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Opinião | Proibir costuma ser ruim, mas e quando não se consegue uma solução melhor?

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O gangster Al Capone, ao ser preso em 1930, em Chicago (EUA) - Foto: FBI/domínio público

Na segunda, abordei nesse espaço a recém-aprovada lei australiana que sumariamente proíbe o acesso de menores de 16 anos a redes sociais. Isso provocou um interessante debate no LinkedIn: afinal, uma proibição lacônica é uma boa solução para um problema tão grave e complexo?

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Resposta curta: não! O proibido pode despertar a curiosidade e o desejo de transgressão, especialmente entre crianças e adolescentes. E eles têm uma incrível capacidade de encontrar soluções criativas para burlar limitações. Pior: podem fazer isso de maneira descontrolada, agravando o problema.

Soube de um caso real de uma família que castigava o filho temporariamente retirando seu acesso à Internet. Mas o que lhe era dito era que ficava proibido de tirar o notebook do armário. Pois bem, em determinada ocasião a mãe chegou em casa e não encontrava o filho. Acabou descobrindo o menino usando o computador dentro do armário, acessando a rede e respeitando a regra.

Chega a ser anedótico, mas é emblemático!

É para se pensar então por que a Austrália tomou essa decisão radical. Ter acontecido com apenas uma semana de debate no Parlamento pode aumentar a percepção de ser uma "lei ruim". Mas ela veio após um longo debate público, portanto não foi precipitada.

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Não haveria então uma solução melhor?

Possivelmente, mas às vezes não se consegue encontrar essa saída quando se está no olho de um furacão.

Podemos fazer um paralelo com a "Lei Seca", que proibiu a fabricação, transporte e venda de bebidas alcoólicas nos EUA, de 1920 a 1933. O objetivo era reduzir o alcoolismo e seus impactos sociais. O governo da época não identificou saídas menos drásticas. Mas o resultado foi a explosão da violência, com o surgimento do crime organizado (cujo maior expoente foi o gangster Al Capone, na foto), que contrabandeava bebida para bares clandestinos.

Os problemas da exposição dos mais jovens às redes sociais incluem cyberbullying, assédio moral e sexual, desinformação e outros conteúdos que podem afetar sua saúde mental e levar até ao suicídio. Provavelmente a melhor solução passaria pelo engajamento de pais para um acesso a essas plataformas pelos pequenos de maneira lenta e gradual, a partir dos 13 anos. E os adultos precisariam orientar e acompanhar de perto seus filhos.

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Infelizmente são pouquíssimos os que têm disponibilidade e até interesse nessa tarefa. O que se observa, em muitas ocasiões, é o contrário: pais entregando celulares e tablets para os filhos, para que se entretenham livremente. E isso é uma tragédia, pois as habilidades cognitivas de crianças e de adolescentes, necessárias para um uso seguro dessas plataformas, ainda não estão desenvolvidas, o que maximiza seus problemas.

A solução óbvia dependeria de mudanças profundas nas próprias redes sociais, mas essas empresas não resolverão isso. Apesar de cinicamente dizerem que fazem de tudo para proteger seus usuários, não criam nada que ameace seus ganhos bilionários. Isso foi explicitado por milhares de documentos internos da Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) expostos pela sua ex-gerente de produto Frances Haugen em 2021, no escândalo conhecido como "Facebook Papers".

Caímos de novo na solução australiana. Diante da incapacidade de se encontrar soluções melhores e da necessidade urgente de se proteger os mais jovens, o Parlamento decidiu "cortar o mal pela raiz".

O mundo deve acompanhar os desdobramentos dessa lei. Ela pode inspirar legislações semelhantes em outras partes do mundo. De todo jeito, o debate que está provocando já é muito bem-vindo.

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Os problemas causados pelas redes sociais não podem continuar sendo ignorados em nome de um libertarismo extremo, que, no final, só beneficia as big techs. Seus usuários precisam ser protegidos, pois a sedução algorítmica tem um poder implacável.


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Opinião por Paulo Silvestre

É jornalista, consultor e palestrante de customer experience, mídia, cultura e transformação digital. É professor da Universidade Mackenzie e da PUC–SP, e articulista do Estadão. Foi executivo na AOL, Editora Abril, Estadão, Saraiva e Samsung. Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, é LinkedIn Top Voice desde 2016.

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