O risco de colapso da mina 18 da Braskem em Maceió deixou a capital alagoana em estado de emergência no início de dezembro devido à possibilidade de afundamentos em ao menos cinco bairros. Esse problema veio à tona em 2018. À época, uma forte chuva, acompanhada de tremor de terra, provocou rachaduras em vias e imóveis da cidade.
Uma investigação apontou que os problemas foram originados na exploração de sal-gema naquela área, onde a atividade minerária começou a partir dos anos 1970. Desde então, três bairros inteiros foram totalmente desocupados, e outros dois foram desabitados parcialmente.
Houve ações e acordos judiciais, que envolvem a empresa, autoridades e os moradores, mas o impasse segue longe do fim. No domingo, 10, parte da mina 18 da Braskem com risco de colapso sofreu um rompimento. Imagens divulgadas pela Prefeitura mostram o reflexo do rompimento na Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange.
O Estadão preparou uma lista de perguntas e respostas sobre a crise em Maceió.
Quando os primeiros problemas surgiram em Maceió?
Em 3 de março de 2018, o município registrou forte chuva, acompanhada de tremor e afundamento do solo. Rachaduras em alguns imóveis de bairros como Pinheiro, Mutange e Bebedouro, além buracos em vias, serviram como provas mais visíveis de que havia algo de errado. Meses depois, o mesmo aconteceu no bairro Bom Parto, também nas adjacências da área de exploração mineral.
Especialistas, porém, apontavam para a suspeita de problemas oriundos das escavações desde 2010. Naquele ano, artigo publicado por pesquisadores de diferentes instituições, incluindo a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mostrou que a exploração do sal-gema estava provocando aumento do nível do lençol freático, o que poderia provocar maior pressão e afundamento do solo.
O problema em Maceió pode ter sido provocados por fenômeno natural?
Quando surgiram as rachaduras, não havia resposta clara para os motivos. A partir disso, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) começou a fazer estudos na região. Tempos depois, o órgão descartou que se tratasse de fenômeno natural.
Depois, o SGB apresentou os resultados de seus estudos, indicando que a extração mineral de sal-gema pela Braskem foi a responsável pelos danos na cidade.
Ao todo, 35 minas de extração de sal-gema já foram abertas em Maceió ao longo de quase cinco décadas. Além da mina 18, que tem maior risco de colapso, o estudo do SGB apontou deformação em outras.
Qual é o tamanho da área comprometida?
Segundo Ministério Público Federal (MPF) de Alagoas, a área comprometida equivale a 255 campos de futebol e abrange mais de 14 mil imóveis ocupados por 57 mil moradores e comerciantes.
Dados da própria Braskem apontam que foi identificada a necessidade de desocupação preventiva em 14.544 imóveis, sendo que a realocação foi feita em 14.454. Das 19.096 solicitações de compensação financeira apresentadas, 18.564 foram aceitas e 17.908 indenizações já foram pagas.
Quem é responsável pela Braskem?
Do capital total da Braskem, 38,3% pertencem à Novonor (ex-Odebrecht), 36,1% a Petrobras, e outros 25,5% a outros sócios. A construtora, por sua vez, detém 50,1% do capital votante (parte do capital da companhia representado por ações com direito de voto), enquanto 47% pertencem à petroleira, e 2,9% aos demais.
Há, porém, uma negociação para vender a Braskem. Com apenas uma oferta na mesa, da petroleira de Abu Dhabi Adnoc, a Novonor e seus credores estão atrás de outros potenciais interessados na empresa, segundo a Coluna do Broadcast.
Quais foram as consequências do caso Braskem na Justiça e no Congresso?
Desde março de 2018, diferentes ações contra petroquímica foram movidas pelos Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual (MP-AL). Três dessas ações partiram do MPF, incluindo uma contra órgãos de fiscalização estadual e federal.
Na ação socioambiental, segundo o MPF, são réus o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e a Agencia Nacional de Mineração (ANM), além da própria Braskem. Procurados pela reportagem, IMA e ANM não se manifestaram.
No curso desses processos, acordos extrajudiciais foram homologados. Em um deles, a Braskem se comprometeu a apoiar a desocupação dos imóveis em áreas consideradas de risco, bem como realocar seus moradores e indenizá-los.
No acordo, a empresa se comprometeu a “reparar, mitigar ou compensar potenciais repercussões e danos socioambientais decorrentes da extração de sal-gema no Município de Maceió”. O município aderiu ao acordo em 2021, “notadamente para medidas de reparação”, segundo o texto encaminhado para homologação judicial.
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O montante é de R$ 1,7 bilhão, valor que é “reconhecido e declarado pelo município como suficiente para sua reparação integral, englobando compensação, indenização, honorários e/ou ressarcimento por todos e quaisquer danos diretos e indiretos, patrimoniais e extrapatrimoniais, eventualmente suportados pelo Município”, segundo estabelece o acordo.
No último dia 30, a Justiça determinou que mais imóveis - tanto na parte mais crítica quanto nas áreas de monitoramento - fossem incluídos no programa de compensação financeira da empresa.
