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Opinião | Na "estética" de um político manipulador, aceita-se até a brutalidade como ferramenta

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Foto do author Paulo Silvestre
Adolf Hitler (à frente) durante um comício nazista, em cena do documentário "Arquitetura da Destruição" - Foto: reprodução

A posse de Donald Trump para seu segundo mandato como presidente dos EUA coroou a polarização social. No mundo todo, grupos urram eufóricos com suas bravatas, enquanto outros se descabelam temendo o fim do mundo. Esses exageros não se concretizarão, mas refletem uma dinâmica de poder que mobiliza cada vez mais pessoas, mesmo em democracias consolidadas, iludidas com soluções simplistas e até com o uso do porrete como argumento.

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Os mecanismos de Trump são conhecidos, até porque ele já passou pela Casa Branca. Mas agora ele tirou os adultos da sala, cercando-se de bajuladores. No primeiro mandato, assessores e instituições democráticas americanas lhe colocaram freios, que agora ele fez questão de eliminar.

Governantes autoritários seguem uma cartilha desde a ascensão de Hitler. Que fique claro: de forma alguma, sugiro que Trump se assemelha ao líder nazista! Mas ambos exploraram medos e insatisfações populares para construir inimigos externos e internos que impediriam a grandeza de seus países. Também capitalizaram discursos simples e emotivos para essas frustrações. Enquanto Hitler utilizava mídias tradicionais para propagar suas ideias, Trump abraçou as redes sociais, ainda mais poderosas para disseminar desinformação instantânea e segmentada.

No passado e agora, o mais preocupante dessa estratégia é sua eficácia mesmo em populações instruídas, como os alemães da República de Weimar, que antecedeu o nazismo. A ideia de que a educação é um antídoto automático contra o autoritarismo é ilusória. Em momentos de crise, a busca por líderes carismáticos que ofereçam respostas simples a problemas complexos pode seduzir até os mais cultos.

Uma vez no poder, eles instrumentalizam a educação e a mídia, para que doutrinem a população enquanto desqualificam ou eliminam opositores. Essa prática se aplica a políticos de viés conservador ou progressista, nos EUA, na Alemanha, no Brasil e em qualquer outro país, mesmo em democracias robustas.

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Isso pode ser visto no documentário "Arquitetura da Destruição" (1989), disponível gratuitamente no YouTube. Com imagens da época, o diretor e roteirista Peter Cohen mostra como os nazistas usavam as artes, o esporte e até a arquitetura para esse fim. "A ambição do nazismo era embelezar o mundo pela violência", explica. "Uma das principais tarefas da propaganda nazista era criar um clima onde a brutalidade pudesse ser aceita, para transmitir a mensagem de que, com a beleza como objetivo, a crueldade era necessária."

Autocratas podem oferecer resultados imediatos, como crescimento econômico acelerado e melhorias pontuais na segurança. Entretanto, em longo prazo, levam a retrocessos políticos, sociais e econômicos.

A história mostra que a centralização do poder, o nacionalismo e a perseguição a adversários minam as bases de uma sociedade. A insistência em narrativas simplórias cria um abismo entre a realidade e a percepção popular, dificultando a resolução de problemas estruturais. E a erosão das instituições democráticas deixa cicatrizes que podem levar gerações para serem superadas.

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Contra isso, é fundamental fortalecer a educação crítica e o pensamento complexo. A sociedade precisa desenvolver anticorpos contra a desinformação. Mídia profissional, academia e entidades democráticas precisam trabalhar juntas por um debate público qualificado e demonstrar que sociedades prósperas se constroem pela cooperação, respeito à diversidade e fortalecimento das instituições.

A história mostra que movimentos autoritários não são inevitáveis. Eles florescem apenas quando as forças democráticas falham em identificar os problemas que afligem as pessoas e em lhes oferecer soluções convincentes.

O futuro da sociedade depende da sua renovação, adaptação aos desafios contemporâneos, e o uso adequado das ferramentas digitais para encontrar as saídas pelas quais as pessoas anseiam. Somente assim construiremos juntos um mundo em que a verdade prevaleça sobre a manipulação, e a democracia seja protegida das ameaças do autoritarismo disfarçado de solução.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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