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Opinião|O dia em que "Chaves" ganhou do jornalismo

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Foto do author Paulo Silvestre
O personagem Chaves, da série humorística mexicana que leva seu nome - Foto: reprodução

Não é segredo para ninguém que Silvio Santos tinha pouco apreço pelo jornalismo. Tanto é assim que, há alguns anos, disse, para quem quisesse ouvir, que preferia colocar no ar um episódio do humorístico mexicano "Chaves" ao invés de um telejornal.

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Desde que faleceu na manhã do sábado passado, Silvio Santos se tornou o grande assunto na mídia, nas redes sociais e nas rodas de conversa, que lhe rendem as merecidas homenagens. Nesse espaço, já publiquei um artigo explicando por que nunca mais haverá alguém como ele, e o que podemos aprender com seu legado.

Como qualquer ser humano, o gênio da televisão não era perfeito. Investir pouco em jornalismo era, para mim, seu pecado, especialmente por ser dono de uma das maiores emissoras do país.

Ele tinha seus motivos. Produzir jornalismo custa dinheiro. Produzir jornalismo de alta qualidade custa muito dinheiro! E o retorno pode ser proporcionalmente baixo, apesar de elevar a reputação de uma emissora, o que eventualmente lhe rende dividendos.

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Silvio Santos era um fenômeno do entretenimento popular e um gestor focado nos lucros. Foi responsável pela popularização por aqui de "Chaves" ("El Chavo del Ocho", 1972-1983), do genial Roberto Gómez Bolaños. Mesmo reprisado exaustivamente, a série atinge uma audiência considerável. Com um investimento baixo no seu licenciamento, o SBT consegue bons anunciantes.

Para quem se preocupa apenas com lucro, simplicidade operacional e apelo popular, faz sentido privilegiar "Chaves" a um telejornal, mesmo um barato. Esse era o raciocínio de Silvio Santos.

Então por que isso era um problema?

Silvio Santos foi um dos maiores formadores de opinião do país. Portanto, um comentário como esse desmerece a importância do trabalho jornalístico para uma parcela significativa da população, o que prejudica seriamente a cidadania: um povo desinformado é facilmente manipulável.

Além disso, ele era proprietário de uma grande emissora, com enorme audiência. Ao rebaixar o jornalismo em sua grade, privou seu público de um serviço essencial para o desenvolvimento do indivíduo e da nação. Vale lembrar que a lei determina que emissoras de rádio e de TV destinem pelo menos 5% de sua programação para algum serviço noticioso. Isso significa que uma emissora que transmite 24 horas por dia deve reservar pelo menos 72 minutos para notícias diariamente.

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Lembro-me de uma conversa que tive com Boris Casoy em 1993, quando era âncora do TJ Brasil. Nela, ele lamentou que a equipe que a TV Globo havia enviado para a cobertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona, no ano anterior, era maior que toda a equipe de jornalismo do SBT. Vale lembrar que o TJ Brasil com Casoy foi o telejornal mais respeitado da história da emissora.

Além disso, Silvio Santos sempre cultivou a proximidade com o governo, qualquer que fosse, a um ponto de bajulação explícita, como no infame programa "A Semana do Presidente". Dizia que o governante era seu "patrão". E mais de uma vez, isso conflitou com os jornalistas que desejavam fazer uma cobertura isenta.

A TV vem perdendo a relevância no jornalismo, isso é fato. Mesmo assim, o Jornal Nacional, da Globo, para desgosto de muitos, ainda pauta o Brasil. Quando uma grande emissora, como o SBT, não assume essa responsabilidade, contribui para a despolitização e a alienação do povo, especialmente daqueles desacostumados a consumir jornalismo de qualidade. Isso leva a esse cenário de radicalização irracional que rachou o país ao meio.

É pouco provável que o SBT mude essa política com a morte e Silvio Santos. Como já foi dito, seu brilhantismo uniu o país em torno do entretenimento e criou uma eficiente máquina de negócios. Apesar dessa questão com o jornalismo, seu legado é inestimável.

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Dessa forma, caberá, como de costume, a outros atores da sociedade investirem na informação e na formação dos cidadãos, papeis essenciais do jornalismo para qualquer país. Enquanto isso, o SBT garantirá as risadas com o "Chaves".


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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