O governo de Alagoas, por sua vez, afirma que o passivo causado pela Braskem com o problema das minas de sal-gema é de aproximadamente R$ 30 bilhões.
Em outubro, a Justiça condenou a Braskem a indenizar Alagoas por danos devido ao afundamento de cinco bairros, com valor ainda a ser calculado. A ação foi movida pela Procuradoria Geral do Estado.
Em abril, a Justiça chegou a determinar o bloqueio de R$ 1 bilhão da Braskem após pedido do governo alagoano pela reparação de danos, mas a decisão foi suspensa posteriormente.
Também haverá uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso para investigar o caso, que deve ser instaurada na terça-feira, 12. O senador Renan Calheiros (MDB) é um dos principais articuladores da CPI no Legislativo. O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), é aliado de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e opositor de Renan.
Quais medidas já foram adotadas pela Braskem após 2018?
Segundo a petroquímica, diferentes iniciativas foram acordadas com autoridades federais, estaduais e municipal. Elas incluem realocação preventiva e compensação financeira das famílias; ações sociourbanísticas e ambientais; apoio a animais; zeladoria e vigilância nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal.
Com o fechamento das minas, as operações da Braskem em Alagoas prosseguem com matéria-prima importada do Chile.
A Braskem diz ainda, em nota, que “desenvolve ações em Maceió com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol”. Todas as ações, afirma a empresa, são fiscalizadas pelos órgãos competentes.
“As iniciativas, acordadas com autoridades federais, estaduais e municipal, abrangem diversas medidas como a realocação preventiva e compensação financeira das famílias; ações sociourbanísticas e ambientais; apoio a animais; zeladoria e vigilância nos bairros; monitoramento do solo e fechamento definitivo dos poços de sal”, acrescenta a companhia.
Quais os valores já empenhados com indenizações?
Dados da companhia divulgados ao mercado apontam que, até o momento, R$ 14,4 bilhões foram provisionados e R$ 9,2 bilhões já foram desembolsados com as ações adotadas no Estado. Os valores incluem indenizações, além de medidas socioambientais e econômicas.
O que aconteceu com os bairros afetados?
Ao todo, cinco bairros estão nas áreas de risco. Três deles já foram totalmente desocupados: Mutange, onde fica a mina 18, Pinheiro e Bebedouro. Os outros dois, Bom Parto e Farol, foram parcialmente desocupados.
Quem deixou suas casas foi indenizado pela Braskem. Os valores envolvidos consideravam a avaliação do imóvel. Moradores das regiões afirmam que quase a totalidade aceitou as propostas, considerando os riscos e também o fato de os bairros se esvaziarem, sem segurança nem qualquer serviço ou comércio. Quem não concorda com os valores oferecidos tem entrado na Justiça a fim de buscar uma compensação melhor.
Atualmente, em sua maioria, restam apenas os esqueletos dos imóveis nos três bairros totalmente desocupados. As casas não têm mais porta e janelas; muitas delas também estão sem o teto. O acesso a elas foi concretado pela Braskem.
Em algumas regiões, como em Bom Parto, há ruas que não tiveram a interdição recomendada pela Defesa Civil. Nestas áreas, grande parte dos moradores afirma que deseja se mudar, mas não tem dinheiro para isso.
A área poderá ser reocupada?
As áreas onde ocorreram evacuações não estão condenadas para sempre. Poderão ser reocupadas, embora isso seja um processo complexo, mas isso dependerá de monitoramento constante, avaliação de custo e interesse público.
“Depende da intensidade do problema e do mapeamento da extensão”, diz o geólogo Francisco Dourado, professor da Universidade do Estado do Rio (Uerj). “Diferentes soluções podem ser adotadas, e isso vai condicionar as medidas de mitigação e seus custos. A partir daí, se estabelece a relação custo-benefício”, afirma.
“Se os custos (financeiros, políticos e sociais) ultrapassarem os benefícios, opta-se por proibir o uso da área, mas isso não significa que a área não será utilizada. Se o custo for menor que os benefícios, executam-se obras e a área pode ser novamente ocupada. Às vezes por um novo tipo de ocupação, como uma área de lazer ou comercial”, exemplifica.
O que significa o rompimento que aconteceu no domingo (10 de dezembro)?
A Defesa Civil de Maceió informou que parte da mina 18 com risco de colapso sofreu um rompimento. Com isso, a água da Lagoa Mundaú está entrando na mina. Existem divergências sobre as consequências do episódio. Equipes técnicas do Ministério de Minas e Energia, da Defesa Civil e da prefeitura de Maceió e afirmam que o “incidente foi localizado, sem danos maiores aparentes”. Especialistas, por sua vez, fazem ressalvas e afirmam que o episódio pode ser o início do rompimento total e que é preciso observar os impactos nas outras minas.
O que pode acontecer com a lagoa? Quais os danos ambientais?
O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, afirma que os danos ambientais só poderão ser analisados no final do processo de estabilização da mina. Dilson Ferreira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), afirma que já é possível prever alguns impactos na fauna e na flora. “A salinidade da água pode aumentar porque a mina é de sal-gema de alta pureza. Podemos sim ter mortandade de peixes”, diz.
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