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Opinião | Brasil não pode repetir com a IA erros do passado

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Foto do author Paulo Silvestre
Anúncio da época da Reserva de Mercado concluía que, nesse setor, "não há meio-termo: independência ou morte" - Imagem: reprodução  

Os brasileiros estão abraçando a inteligência artificial em suas vidas, o que é uma boa notícia: ela tem um enorme potencial transformador, e não pode ser ignorada. Por outro lado, corremos o risco de repetir erros históricos, com ações que atuam nas consequências dos problemas, enquanto suas causas se mantêm intocadas.

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De fato, a pesquisa "Inteligência artificial no mundo corporativo", divulgada no dia 11 pela alemã SAP, mostra que 79% dos gestores brasileiros são favoráveis ao uso da IA. Mas 29% deles não sabem como incorporá-la aos seus negócios, e 28% afirmam que não há profissionais qualificados no país. Além disso, dependemos totalmente de tecnologias importadas nesse setor.

Para melhorar isso, o governo brasileiro anunciou, no dia 30 de julho, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, com investimentos de R$ 23 bilhões até 2028, para o desenvolvimento da IA no país. Ele prevê a compra de um dos cinco supercomputadores mais avançados do mundo, o desenvolvimento de modelos de linguagem nacionais e a capacitação de profissionais em larga escala.

Tudo isso é muito bom, mas, como diz o ditado, "de boas intenções, o inferno está cheio".

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Um exemplo emblemático foi a infame Reserva de Mercado da Informática, criada em 1984. O objetivo era proteger e incentivar a produção de hardware e software no Brasil, impedindo a concorrência estrangeira. Mas quando o mercado foi reaberto em 1992, as empresas locais eram tecnologicamente atrasadas e nada competitivas. O resultado foi o colapso da indústria nacional de tecnologia e uma dependência ainda maior das multinacionais, que se perpetua até hoje.

A ideia originalmente era boa, vista também em países como China e Coreia do Sul. Mas falhou aqui porque o Brasil não criou um ecossistema robusto de pesquisa com universidades e empresas. Além disso, como apenas poucos nomes ficaram com o mercado inteiro, sem concorrência, a corrupção cresceu e muitos empresários se acomodaram criando produtos ruins e caros, ao invés de se tornarem competitivos.

De lá para cá, esse problema continuou. Tivemos algumas vitórias, como o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, apesar de as emissoras nunca terem aproveitado seus recursos e de ele ter sido lançado tarde, já com a concorrência do streaming. Mas a dependência completa continua em tecnologias centrais em nossas vidas, como a Internet, os celulares e as redes sociais.

Que fique claro: não estou propondo a rejeição de tecnologias vencedoras de fora, muito pelo contrário! Mas, se o Brasil quiser ter uma indústria viável de tecnologia, precisará equilibrar incentivos locais com parcerias internacionais estratégicas para pesquisa e produção. O isolamento tecnológico só levaria ao atraso.

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Precisamos também fomentar startups de inteligência artificial com incentivos financeiros e regulatórios, incentivar a ciência (inclusive de base) nas universidades, garantir que dados estratégicos fiquem no Brasil e apoiar a criação de uma infraestrutura nacional de computação para desenvolver e rodar modelos de IA locais.

O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial toca em todos esses pontos. Mas precisamos que ele seja implantado com seriedade, sem se tornar apenas uma proposta populista e inócua.

Se não mudarmos nosso modelo de inovação e de capacitação, perderemos a chance de participar da revolução da inteligência artificial e ficaremos reféns, mais uma vez, das decisões e da tecnologia dos outros.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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