PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Jornalismo, educação, tecnologia e as combinações disso tudo

Opinião|Pensamos muito no valor do dinheiro, mas nem tanto no custo para obtê-lo

PUBLICIDADE

Foto do author Paulo Silvestre
Pagamentos por aproximação e por rolinhos de dinheiro: duas realidades de um mesmo Brasil - Foto: Freepik/Creative Commons

Na semana passada, estive em Oeiras do Pará para conhecer um produto de inclusão financeira da TecBan. Já debati nesse espaço a criatividade e eficiência da proposta, então gostaria de abordar outra coisa que observei nessa incursão pelo interior do Pará: o custo para se conseguir o dinheiro.

PUBLICIDADE

Não me refiro apenas ao suor na face de um produtor de açaí na Floresta Amazônica, em comparação a um profissional que trabalha no ar-condicionado na avenida Faria Lima. Ambas as atividades têm valor, ainda que a enorme disparidade entre elas dificulte mensurar qual é o custo efetivo dos reais ganhos por cada um.

Mas quando descobri que muita gente precisa navegar horas pelo rio para chegar à agência bancária mais próxima, lotada, para fazer um singelo saque, antes de fazer o caminho de volta por barco, o custo para se conseguir o dinheiro ganhou uma nova dimensão.

Para quem vive nas bolhas das classes dominantes das grandes metrópoles, o dinheiro existe de forma etérea, subjetiva. Ele está "na nuvem", disponível a qualquer hora e lugar: basta aproximar o celular ou smartwatch da máquina de pagamentos.

Isso é bem diferente de alguém que eventualmente perde um dia de sua vida a cada mês para sacar todo seu dinheiro para as despesas, em uma região em que, a despeito de já oferecer pagamentos digitais, a cultura de "uma nota sobre a outra" é a que impera.

Publicidade

Como se vê, o custo e o valor do dinheiro nem sempre caminham de mãos dadas. Os mesmos R$ 100 não compram as mesmas coisas aqui e lá (o valor é diferente) mas o abismo é muito maior no seu custo, não apenas pela forma e pelas horas trabalhadas para ganhá-los, mas também por essas dificuldades.

Será que nós, trabalhadores metropolitanos, de serviços intelectuais ou não, estaríamos dispostos àqueles sacrifícios para sacar nosso rico dinheirinho mensalmente? Arrisco dizer que não, até mesmo porque sequer pensamos nessa possiblidade.

Isso me lembrou de uma passagem no início da minha carreira, como repórter na Folha de S.Paulo, em 1995. Sempre que deixava a Redação, por volta de 21h, observava que os arredores do jornal, na alameda Barão de Limeira, eram tomados por uma multidão. Não eram indigentes, mas todas as noites aquelas pessoas estavam lá, como se aguardassem por algo.

Publicidade

Perguntei, certo dia, ao colega João Batista Natali, então repórter especial e uma das pessoas mais gentis do pedaço, quem eram aqueles indivíduos. Ele me explicou que eram trabalhadores que aguardavam o jornal ser impresso para encartarem manualmente milhares de publicidades, que vinham de outras gráficas.

PUBLICIDADE

Natali me ensinou então algo que nunca esqueci: por que nós, jornalistas, não podemos atrasar o fechamento do jornal. Sempre queremos mais tempo: afinal, que diferença faria alguns minutos?

Acontece que se nós, que trabalhamos no conforto da Redação, atrasamos nossa entrega, isso impacta, em cascata, as entregas das equipes de pré-impressão, da gráfica e finalmente daquelas pessoas, que esperam horas nas intempéries para ganharem seu sustento.

Possivelmente o custo do dinheiro é maior para eles que para nós. E depois disso eu nunca mais pensei em atrasar o fechamento do jornal ou a entrega de qualquer trabalho.

Mesmo o dinheiro, algo pelo que trabalhamos e pelo que nações fazem guerras, se diferencia profundamente em cada caso. Precisamos sair de nossas bolhas e zonas de conforto para enxergarmos o mundo como ele realmente é.

Publicidade

Afinal, como escreveu William Shakespeare, "há mais coisas entre o céu e a terra que pode imaginar nossa vã filosofia".


Vídeo relacionado:

Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.