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Opinião | Meio digital molda a realidade melhor que o Gênio da Lâmpada

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Abu, Aladdin, o Gênio e o Tapete Mágico, em cena da animação da Disney de 1992: distorcendo a realidade com magia - Foto: reprodução

Moldar a realidade a seu favor é um velho desejo da humanidade. Como os deuses foram sábios em não nos conceder tal dom supremo, recorremos à mitologia e a lendas para acalentar esse sonho. Mas agora estamos bem perto de concretizá-lo, não por mágica, mas pela tecnologia.

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De todas as histórias de manipulação da realidade, talvez a mais famosa, que permeia profundamente o imaginário popular, seja a de Aladdin. Graças aos poderes do Gênio da Lâmpada que encontra, ele transforma sua vida miserável em riqueza ostensiva, para se casar com a filha do sultão. Porém ao longo da história, Aladdin perde o controle sobre o gênio e tudo que havia conquistado desaparece, demonstrando não passar de uma ilusão.

O meio digital vem se apresentando como uma espécie de Gênio da Lâmpada real. Mas não basta pedir para que os desejos se realizem. Nessa versão do século XXI, é preciso compreender como o "gênio" -no caso, o algoritmo- funciona, e se tornar amigo dele.

Além disso, é preciso fazer o pedido com grande inteligência. Como não é simples mágica, a alteração da realidade dependerá de se manipular milhões de pessoas, que farão o que seu "amo" desejar inconscientemente. E assim como na história das "Mil e Uma Noites", a transformação pode realmente acontecer, mas, da mesma forma, se dissipar em uma nuvem fantasiosa, se não for bem cuidada.

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A lâmpada mágica atual é um smartphone e a Caverna das Maravilhas são as redes sociais. Mas uma coisa não mudou: os pedidos podem trazem grande benefícios, como também coisas muito perigosas, dependendo de quem os fizer. E essa "magia moderna" está ao alcance de virtualmente qualquer um, incluindo as pessoas despreparadas e -pior- as inescrupulosas.

O filósofo e escritor italiano Umberto Eco antecipou isso, em junho de 2015. Ao receber o título de doutor honoris causa na Universidade de Turim (Itália), afirmou que as redes sociais haviam dado voz a uma "legião de imbecis". Disse ainda que "agora eles têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel" e que "o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade."

Eco não era contra a Internet. Pelo contrário: ele a via como uma poderosa ferramenta de informação. Mas percebeu, antes que quase todo mundo, que ela seria usada também para distorcer a realidade, por inocentes e por criminosos. Faleceu oito meses depois, e assim não teve que conviver com o infortúnio da sua premonição.

De fato, de lá para cá, a verdade passou a ser vista como um incômodo a ser combatido por algumas pessoas, que aprenderam a usar os algoritmos das redes sociais -ou seja, os "gênios"- para colocar o mundo a seus pés.

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A história de Aladdin é muito educativa sobre como um mesmo poder pode ser usado para o bem e para o mal. O que vemos hoje nisso é um profundo processo de manipulação tecnossocial: portanto, um mau uso!

As motivações são as de sempre: poder e dinheiro. De uns anos para cá, aspectos ideológicos também ganharam força, mas, no final, isso também leva a poder e a dinheiro.

Quanto maior a ambição, maior será o abuso do "gênio". Podem acontecer coisas "pequenas" e quase incompreensíveis (mas potencialmente muito perigosas), como o visto há alguns dias, quando médicos negaram o câncer de mama e as mamografias. Casos mais graves podem alterar o destino do planeta, como na atual eleição presidencial americana.

O futuro da sociedade depende de as pessoas estarem atentas, educadas, bem-informadas e críticas para que a escalada dessa insanidade seja interrompida. Hoje, as perspectivas disso são bem ruins. Mas esse gênio precisa ser colocado de novo na lâmpada!

Conseguiremos? Ou preferiremos a sedução das riquezas ilusórias da Caverna das Maravilhas atual?

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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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