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Opinião | IA pode ajudar alunos a falar mais e a aprender melhor

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Plataformas digitais ajudam estudantes a se envolverem melhor com o conteúdo escolar - Foto: Freepik/Creative Commons

Uma métrica eficiente para se identificar uma boa aula é medir o quanto os estudantes falam nela sobre o conteúdo. Quando interagem, os alunos aprendem melhor. Agora a inteligência artificial pode ajudar professores a envolverem mais suas turmas.

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Ser professor pode ser uma tarefa solitária. Fora dos centros de excelência, os docentes costumam criar seus planos de ensino com apoio mínimo, e ministram suas aulas sem uma avaliação contínua, com a qual poderiam aprimorar o processo.

Não é uma tarefa fácil. Produzir esse tipo de análise exige recursos que as escolas normalmente não têm. Além disso, se essa informação vazasse, o monitoramento de aulas poderia municiar membros de uma parcela da sociedade que decidiu perseguir professores explicitamente nos últimos anos.

Diante disso tudo, a IA surge como uma poderosa aliada pedagógica. Se bem usada, ela pode acompanhar as aulas do professor e lhe oferecer o apoio necessário de maneira eficiente e segura. Pode ainda atuar como um supervisor educacional para os docentes e como um tutor permanentemente disponível aos alunos.

Como tudo que se refere à inteligência artificial, soluções que parecem mágicas precisam ser bem compreendidas para que aparentes milagres não se tornem pesadelos. O robô pode mesmo oferecer grandes vantagens educacionais, mas ele não pode, de forma alguma, substituir o professor, como alguns poderiam pensar.

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Veja esse artigo em vídeo:


Recentemente descobri uma plataforma criada para ajudar os professores a aumentarem o engajamento de seus alunos. Apesar de usar reconhecimento de voz e inteligência artificial, a TeachFX não é nova: a empresa foi criada em 2016, muito antes de toda a visibilidade que essa tecnologia ganhou nos últimos meses.

Seu funcionamento é incrivelmente simples. O próprio professor grava o áudio de suas aulas como celular ou computador. A partir disso, o sistema cria relatórios que indicam quanto tempo o professor e os alunos falaram individualmente e em grupo, se o professor fez perguntas que promoveram o debate, se deu tempo adequado para reflexão dos alunos, quais as palavras mais usadas e até se elas foram muito acadêmicas ou técnicas.

Segundo a empresa, apesar de estudos comprovarem que alunos falando sobre o conteúdo aprendem melhor, a análise de 20 mil horas de áudio gravado de aulas do Ensino Básico americano indicou que cada aluno fala, em média, apenas 27 segundos a cada hora! Levantamentos internos indicam um incremento de 97% nesse tempo em alunos de professores que gravaram pelo menos oito de suas aulas e analisaram os dados oferecidos pelo sistema.

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Os desenvolvedores afirmam que a ferramenta não serve como um "espião" para diretores e pais. Os dados de cada professor são acessíveis só a ele mesmo. A equipe pedagógica vê apenas os números agregados de toda a escola. Eles entendem que, sem isso, os docentes não se sentiriam seguros para usá-lo. Não se trata, portanto, de um sistema para dar uma "nota" ao docente, e sim de uma ferramenta para promover uma reflexão qualificada do próprio método pedagógico.

Outro uso da inteligência artificial na educação que ganhou bastante destaque é o Khanmigo. Em maio, Salman Khan, fundador e CEO da Khan Academy, uma organização que oferece educação online gratuita, demonstrou essa ferramenta que auxilia professores e alunos. Ela não dá respostas aos estudantes, ajudando-os a pensar na solução dos problemas. Para professores, a ferramenta ajuda a planejar aulas engajadoras. Khan afirmou que, para os alunos, a IA atua como um tutor, enquanto, para os professores, age como um assistente.

Em um primeiro momento, parecem iniciativas incríveis, mas nem todos os professores estão entusiasmados com novidades como essas.

 

O medo do desconhecido

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Estamos em um período de transição no uso da inteligência artificial em todos os setores da economia, e a educação não é exceção. Mas, nesse caso, há alguns desafios adicionais, até pelas características de uma atividade bastante refratária a inovações tecnológicas, se comparada a outras profissões intelectuais.

Pela minha experiência como educador, analiso soluções digitais para a educação há quase duas décadas. Observo um medo desproporcional dos professores, que relutam em adotar novidades por desconhecimento e falta de preparo para usá-las em seu cotidiano. Como me confidenciou uma professora há alguns anos, "vejo muito valor no que esse sistema oferece, mas eu não sei colocá-lo na MINHA aula".

Mais que vender ferramentas aos professores, os desenvolvedores, as universidades e as autoridades educacionais precisam apoiar os docentes para que eles entendam que a tecnologia não pretende substituí-los nem restringir sua liberdade pedagógica. E obviamente isso deve ser verdade!

Não é trivial, especialmente diante de grupos que enxergam a educação de maneira meramente utilitária. No início do ano passado, por exemplo, o governo paulista tentou eliminar o acesso a livros didáticos nas escolas do Estado, substituindo por questionáveis slides criados pela equipe da Secretaria de Educação. Segundo o secretário da Educação, Renato Feder, eles seriam "mais assertivos" que os livros. Felizmente a proposta acabou sendo retirada, diante de protestos generalizados.

Como pesquisador de inteligência artificial, entendo que ela tem um poder considerável de homogeneizar conhecimento, ao ajudar com produções a partir de uma base de informações que representa uma espécie de "média" do que a humanidade sabe sobre qualquer assunto. Sem falar que isso pode também reforçar vieses e visões polarizadas do mundo. Isso deve ser evitado a todo custo!

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Mas esses riscos não devem servir de desculpa para que a IA não seja usada na educação, e sim que seja utilizada de maneira inteligente. Os professores devem ter seus receios acolhidos, enquanto lhes é ensinado como se apropriar dessas ferramentas para ampliar as boas práticas que conhecem e lhes apresentar outras, sempre de maneira transparente e explicada.

A inteligência artificial e qualquer outra tecnologia não devem, portanto, ameaçar a liberdade dos professores ou criar mecanismos para aprisioná-los em modelos padronizados e "assertivos". Pelo contrário, devem permitir que sua experiência e sua intuição encontrem maneiras mais eficientes e divertidas para envolverem seus alunos no cotidiano da mais nobre das profissões.

 

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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