucas Santos se matou por não aguentar a enxurrada de críticas por simular um beijo em um amigo no TikTok. E em 2019, Alinne Araújo teve o mesmo fim após publicar seu "casamento consigo mesma", pelo qual foi massacrada por haters.
Em todos os casos, o discurso de ódio abalou a estrutura emocional dos produtores de conteúdo, em alguns deles já fragilizada.
Não é um problema que possa ser ignorado! Muito pouco tem sido feito para mitigar isso, e o Brasil já ocupa as primeiras posições mundiais de casos de ansiedade e de depressão.
Uma boa maneira de se reduzir esse risco é não sucumbir aos algoritmos das redes sociais e aos seguidores. Em primeiro lugar, deve-se ser fiel a si mesmo.
Talvez isso diminua o potencial de sua "fama" nessas plataformas. Mas algo que aprendi desde os tempos dos jornalões é que não precisamos agradar a todos. Precisamos apenas falar com as pessoas que nos apreciam pelo que somos e fazemos. Esse é um caminho para a paz de espírito para produtores de conteúdo.
Parece ser uma boa troca!
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