Estamos nos últimos momentos de 2024, um ano de novidades profundas em tecnologias e seus impactos nas empresas e nas vidas das pessoas. Por exemplo, o 5G se difundiu ainda mais, e grandes avanços aconteceram em veículos autônomos, tecnologias sustentáveis, biotecnologia e robótica. Mas no ano em que os prêmios Nobel tanto de Física quanto de Química foram entregues a cientistas com pesquisas ligadas à inteligência artificial, foi ela que deixou indiscutivelmente sua marca.
Vale dizer que a IA já fazia parte da nossa vida há muitos anos, potencializando aplicações e equipamentos, porém de maneira invisível. Tudo mudou em novembro de 2022, quando o ChatGPT ganhou as ruas, dando ao cidadão comum o gostinho de fazer facilmente criações com a inteligência artificial generativa. E isso deflagrou uma corrida para que se buscasse aplicar a IA em tudo.
Obviamente os primeiros resultados disso pareciam protótipos mal-acabados e muitos tinham aplicações questionáveis. O ano de 2023 viu a desconfiança de profissionais, que mesclavam deslumbramento diante das possibilidades da IA e medo de que ela roubasse seus empregos.
Agora, ao fim de 2024, pode-se dizer que ela deixou o terreno da curiosidade: esse foi o ano em que seu uso foi disseminado, com pessoas e principalmente empresas abandonando a especulação e incorporando a IA em seu cotidiano. Mas ainda há muito a se aprender sobre como aproveitá-la de maneira ética, produtiva e segura.
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"Estamos em uma fase muito importante, de democratização da IA generativa e também de uma compreensão maior dessa tecnologia", afirma Adriana Aroulho, presidente da SAP Brasil, subsidiária brasileira da gigante alemã de software que vem incorporando a tecnologia em seus produtos.
Essa percepção é compartilhada por Gilson Magalhães, diretor-geral da Red Hat Latin America. "Não é só aquela questão de você ter perguntas respondidas por uma máquina de forma brilhante, mas como aquilo poderá ser inserido nas empresas", explica. Segundo ele, depois da fase inicial de experimentação, nesse ano as companhias começaram a colher benefícios na produtividade de suas equipes, com método. "A gente viu algumas empresas já criando processos internos para permitir que a inteligência artificial fosse incorporada, considerando aspectos de segurança, de compliance, de copyright, de soberania de dados", acrescenta.
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É importante notar que, apesar dos impressionantes avanços exponenciais (e para alguns, quase sobrenaturais) dos grandes modelos de linguagem, quando se olha para os ganhos para os negócios pela IA, isso se deve também a um amadurecimento de suas equipes.
"É muito mais do lado das empresas, de os gestores começarem a ter uma visão mais concreta, mas tangível do que pode e do que não pode ser feito, o que é exagerado ou não", explica Marco Stefanini, fundador e CEO Global do Grupo Stefanini. Isso é muito importante, pois muitos gestores acreditam que a tecnologia sozinha fará "mágicas" em seu negócio, e esse é um caminho fácil para a frustração. Para o executivo, "vem muito mais de maturidade das empresas que da própria tecnologia."
Esse também foi um ano em que a IA passou a ser usada para melhorar planos de negócios, ajudar a vencer a burocracia, diminuir custos e concretizar ideias. "As pessoas já vinham abrindo negócios nas redes sociais sem apoio da inteligência artificial, mas agora, com ela, ganham muito poder", sugere Marcelo Flores, gerente-geral da consultoria da IBM Brasil. E vai além nos benefícios da IA nisso: "as pessoas estão tendo mais poder de escolha das suas carreiras."
Não é exagero, portanto, dizer que a IA é uma das tecnologias mais transformadoras que existiram, ao lado da marcos como a imprensa, o domínio da eletricidade e a Internet. Mas tudo traz consequências e, com a velocidade típica da IA, nem sempre temos tempo de pensar sobre isso.
Ética e segurança
Se em 2023, vimos diversos exemplos de sérios problemas decorrentes de usos descuidados da IA, 2024 trouxe alguma conscientização sobre um uso mais responsável dela. "Em um momento de intenso hype em torno da inteligência artificial, reforçamos a importância de uma abordagem equilibrada e construtiva, focada em resultados tangíveis e no impacto a longo prazo nos negócios", explica Aroulho.
"Houve uma discussão muito grande neste ano para não se entrar de forma inconsequente no uso de uma tecnologia que pode ter desdobramentos em todas as direções, inclusive para divulgação de dados que não deveriam sair de dentro da empresa", acrescenta Magalhães. "Isso passou a ser uma preocupação, que, de certa forma, trava um avanço mais rápido."
Essa também foi uma das marcas de 2024: quais os limites éticos do uso da IA? Se ela deve ser regulamentada para proteger o cidadão, como fazer isso sem impedir o seu desenvolvimento?
A Europa puxou a fila das regulamentações dessa tecnologia: o Parlamento Europeu aprovou a sua Lei da Inteligência Artificial em março, criando vários níveis de risco de seus usos, atribuindo a cada um diferentes níveis de responsabilidade de empresas e governos. Ela não trata da tecnologia em si, para evitar empecilhos ao seu desenvolvimento. No Brasil, o projeto de lei 2338/2023, que visa regulamentar a IA e que apresenta forte inspiração na lei europeia, foi aprovado pelo Senado Federal em 10 de dezembro, e começará 2025 em análise na Câmara dos Deputados.
"Não sou contra regulamentação de maneira alguma -é necessária-, mas não pode ser exagerada", explica Stefanini, dando voz a um debate que movimenta intensamente o setor. "A gente está perdendo essa janela, olhando para um viés muito político, carregado de controle, nocivo para o desenvolvimento da IA no país", afirma.
A falta de consenso em torno disso foi outra marca de 2024. O lobby das big techs, que preferem pouca ou nenhuma regulamentação para acelerarem o máximo que puderem no desenvolvimento da IA, é intenso! Mas alguns dos maiores especialistas do setor afirmam que isso é um grande risco, pois a IA vem se comportando de maneiras que surpreendem seus próprios desenvolvedores.
O ano termina então com um grande desafio de encontrarmos maneiras de ampliarmos o desenvolvimento e os usos da IA para todos, porém de maneira responsável e segura. Como afirma Flores, "temos que democratizar a tecnologia, porque ela tem que ser benéfica para todos no seu dia a dia."
Pelo que vimos nesse ano, esse debate se desdobrará de maneiras muito interessantes em 2025.
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