Maceió: uma igreja simbolizou a união de moradores em meio ao risco de colapso. Hoje ela foi fechada

Último culto reuniu cerca de cem pessoas na Igreja Batista do Pinheiro, na capital alagoana. Neste domingo, após ordem judicial, a Defesa Civil esvaziou o local. Braskem diz manter tratativas para apoio à realocação

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Foto do author Marcio Dolzan
Atualização:

A Igreja Batista do Pinheiro, uma das últimas edificações que seguiam ocupadas no bairro da cidade de Maceió, foi interditada pela Defesa Civil no início da tarde deste domingo, 3. O local era considerado simbólico pelos moradores por ter sediado encontros e debates sobre as desocupações promovidas pela empresa petroquímica Braskem a partir de 2018. Na manhã deste domingo, um último culto foi celebrado no espaço que há mais de cinco décadas servia de ponto de reunião e fé para quem vivia na região.

O fechamento, por motivo de segurança, é temporário e atende à determinação da Justiça Federal. Ele teve por base a situação de emergência decretada pelo risco de colapso de uma mina da petroquímica, localizada no Mutange, a algumas centenas de metros do local. Um eventual desabamento da mina pode afetar a segurança de imóveis de todo o bairro; neste domingo, o governo federal pontuou que os efeitos podem ser “localizados”.

O fechamento, por motivo de segurança, é temporário e atende à determinação da Justiça Federal Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Cerca de cem pessoas, quase todas ex-moradoras do bairro, acompanharam o culto. Muitas choraram ao saber que o espaço seria interditado. O local alegre, aberto todos os dias e com bastante presença de crianças, no início da tarde teve um fechamento quase melancólico.

“A gente foi pego de surpresa”, lamentou o funcionário público Valcknaer Chagas, 40. “Nasci e me criei aqui na igreja. Minha vida toda foi aqui, e foram me tirando tudo aos poucos. É como se fosse um bolo, foram tirando fatia por fatia até chegar ao final.”

Chagas morou a vida toda no Pinheiro, mas teve que sair em 2020 em meio às desocupações maciças realizadas no bairro. “Aguentei bastante, mas na minha rua só tinham mais três pessoas, já não tinha mais segurança. Nos mudamos para a Cidade Universitária, do outro lado da cidade. Antes, estávamos a 15 minutos de tudo, e agora estamos a uma hora de shopping, praia e estádio.”

A mulher dele, a corretora de seguros Edvânia Minervino, de 38, também lamentou o fechamento da igreja. “Foi aqui que conheci meu marido, foi aqui onde conheci o evangelho, foi aqui onde me casei, me batizei, e de uma maneira brutal (terminam com tudo)”, disse ela, que vê omissão histórica das autoridades.

Cerca de cem pessoas, quase todas ex-moradoras do bairro, acompanharam o culto. Muitas choraram ao saber que o espaço seria interditado Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Desde 2018 houve investigações, realocação de moradores, mas estamos chegando a 2024 e o que mais choca é que nenhum representante da empresa foi responsabilizado ou preso. Somente a população e as famílias estão pagando, e por uma situação que a gente não pediu.”

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Neste sábado, a Braskem disse que 100% da área considerada como de risco foi evacuada após determinação judicial. A empresa disse realizar um monitoramento contínuo da situação da mina 18 e ter uma comunicação constante com as autoridades públicas da cidade.

A Braskem disse manter tratativas desde 2021 para oferecer apoio à realocação da igreja. “A empresa permanece aberta ao diálogo e segue empenhada na implementação das medidas decorrentes da desocupação nos bairros, conforme determinação das autoridades, com foco na segurança das pessoas.”

Região convive com riscos oriundos da possibilidade de colapso da mina 18 da Braskem Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Rotina em meio a um bairro-fantasma

Os jardins bem cuidados, a grama aparada, a pintura em dia e a limpeza impecável dos espaços que compõem a Igreja Batista do Pinheiro são um contraste com o bairro que, nos últimos cinco anos, foi sendo desocupado.

Enquanto no entorno o que mais se vê são casas com os acessos concretados, a igreja mantinha suas portas abertas todos os dias - pelo menos até às 13h35 deste domingo, quando dois agentes da Defesa Civil apareceram para interditar o espaço.

Tombada como Patrimônio Material e Imaterial de Alagoas desde 2021, a igreja se orgulha de ser um foco de resistência no bairro que, pouco a pouco, foi sendo extinto.

Tombada como Patrimônio Material e Imaterial de Alagoas desde 2021, a igreja se orgulha de ser um foco de resistência no bairro que, pouco a pouco, foi sendo extinto Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Nossa igreja foi um ponto, desde o começo, de tentativa de articulação das populações residentes, quando isso tudo ainda estava habitado”, diz a pastora Odja Barros. “Desde o começo a gente foi um ponto de resistência.”

Odja conta que, no início do processo de desocupação, o espaço serviu inclusive para representantes do Ministério Público tratarem da organização de documentação dos residentes no bairro. Reuniões frequentes também eram feitas com moradores a fim de se debater ações para o processo de realocação deles. Afinal, boa parte resistia a se mudar.

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“A igreja foi uma articuladora comunitária importante. Isso se deu bem até 2020, quando veio a pandemia. Com a pandemia, já não era possível aglomerar. Nós não somos uma comunidade anticiência, nós não somos daquele grupo evangélico que negou a pandemia. Assim que chegou a pandemia, nós deixamos de nos reunir aqui”, explica Odja. “Nesse sentido, a pandemia acabou sendo uma aliada para a Braskem e veio na hora errada para a gente, porque desmobilizou (a população).”

Ela conta que a petroquímica chegou a tentar negociar o pagamento de uma indenização para que a igreja também se retirasse. “Mas nós nunca abrimos diálogo de negociação, nós não queremos indenização. Nós não queremos ganho financeiro, não tem valor que nos indenize. O que nós queremos é manter nossa história, nosso patrimônio imaterial, sendo um sinal de resistência”, afirma a pastora.

Segundo ela, a própria manutenção do espaço ajuda a mostrar um outro lado da história. “Uma igreja que continua aqui tem ao menos jogado um sinal de interrogação e confrontação com a empresa”, considera Odja. “E a gente não desconsidera os riscos. Tem uma área que realmente não dá (para ficar). Se nós estivéssemos em outro lugar deste território, nós já teríamos saído.”

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